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Artigos-->UM BESOURO CONTRA A LUZ -- 21/08/2006 - 23:58 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
UM BESOURO CONTRA A LUZ



Francisco Miguel de Moura*



De súbito, um besouro começou a perturbar o silêncio de meu quarto. Bate com força e voa, bate novamente e voa, de todas as formas. Bate contra o quê? Ora numa ora noutra das lâmpadas acesas, como se quisesse adentrá-la, nela se fundir. Mas, de tanto voar e de tanto bater, encontra um pequeno interstício entre o suporte de metal e a lâmpada propriamente dia. Alguns segundos depois sai do esconderijo e pára na superfície incandescente por alguns instantes. E volta a fazer a mesma coisa, talvez no mesmo sentido, perfazendo o mesmo caminho.

É um zumbir realmente desconfortante.

Vou à cozinha e pego uma vassoura para enxotá-lo pela janela que dá para o nosso jardim da frente, ali tão perto, cheio de plantas perfumosas e alegres nas suas cores, tudo cuidado por minha companheira de muitos anos. Mas ele não sai do buraco e quando o faz não consigo nem tocar com a vassoura. Bicho ligeiro.

Depois do primeiro susto e de ouvir seu esvoaçar no qual entram as batidas secas na lâmpada acesa e rebulíço das asas pude pensar que talvez estivesse sentindo frio e em busca do calor da luz.

Tive pena dele e meu pensamento retoma por outra linha, deduzo que o bichinho é cego. E vou mais à frente. Quem não vê a escuridão, nada sabe do outro lado dos universos: a negação, o limbo, a dor sem esperança. Só tem por si a alegria eufórica de quem está entorpecido por uma paixão, e assim vai se consumindo inutilmente. Falta-lhe a razão, o alcance fora de sua órbita. Esta, sim, vê, estuda, aprende, apreende e esquece, sente, sonha, cria. Vive poeticamente. Pois quem tem a idéia da luz e ao mesmo tempo das trevas sabe que pode perder aquela a qualquer momento e deve estar atento a tudo quanto acontece em seu entorno e mais distante.

Nosso besouro seria mesmo um cego? Nesse caso só teria escuridão em si, e, sentindo frio, buscava o calor gostoso do verão que já pressentira em redor da lâmpada. Só aquele momento, talvez o de toda a sua vida.

Eu era o poeta da hora dessas observações, seguindo pelas linhas gerais: as curvas que se cruzam no infinito. O poeta não consome, se honra verdadeiramente o ser desta palavra, mas se consome e é consumido. Na dor, na alegria, nada faz de prático, se o faz não realiza como preferência. Faz apenas o dia-a-dia, e neste, as coisas de suma importância para sobreviver.

De outra forma, mesmo com tal argumento que expendi apenas para contestá-lo, mais para satisfazer-me, pergunto:

– E a poesia não é o próprio fazer?

– É, mas diferente, respondo. Ela fala, e é tudo. O poeta, mágico como o criador, escreve, e está feito. Ele diz e está dito, porque diz de uma forma inexistente: cria. Qual o homem pleno, não tem dialética. São líquidos e límpidos os poetas, nos seu mundo sobreposto e sublimado. Líquidos, límpidos, eles vêm do Olimpo e se acercam da fonte de Castália para repurificá-la e namorar as ninfas. O poeta sabe, pouco mas o bastante para tomar o seu caminho, gostar da luz, beijá-la e reconhecer as trevas como igualmente o lusco-fusco, o cinza, todas as cores da alma.

Será que o nosso besouro tomava o seu caminho ou apenas se consumia na busca da luz e do calor? Ficará escondido até quando? Terá quebrado a cabeça contra a lâmpada. Quando morrerá? E se não morrer agora, só na próxima noite porque tem medo do dia, da luz do sol, agora que se engolfou nessa luz de artifício.

Olho o teto e ainda o vejo. Está vivo ou morto, agarrado à matéria morta? Preto, da cor da noite. Música minha já não ouve, nem mesmo a própria.

Para ele também tudo foi mistério ou só para os homens que se preocuparam em consumir, consumir a dureza das cousas (mercadorias) e sentir a distância da fonte primordial?

_________________________

*Francisco Miguel de Moura, escritor brasileiro, leia outros textos nos seguintes lugares: www.usinadeletras.com.br www.jornaldepoesia.jor.br www.antoniomiranda.com.br e www. gazzag.com/franciscomigueldemoura

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