Apesar de honrado com a leitura pelo preclaro ministro Carlos Velloso de meu artigo “Para que o TSE?”, sua crítica (EM 05.10.05) causou-me grande decepção.
Para ele, “incorri num turbilhão de equívocos, por estar desinformado”. Talvez quisesse que fosse tão informado quanto ele para ter o direito de escrever numa seção de opinião onde predomina a doxa e não a epistheme.
Do contrário, não terminaria seu artigo e-xigindo de mim “rigor científico” e, assumindo o papel de voz da Pátria, acrescentar: “o Brasil a-gradece” (se eu não confundir as coisas e tiver rigor científico).
Ao examinar os equívocos assinalados, tomei consciência de que o que ele chama de equívocos nada mais são do que frutos de estilo cognitivo diferente do seu.
O dele é o lógico formal, o meu, o dialético e impregnado do “pensée interrogative”, por isso eminentemente problematizante.
Pena que não mereci dele a leitura de meu ensaio "A maravilhosa incerteza", resultado de minha tese de livre-docência na UFMG. Teria poupado seu precioso tempo em defender o que não foi atacado.
Por isso não me causa mossa quando chama de equívocos o que para mim são exercícios da razão dialética (ah! quanta falta faz a leitura de Sartre hoje em dia!...)
Senão, vejamos. Do começo ao fim, sua leitura, talvez movida pelo título do texto, tem como suporte referencial a acusação. Assim, partiu do pressuposto de que tudo o que estaria escrito seria acusação contra o TSE e os juizes eleitorais. Em decorrência, veio-lhe o propósito de responder a tais acusações.
Entretanto, em nenhum momento estou acusando nada e ninguém. Basta este exemplo ("ab uno disce omnes"!): segundo ele “acuso os juízes de vaidosos”, quando simplesmente coloco a questão em termos interrogativos: “Será que a vaidade de ocupar o cargo de juiz e de não exercê-lo efetivamente é que tem sustentado esse estado de inocuidade de um poder tão necessário à democracia?”.
A meu ver, o ponto culminante de contraposição de nossos estilos cognitivos está nesta passagem de meu texto: “Se hoje o mar de lama atinge parlamentares, por que não atinge os juízes que lhes aprovaram as contas de campanha?”
O ministro não viu aqui o pensamento in-terrogativo de todos quantos, como eu, estão perplexos diante do próprio Lula a justificar o caixa 2 e da corrupção que assolou o governo, notadamente o Legislativo.
Mas o ex-Presidente do TSE parece não se abalar, pois mostra não estar atingido pela indignação popular. Diante daquela interrogação declara: “repilo com veemência, a afirmativa (sic!) do articulista”.
Em sua repulsa, esqueceu de reparar que citei e elogiei seu trabalho junto com a comissão especializada para reformar a Justiça Eleitoral.
Aqui está o “busilis” da questão: só a legítima fiscalização dará paradeiro à corrupção eleitoral. Sem ela o aparelho judicial eleitoral continuará inócuo.
Não é preciso ser especialista em Justiça Eleitoral para constatar tal fato. Basta o bom senso e a motivação de exercer a cidadania. O que causa estranheza é fugir da questão relevante e exigir “rigor científico” de quem aponta a falha. Agora, se problematizar, se interrogar é afirmar e acusar, realmente o ministro tem toda razão: meu modo de expressar fere o seu “rigor científico”.
Mas, curiosamente, não o ferem estes dois momentos em sua escritura.
O primeiro, quando ao responder à minha colocação de fundo histórico, extrapola tal contexto e salta para o pólo teórico e abstrato. Escrevi: “nunca se teve notícia de indiciamento de algum juiz eleitoral por leniência ou omissão”. Eis a contestação de Sua Ex.cia: “A Justiça Eleitoral nunca foi leniente ou omissa”. Enquanto falo de juizes concretamente, ele recorre à categoria abstrata “justiça eleitoral”. Onde está, pois, seu “rigor ci-entífico”?
O segundo momento está em sua afirmação de que “a cédula única (...) surgiu por proposta do TSE (1955)”. Ora, é assaz sabido que a cédula única resultou de proposta da UDN (à testa Carlos Lacerda) através de projeto, como tática, para derrotar JK. Por reação do PSD, o projeto aprovado permitiu que a cédula única viesse a ser impressa e distribuída pelos partidos. (ver, entre outras fontes: ).
Por tudo isso, honrado ministro, se “os brasileiros têm motivos de se orgulhar de sua Justiça Eleitoral”, como proclama, têm também o dever de apontar-lhe erros e defeitos.