Usina de Letras
Usina de Letras
53 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62244 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10450)

Cronicas (22538)

Discursos (3239)

Ensaios - (10372)

Erótico (13571)

Frases (50643)

Humor (20033)

Infantil (5441)

Infanto Juvenil (4770)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140812)

Redação (3308)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6199)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Artigos-->AS PROMESSAS E O MAL ESTAR EM TEMPOS MODERNOS -- 09/09/2006 - 23:41 (Luciana Marino do Nascimento) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
AS PROMESSAS E O MAL ESTAR EM TEMPOS MODERNOS

Luciana Marino do Nascimento

Doutora em Teoria e História Literária pela UNICAMP

Professora Adjunta do Departamento de Letras da UFAC



Para Aline Cristina M. do Nascimento,

Vigor da juventude e dos tempos modernos.







O século XX foi atravessado pelo signo da modernidade que já vinha sendo gestada há pelo menos quatro séculos anteriores. O termo modernidade tem entrada recente no glossário historiográfico. No Brasil, por exemplo, tal ocorrência tem seu registro somente nas décadas de 70 e 80. Note-se que o termo adquiriu certa popularidade, apesar de constituir uma idéia complexa seja no campo da História, da Sociologia ou da Filosofia.Etimologicamente, o moderno tem origem na palavra modernus (modus / hodiernus) que passou a significar o estar na ordem do dia. Há duas canções de Lulu Santos, intituladas “Tempos Modernos” e “O Último Romântico” , que encerram de maneira magistral, as promessas, frustrações, conjunções, disjunções, continuidades e descontinuidades que a modernidade trouxe para os diversos campos da vida social.

As letras das músicas de Lulu Santos, aliadas às reflexões de Marshall Berman, em “Tudo o que é sólido desmancha no ar”, nos trazem a oportunidade de repensar a modernidade e nos situar diante de um tempo que muitos vêm denominando, atualmente, como pós-modernidade.

Viver a modernidade, sem dúvida, é arriscar-se ao perigo de enfrentar o novo, o inseguro; é embrenhar-se por caminhos que podem levar a esfuziantes momentos de glória, mas, ao mesmo tempo, ver-se desorientado num mundo de desintegração e mudança, como nos ensina Marshal Berman, em “Tudo o que é sólido desmancha no ar- A aventura da modernidade”, ensaio, cujo título, o filósofo americano tomou de empréstimo do Manifesto Comunista de Marx e Engels:

“Ser moderno é viver uma vida de paradoxo e contradição, é sentir-se fortalecido pelas imensas organizações burocráticas que detêm o poder de controlar e freqüentemente destruir comunidades, valores, vidas; e ainda sentir-se compelido a enfrentar essa forças, a lutar para mudar o seu mundo transformando-o em nosso mundo. É ser ao mesmo tempo revolucionário e conservador: aberto a novas possibilidades de experiência e aventura, aterrorizado pelo abismo niilista ao qual tantas das aventuras modernas conduzem, na expectativa de criar e conservar algo real, ainda que quando tudo em volta se desfaz.”

Ao abrir sua canção, Lulu Santos nos mostra as expectativas que cercaram o imaginário social na modernidade com as promessas de felicidade, beleza, futuro brilhante e uma certa transparência que fomentou uma idéia de ruptura com valores passados, muitas vezes, considerados hipócritas, o que se reflete na exortação do sujeito poético para que se veja e viva o amor e a vida intensamente, exibindo o entusiasmo proposto pelo projeto de modernidade, como podemos observar nos fragmentos abaixo:



Eu vejo a vida melhor no futuro

Eu vejo tudo isso por cima de um muro

De hipocrisia, que insiste em nos rodear.

Eu vejo a vida mais clara e farta

Repleta de toda a satisfação

Do que se tem direito, do firmamento ao chão.

Eu quero ver o amor numa boa

Que isso valha para qualquer pessoa

Eu vejo um novo começo de era,

De gente fina elegante e sincera

Com habilidade pra dizer mais lindo, que não , não, não....

Hoje o tempo voa, amor,

escorre pelas mãos,

mesmo sem se sentir

que não há tempo que volte, amor

Vamos viver juntos o que há pra viver,

Vamos nos permitir.



A consciência da inexorabilidade do tempo e da mudança de paradigmas na canção de Lulu, nos mostra uma fruição das conquistas modernas, ao mesmo tempo em que exibe a perda de elos comuns que antes uniam as pessoas, mas o futuro apresenta-se como promissor, segundo os postulados da modernidade, o que encontra eco, segundo João Carlos Souza Ribeiro, no otimismo do homem moderno que, “inaugurou o século otimista, alegre como o romântico. Paradoxalmente, promove duas grandes guerras mundiais e parte para a segunda metade do século proclamando sua pseudo-liberdade pelo mundo virtual, já acentuado pelas descobertas de um eu que se divide no ambiente do psiquismo; pensa aquele, na trilha romântica, que se conhece a si mesmo.”

Tais idéias são também expostas em outra canção do músico carioca - “ O último romântico”-, na qual Lulu Santos expõe a ruptura com o pensamento da tradição, inclusive, desautorizando discursos que já haviam se tornado consenso. Marshal Berman salienta que apesar de sedutor, o grande projeto de modernidade trouxe em seu bojo idéias paradoxais, ainda que tenha tido como proposta o alargamento de fronteiras, a concepção de universalidade e a crença sem limites na ciência como solução para todos os problemas, como antes já havia aturdido, Freud em “O mal estar na civilização moderna”. O músico carioca expressa muito bem toda a experiência vital da modernidade, como se pode observar na passagem que se segue:





Faltava abandonar a velha escola,

Tomar o mundo feito coca-cola,

Fazer da minha vida sempre o meu passeio público,

E ao mesmo tempo fazer dela o meu caminho só,

O que for.

Talvez eu seja o último romântico,

dos litorais desse Oceano Atlântico,

Só falta reunir a zona norte à zona sul

Iluminar a vida,

Já que a morte cai do azul.

Só falta eu te querer, te ganhar e te perder

Ao meu amor dá aaa,

Ser gente grande pra poder chorar.

Me dá um beijo, então,

Aperta a minha mão,

Tolice é viver a vida

Assim sem aventura.

Se é loucura, então,

Melhor não ter razão.



A utopia e os ideais de liberdade, fraternidade e igualdade estão em cena em ambas as canções de Lulu Santos. Em “ Tempos Modernos”, a felicidade deve fazer parte da vida de todas as pessoas, sem exceção. Em “O último Romântico” unir as zonas Norte e Sul e viver sob o signo da aventura constituem uma ruptura radical com as convenções sociais, ratificando, de certa forma, o projeto de modernidade Iluminista que ficou devendo às suas próprias expectativas, pois, na prática, o sol acabou não reservando um lugar para todos, frustrando a muitos, sendo este um dos tópicos nos quais Freud vai insistir em suas análises em “ O mal estar na civilização moderna”.

Na expressão que fecha a última estrofe: “ melhor não ter razão”, Lulu santos nos mostra a total entrega a uma experiência que promete aventura, alegria, sem que se use demais a racionalidade, pois é o turbilhão moderno que caracteriza o fazer o novo e a liberdade das escolhas dos indivíduos, fatos estes que encontram fundamentos nas promessas do projeto de modernidade, conforme nos mostra Marshall Berman:

“ O turbilhão da vida moderna tem sido alimentado por muitas fontes: grandes descobertas nas ciências físicas, com a mudança da nossa imagem do universo e do lugar que ocupamos nele: a industrialização que transforma conhecimento científico em tecnologia, cria novos ambientes humanos e destrói os antigos, acelera o próprio ritmo da vida, gera nova s formas de poder (...), os sistemas de comunicação de massa, dinâmicos em seu desenvolvimento, que embrulham e amarram, no mesmo pacote, os mais variados indivíduos e sociedades. (...) No século XX, os processos sociais que dão forma a esse turbilhão, mantendo-o num perpétuo estado de vir-a-ser, vêm a chamar-se modernização. ”



Lulu Santos talvez queira nos mostrar que apesar da época em que vivíamos no Brasil - início do anos 80- década vista como “ perdida” por muitos historiadores e cientistas políticos, apesar de escassos, os sonhos, ainda não haviam acabado, a nova década eclodia sob o signo da modernização do país, com a abertura política, novos parques industriais, o surgimento do Rock Brasil, a era da disco music havia se consolidado e a realização de um grande festival de Rock: o Rock in Rio, colocava o Brasil em sintonia com o que havia de mais inovador no Rock e no Pop Rock:

(...) “Presenças como as de Arnaldo Antunes e Os Titãs, numa linha punk-minimalista, de Cazuza, misturando blues e ritmos brasileiros, e de Renato Russo e a Legião Urbana, (...) forneceram o mesmo tipo de pão essencial prodigamente distribuído vinte anos antes por Caetano e Chico.”

Cabe ressaltar que a expressão “O último romântico” foi dita, nos anos 60, por Nelson Rodrigues para Nelson Motta, produtor de Lulu Santos. Quando Motta era jornalista do Jornal “ A Última Hora”, do Rio Janeiro, o teatrólogo, lá, também trabalhava e no afã de juventude, Nelson Motta havia escrito um artigo, no qual rotulava o eminente teatrólogo de “ apolítico”. No dia seguinte, o jovem crítico musical ficou a espera de uma reação destemperada de Rodrigues, entretanto, este saiu a repetir em tom alto pelos corredores do jornal :

“ – Nelsinho, você é o último romântico”! o que divertidamente, ele denominava de “esquerda festiva” e, com isso, já nos advertia que as defesas apaixonadas ao extremo, de uma pseudo-politização não surtiam efeitos, de fato. Por outro lado, caracterizava um retorno ao exagero das expressões românticas, o que demonstra a sua atualidade.

Reler Lulu Santos e seu otimismo num tempo como o nosso em que o “eu” encontra-se fragmentado, imerso num niilismo, envolto em intensas crises políticas no país, que atingem, também, a industria cultural, tão pasteurizada, onde tudo é homogêneo, nada se cria, tudo se retoma, é. Sem dúvida, lembrarmos que não podemos perder de vista as utopias artísticas e afinal, “o sonho não acabou”.



Referências Bibliográficas



BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido desmancha no ar. A aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.



MARINO, Luciana. O moderno. In: A cidade de papel. Varginha: Alba, 2000.



MORICONI, Ítalo.Pós-modernismo e volta do sublime na poesia brasileira. In: PEDROSA, Célia et. al . Poesia hoje. Niterói: EDUFF, 1998.



RIBEIRO, João Carlos de Souza. Sob o fio da navalha: Da modernidade Brasileira e Utopia da Pós-modernidade nacional.In: LOBO, Luiza et. al.(orgs.). A Poética das cidades. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999.p.51-70



SANTOS, Lulu. De leve. Rio de Janeiro: Globo/Wea, 1996.





Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui