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Artigos-->O PADRE E O BÊBADO -- 04/09/2006 - 18:52 (Délcio Vieira Salomon) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O PADRE E O BÊBADO





Délcio Vieira Salomon



Quid est veritas?

(perguntou Pilatos a Jesus) (Jo:18,38)



In vino veritas

(provérbio latino)





A acareação ocorrida no Conselho de Ética do Senado, para apurar a verdade da violação do painel eletrônico, colocou-nos a todos nós, espec-tadores, diante do grande conflito entre a verdade de cada um e a verdade objetiva. Ineludivelmente ficou demonstrado que, na ausência da evidência, prevalece a verdade subjetiva. No fundo, a ver-dade que cada um constrói convictamente sobre a mesma realidade enfrentada por si e pelos outros. Fora deste estado só resta a alternativa da “ma-ravilhosa incerteza” apontada por Nietzsche. Mas não é este estado de espírito que a acareação produziu em nós.



Curiosamente, assistimos a três depoimen-tos, a três revelações, a três confissões diferentes sobre o mesmo fato. Ficamos sem saber qual o móvel de cada um ao querer praticar o mesmo delito. Onde está a verdade? Perguntamo-nos até hoje.



O espetáculo me pareceu ao daquele velho cura do interior que queria convencer um paro-quiano sempre alcoolizado, de que seria condena-do ao inferno. Por mais que o já calejado vigário se esforçasse para convencê-lo, o inveterado pin-guço se mostrava renitente. Sob os efeitos do teor etílico, aparentava estar mais lúcido que o pregador religioso.



Registrava-se o diálogo entre a verdade estabelecida (pelo pregador, pela instituição) e a verdade gerada pela convicção de cada um. No fundo a dialética do medo versus a lucidez. Medo como apelo ao último argumento de convenci-mento e, em reação, lucidez a brotar da sinceri-dade, onde habita a verdade subjetiva. Recorrer à incutição do medo é recorrer a mecanismo de projeção descoberto e tão bem explicado por Freud. Realmente quem pensava e agia sob o tormento do medo era o sacerdote. E tentava transferi-lo ao bêbado.



- Seu padre (responde, de certa feita, o borracho ao vigário), por que irei para o inferno, se não cometi nenhum pecado mortal? – Porque, meu filho, você vive embriagado e no estado de embriaguez comete coisas horríveis, falta ao res-peito às donzelas, diz palavrão a toda hora, es-candaliza todo mundo. – Mas, padre, se eu faço tudo isso, o senhor é quem o diz, porque eu não sei nada disso não...– Então, você acha que eu estou acusando você de fazer coisas que não fez, eu é que estou mentindo, estou caluniando, estou levantando falso testemunho? – Eu não disse na-da disso, o senhor é que acaba de confessá-lo.



Como se tivesse recebido violento choque, o vigário ficou estarrecido. A sobriedade da lógica do não sóbrio era irretorquível. Depois de longo silêncio de reflexão, e já não suportando mais o eco das palavras do bêbado em sua consciência, tomou-o pelo braço e com voz embargada lhe disse : - Meu caro, você me acaba de convencer de que todos meus estudos no seminário e duran-te a vida sacerdotal de nada valeram. Lógica, Fi-losofia, Teologia, Moral, Direito Canônico, Escritu-ras Sagradas, Historia da Igreja, Pastoral... nada disso vale nada. Realmente você tem razão. A verdade é o que julgamos ser verdadeiro, sem preconceitos e sem contrariar o que realmente vemos com nossos próprios olhos. Se o juízo final fosse agora ou se neste momento o raio da Justi-ça Divina nos fulminasse a nós dois, por certo eu é que estaria condenado ao inferno por julgar injustamente as pessoas, por atribuir a elas o que eu penso ser errado, falso, pecaminoso. E você estaria recompensado, ocupando lugar garantido no paraíso. Você realmente já passou pelo fogo eterno, pois nele vive desde que o conheço. Já está purificado. Eu que pensava estar o inferno na outra vida, vejo que me enganei redondamente. Você acaba de me dar a maior lição moral e teo-lógica: quem vive bêbado, não peca; quem não peca é santo, quem é santo, vai para o céu.



E o velho vigário subiu a escadaria da torre e começou a tocar o sino da igreja convocando os paroquianos para comunicar a todos a grande revelação da Verdade que acabara de acontecer





















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