Usina de Letras
Usina de Letras
47 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62245 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10450)

Cronicas (22538)

Discursos (3239)

Ensaios - (10372)

Erótico (13571)

Frases (50643)

Humor (20033)

Infantil (5441)

Infanto Juvenil (4770)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140812)

Redação (3308)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6199)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Artigos-->Como nos velhos tempos: Rio de Janeiro e a memória da cidade -- 09/09/2006 - 22:37 (Luciana Marino do Nascimento) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Profa. Dra. Luciana Marino do Nascimento (UFAC)

Doutora em Teoria e História Literária pela UNICAMP- Professora Adjunta do Departamento de Letras da Universidade Federal do Acre.





Dedico este trabalho a

Aline Cristina, Menina do Rio

que se tornou Menina das Minas.





A cidade é o lugar do olhar.

Massimo Canevacci- A cidade polifônica.





RESUMO: Este trabalho pretende tecer algumas considerações sobre a imagem da cidade do Rio de Janeiro, na letra da música “Rio Antigo (como nos velhos tempos)”, de Chico Anísio e Nonato Buzar, buscando enfocar a urbe como texto e registro da memória de um tempo.



PALAVRAS-CHAVE: Poesia, cidade, modernidade.



A cidade pode ser entendida como pólo imantado que atrai, reúne e concentra os homens. Ela é o templo onde o homem celebra e promove dia após dia a sua habilidade de interagir e reinventar o meio ambiente. Fruto da imaginação e do trabalho articulado de muitos homens, a cidade é uma obra coletiva que desafia a natureza. Nesse sentido, falar sobre a cidade, essa vasta rede de múltiplas significações, pode ser uma atividade prazerosa, é uma oportunidade de ler, reler e repensar esse espaço criado em que se vive, onde as pessoas se agregam e desagregam e cada indivíduo é um e, simultaneamente, fragmento de um conjunto, parte de um coletivo.

Ao ler a cidade do Rio de Janeiro através da ótica dos Velhos tempos, de Chico Anísio, nos é facultado desenhá-la, pois cada conjunto de versos apresenta fragmentos da cidade, que ao serem suturados em seu conjunto constroem um sentido, a partir de estilhaços, disseminados no discurso da canção. “ Como nos Velhos Tempos” se inicia, no então, tempo presente-1979-, cujo movimento de memória se faz pelo “ontem no amanhã”, tecendo uma recordação dos anos 20, 30, 40 e 50:



Quero o bate-papo na esquina,

Eu quero o Rio Antigo

com crianças na calçada

Brincando sem perigo,

sem metrô e sem frescão,

O ontem no amanhã.

Eu que pego Bonde 12 de Ipanema,

Pra ver o Oscarito e o grande Otelo no cinema,

Domingo no Rian.

Me deixa eu quere mais, mais paz

Quero um pregão de garrafeiros,

Zizinho no gramado,

Eu quero um samba sincopado,

Taioba, bagageiro,

E o desafinado que o Jobim sacou.



Nesse primeiro conjunto de versos, Nonato Buzar e Chico Anísio partem da exposição dos velhos costumes, da conversa na esquina e das brincadeiras nas calçadas, que são interpeladas pela presença de meios de transporte modernos, como o metrô ou o frescão- ônibus de tarifa diferenciada, aparelhado com ar-condicionado, em oposição ao “taioba”, vagão de bagagens, configurando, portanto, a perda de elos comuns que antes uniam os indivíduos a uma tradição social.

Lucrecia D´Alessio Ferrara ao se referir aos estilhaços da memória urbana, nos afirma que a cidade atual apresenta um processo generalizado, que tem como índice aniquilação do monumento e a apoteose do documento, anunciando, segundo o autor, a renúncia à cidade como alegoria da história. (FERRARA, 1996.p.20)

Sob o ponto de vista nostálgico, os espaços perdidos são lugares evocadores de tempos distintos, vividos pessoal e coletivamente. São memórias que, a partir de fatos, procuram unir o presente ao passado da cidade.

Referindo-se tanto a objetos como a lugares, Halbwachs acredita que o apego a eles, o desejo de que não mudem não pode ser explicado em termos de comodidade ou de estética, ou seja, “nosso entorno material leva ao mesmo tempo nossa marca e a dos outros.”(HALBWACHS, 1990. p.20)

Tal qual Kublai Khan, o narrador de “As Cidades Invisíveis”, de Ítalo Calvino, que constrói imagens urbanas através da memória, Buzar e Chico Anísio reconstróem o Rio de Janeiro no qual predominava uma euforia nacionalista com os campeonatos de futebol e com a famosa canção de louvor à terra, de Ari Barroso.

Relembrando o narrador de Calvino,que constrói imagens das cidades com a memória, lancemos um olhar sobre o que o viajante sobre a cidade de Zenóbia e suas mudanças urbanísticas: “não se sabe qual necessidade ou mandamento ou desejo induziu os fundadores de Zenóbia a dar essa forma à cidade, portanto, não se sabe se este foi satisfeito pela cidade tal como é atualmente, desenvolvida, talvez, por meio de superposições do indecifrável projeto inicial.”( CALVINO, 1995.p.36) Parece-nos que a citação de Calvino quer nos apontar para a perda de uma idéia original, indecifrável, origem que a memória cultural tenta recuperar. Há sobre a cidade, outras urbes que têm o mesmo nome e que representam as muitas transformações pelas quais a mesma passa, afinal, a cidade “nunca deixa mostrar suas rugas”, como na canção que evoca uma “ cidade sem aterro, como Deus criou.” (ANÍSIO E BUZAR, 2004, faixa 8)

A cidade, então se oferece à múltiplas leituras. Conforme sugere Kevin Lynch, em A imagem da cidade, podemos reencontrar a imagem da cidade nos leitores da mesma, que por sua vez, escolhem pontos de referência para articular seu discurso.(LYNCH, 1982,p.20)

No discurso da canção, vai-se perdendo a legibilidade da cidade e na vida social de uma época, onde um sujeito estilhaçado lê ruínas, não reconhece a sua cidade e, através da escrita procura ler essa cidade pelos fragmentos da memória. No Rio de Janeiro das vozes evocadoras do passado, inscreve-se a memória. Dessa forma, cidade e memória se unem pela redundância, como diz Calvino pela boca de Marco Polo: “a cidade é redundante:ela se repete de maneira que qualquer coisa se grava no espírito. A memória é redundante: ela repete seus signos para que a cidade comece a existir”.

A memória dos lugares que vão desaparecendo, não só em termos físicos, mas sobretudo em termos pragmáticos e significativos- não só naturalmente, pelo desgaste do tempo, mas também compulsoriamente; pela intervenção da engenharia, tem seu espaço como objeto de saudade; de nostalgia, como é o caso do Hotel Leblon citado na canção “Rio Antigo”. O hotel data dos anos 30 e sua crônica é repleta de trejeitos ocultos e curiosas histórias, bem como a Lapa, o Capela Lanches e outros, que remetem à uma memória emotiva das reminiscências.Vale ressaltar que encontramos em Walter Benjamin, a imagem da cidade como reminiscência, na qual a cidade não é representada pela “Rua de Mão Única”(BENJAMIN, 1987.p.30), mas por uma contramão, porque busca rememorar não a lembrança do que foi perdido, mas acender a curiosidade do porquê foram perdidos tais espaços, procedimento que recupera a memória urbana, tal qual podemos encontrar no “Rio Antigo”, de Chico Anísio:



Eu que pego no meu rádio uma novela,

Depois vou à Lapa, faço um lanche no Capela,

Mais tarde eu ela, para os lados do Hotel Leblon.

Na canção de Buzar e Anísio, as reminiscências de um tempo passado se cruzam os aspectos individual e coletivo, um turbilhão alegórico, que muitas vezes não se sabe se a imagem é a da cidade ou a dos autores que estão à procura de um espaço perdido, que se tenta recuperar pela rememoração a nomes que marcaram e criaram, de certa forma uma identidade da época, como Sérgio Porto, Walter Pinto, Ary Barroso e Dalva de Oliveira:

Quero o programa calouros

com Ary Barroso

O Lamartine me ensinando

Um lá, lá, lá, lá, lá, gostoso

Quero o Café Nice

De onde o samba vem.

Quero a Cinelândia estreando “E o vento levou”

Um velho samba do Ataulfo

Que ninguém jamais gravou

PRK30 que valia 100

Como nos velhos tempos.

(...)

Quero um som de fossa da Dolores

Uma valsa do Orestes, zum-zum dos Cafajestes

Um bife lá no Lamas,

Cidade sem aterro como Deus criou.

Quero o chá dançante lá no clube

Com Waldir Calmon

Trio de Ouro com a Dalva

Estrela Dalva do Brasil

Quero o Sergio Porto

E o seu bom humor.

Eu quero ver o Show do Walter Pinto

com mulheres mil

O Rio aceso em lampiões

E violões quem não viu

Não pode entender o que é paz e amor.

Ao reverenciar a memória de grandes personalidades já falecidas, Buzar e Anysio, chegam à derradeira constatação da inexorabilidade do tempo, numa trágica tomada de consciência, na qual se reafirma uma tradição, no que pesem as dificuldades, o elemento afetivo se faz presente, inclusive como vozes que ecoam de um passado e que instiga no sujeito poético o desejo de saber porque foram perdidos lugares e fatos.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENJAMIN, Walter. Rua de Mão única. Obras escolhidas II. São Paulo: Brasiliense, 1987.

BUZAR, Nonato e ANYSIO, Chico. Rio Antigo. Como nos velhos tempos. Rio 2004.

CALVINO, Ítalo. As cidades Invisíveis. 8 reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

FERRARA, Lucrecia D´Alessio. Leitura sem palavras. São Paulo: Ática, 1996.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.

LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. Lisboa: Edições 70, 1982.

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui