O LIMITE DA INTOCABILIDADE
Délcio Vieira Salomon
A expulsão de Larry Rohter do Brasil pelo presidente Lula, por ter-lhe criticado suposto alcoolismo, tem muito em comum com a da senadora Heloisa Helena, juntamente com outros deputados, do PT.
A da senadora e companheiros, conforme escrevi, à época e nesse espaço, foi sintomática, por ter escancarado a face autoritária, até então oculta, de um partido que se diz ideológicamente de esquerda, mas que assumiu, naquele momento, postura completamente oposta, típica da direita reacionária. Justo por renunciar à convivência com o dissenso, com o contraditório, em nome de falsa concepção de democracia como construção do consenso.
No fundo, o que o partido realmente está demonstrando obsessivamente, desde então, por fas e por nefas, é preservar não a convivência pluralista e democrática, mas a imagem carismática do presidente, guindado pelos asseclas a mito eternamente intocável, qual arca sagrada que o “povo eleito” da política brasileira haverá de carregar até o fim da jornada, para que os “não eleitos” passem a admirar, sem jamais tocar.
A bom entendedor, a mensagem estava e continua dada: construir o consenso em torno da vontade soberana do chefe, porque, na estrutura mitológica do carisma, o que ele quer só pode ser o que o povo quer.
A partir daquele dia, como ficou confirmado, governo e seu partido ficaram mal perante o país. Pesquisas de opinião estão aí a mostrar a queda de aceitação do presidente. Agora, Lula, com seu gesto, certamente induzido por seus conselheiros e bajuladores, ficou “em posição ridícula” perante o mundo, conforme a expressão de Rohan Jayasekera, editor da Index on Censorship, órgão denunciador de casos de censura e responsável por proteger o direito de expressão de jornalistas de todo o mundo.
Há de preocupar a todos nós a concepção de política, de governo e até de Estado que nos têm revelado os atuais detentores do poder. Não pensam mais em ser representantes de quem os elegeu. Antes, pelo contrário. Julgam-se donos do poder soberano, incluindo nesse o de escolha e de decisão do cidadão comum, até da liberdade alheia. A continuar agindo dessa maneira, que diferença fará, daqui a pouco, o atual governo da ditadura militar de 64 a 85?
Daí a estranheza de Goyzueta, do jornal espanhol ABC, ao ressaltar o caso como de “censura e perseguição de um governo dito democrático e formado por pessoas que sofreram perseguição”.
Coerência entre o discurso da campanha eleitoral e os atos de governança, Lula e seu partido já demonstraram que não possuem. Já sufocaram a esperança tão olimpicamente construída no decorrer do processo eleitoral de 2002. Já comprovaram, à exaustão, que não vieram para mudar, pois Lula, desde que assumiu a presidência, apenas deu continuidade, por falta de competência, o que FHC apenas começou.
Lamentavelmente as atitudes desastrosas do governo, em curto espaço e em pouco tempo (como a expulsão da senadora e demais dissidentes do PT, a desastrosa reforma da Previdência, a demissão de Christóvam Buarque do MEC, o escândalo Waldomiro Diniz, a malsinada MP contra os bingos e sua derrota no Congresso, o descarte da CPI sobre a terceirização dos jogos de azar, que, em última instância, seria a da corrupção que assola o país, agora a expulsão inédita do jornalista do New York Times, apenas para pontuar as mais clamorosas), estão a proclamar, à luz do sol, aquilo que, por certo, estava oculto sob o abafador da hipocrisia: o limite da tolerância desse governo é o limite da intocabilidade do chefe.
|