Em Vila Esperança todos diziam que JC, se não era deus, ao menos era o maior sábio que já aparecera. Na plenitude zodiacal de seus 33 anos era ouvido e consultado como a um oráculo. Por montes e vales até o mais distante grotão corria sua fama e era por todos exaltada. Em fria noite de maio, ele surgiu no centro da comarca, para fazer a tradicional conferência do ano. O tema era mais do que convidativo: “as três fórmulas de viver longevamente”. Por isso o recinto do auditório transbordou de gente até pelas janelas. A expectativa se fazia pesado silêncio. Diante da compenetração geral, Joaquim Camaleão - o aclamado JC - começou a falar. Ao declinar a primeira fórmula de viver, frente à platéia, do alto do estrado caiu fulminado por um colapso cardíaco. A reação súbita do público se traduziu em uníssono Ah!...Logo seguido pela exclamação de um de seus maiores admiradores: - Triste ironia que a todos nós esmaga!
A lembrança de JC vem a talho diante do espetáculo de nosso presidente frente às câmeras de televisão, na posse dos dois novos ministros. Todos esperávamos a palavra firme, serena e tranqüilizadora do mais alto mandatário, a demonstrar que as denúncias de corrupção por compra de votos para a reeleição não o atingiam, mesmo dirigidas a seu ‘alter ego’ - o ministro das Comunicações. Ainda que este tenha sido sempre seu Sancho Pança, a expectativa geral era de que o brilhantismo intelectual do presidente ia brindar a Nação com uma aula magna de como solucionar graves problemas e qual a maestria política de contornar crises. O momento era mais do que propício.
A esperança de todos nós era que nosso grande luminar em alto e bom som iria demonstrar, como no seu tempo de academia, por que precisa e merece ser reeleito. No entanto, o que vimos, foi justamente o contrário. Uma cena deprimente da mais sovada farsa política. Montada com palanque, coro de bajuladores e claque trazida em cento e vinte ônibus “alugados com dinheiro público”, como consta do noticiário da imprensa.
FHC fez recordar Collor na véspera do impeachment. Não tendo argumentos contra as pesadas acusações de corrupção, arengou para a Nação. Ao invés de um discurso substantivo de defesa e de soluções, nos despejou uma fala adjetiva de impropérios contra os acusadores e contra todos que se dizem oposição. Escudou-se em sua biografia para espezinhar com ameaças demagógicas possíveis desestabilizadores de seu governo, por ele identificado (pasmemo-nos!) com a própria ordem democrática. Não parecia um estadista. Antes, um futuro ditador sul-americano como o retratado por Carpentier em Recurso ao Método: quanto mais o caudilho tentava salvar o prestígio abalado, mais se emaranhava na própria vaidade até a derrocada final.
Qual JC, na frente de todos nós, desmoronou o dono do segredo de como ser reeleito “com as mãos limpas”. E como seus admiradores, somos também levados a exclamar: - Triste ironia que a todos nós esmaga! Nossa decepção diante da submissão de FHC a seus áulicos é maior que a por ele confessada, face à possível corrupção a seu redor. É a mesma que levou Virgílio, na Eneida, devido à capitulação de Heitor, a colocar na boca do maior amigo do general: - Quam mutatus ab illo primitivo Hectore! (Quanto estás mudado em relação ao antigo Heitor!).
