Sarney já observou que FHC não completa o pensamento. Há alguns meses nosso presidente declarou: “o mal dos políticos brasileiros é que vivem fazendo exercício de tiro ao alvo”. Mais uma vez deixou latente o que queria dizer. Qual é o alvo: ele ou o povo? Sendo ele político, se inclui entre os que fazem exercício de tiro ao alvo. Logo nos permite inferir: - o alvo dos políticos é ele, o presidente, mas o alvo-vítima de seu tiroteio somos nós, o povo.
Às vezes fico a pensar que FHC foi aluno dos jesuítas ou assimilou até à exaustão o pensamento de Maquiavel. Tanto a moral jesuítica como a maquiavélica adotam, para justificar certos pronunciamentos e determinados atos, a chamada “epiquéia”. Poderíamos traduzi-la como “restrição mental” ou “a atitude de referir-se a uma realidade e pensar em outra”. Assim a “epiquéia” oculta a verdadeira intenção da fala ou da prática do ato.
Esta observação vem a propósito face ao comportamento de nosso presidente, desde que assumiu o poder, mas se torna patente nestes últimos dias. Enquanto todos estamos atônitos, com medo de possível repetição dos fatos que levaram ao “impeachment” de Collor - com escândalos a pipocar em todos os setores do governo, inclusive nas forças armadas, nosso presidente continua viajando pela Ásia, tranqüilo como um “globe-trotter”, um “dandy” a exibir seus dotes de intelectual que virou estadista. Deve estar acreditando que, com frases de efeito e com o uso constante das “epiquéias”, conseguirá contornar a gravidade da situação (na sua visão, certamente, o grave só existe para nós, pobres mortais, que não alcançamos o topo de sua majestosa sabedoria). Faz lembrar o paulista quatrocentão Eduardo Prado que acabou se tornando personagem de romance de Eça de Queiroz.
Parece que só nós é que estamos alienados, vendo e sentindo na pele e entranhas como prioritários os problemas sociais de educação, saúde, fome, miséria e violência. Ao senhor presidente o prioritário é manter as aparências de uma moeda estável e a imagem caricaturada de um país sério perante o FMI. Realmente, FHC só pode estar fazendo “epiquéia”, quando fala e quando viaja, fingindo ignorar a crueldade da realidade social em que todos estamos metidos. Onde está o sociólogo admirado e aplaudido pelos trabalhos acadêmicos e que aparentou demonstrar conhecimento da sociedade e do homem brasileiros?
A indignação contra este desvario com o poder e a preocupação em fazer bela figura perante o estrangeiro levam-nos a pensar que FHC está encarnando a “doença da classe dominante” - “a conformação bipartida da personalidade” de que nos fala Darcy Ribeiro em O Povo Brasileiro, manifestada pela mais viva cordialidade nas relações com seus pares e, ao mesmo tempo, pelo descaso no trato com os que lhe são socialmente inferiores
A concordar com nosso eminente antropólogo, vamos concluir que também a classe dominante é, em grande parte, fruto da escravidão dos negros e do massacre dos índios, ambos sempre justificados pela “epiquéia” dos jesuítas.