"Hoje eu tinha partido em seis, três jilós, para o meu almoço. Faço isso na chaleira de café. O apartamento é pequeno e não cabem muitas panelas. Acontece que enquanto punha a carne cozida em cima do macarrão, esqueci o jiló no fogo. Moral: deixei o jiló pra janta. Vou comê-lo frio. "
Se eu parasse aqui a crónica, e ela fosse ser analisada de um ponto de vista literário e não culinário (um idiota só veria aqui a parte culinária, o que ele pensaria ser o óbvio, mas há um (vários) conteúdos metafísicos). E até das artes bélicas.
Analise do sujeito: o camarada demonstra estar improvisando (faço isso na chaleira de café. O apartamento é pequeno e não cabem muitas panelas.) e oprimido pelo espaço. O esquecimento do jiló demonstra uma desatenção do sujeito, que pode ser um tipo dado a devaneios ou talvez estivesse com o pensamento longe do que fazia no momento por uma opressão externa.
O esquecimento do jiló no fogo poderia ter causado uma tragédia, se não fosse percebido a tempo; um incêndio talvez.
Por que o sujeito comia exatamente macarrão, carne cozida (o que pressupõe que seja carne de segunda) e jiló? Aqui poderia haver uma tese económica. Marxista ou Capitalista, poderia se dividir o caso do jiló em duas analise distintas. Duas diferentes academias.
O fato é que o sujeito pode ser visto como um estrategista ou apenas um pobre; ou um pobre estrategista ou um estrategista pobre, o que são coisas diferentes.
O mundo pode ser comparado ao Jiló; talvez o jiló tenha antecedido ao homem e dele, o jiló, tenha vindo toda a cultura humana e sua extraordinária complexidade, do folclore popular à tecnologia de ponta. Talvez por isso o mundo tenha gosto de jiló; ninguém sabe com precisão se ele presta ou se não presta - eu gosto. E serei sempre grato de ter esquecido meu jiló para o jantar; jiló frio é outro prato. Moral: quem não tem muito, tem que ser muito. E do jiló de cada dia faço meu cozido.