Usina de Letras
Usina de Letras
257 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62152 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10448)

Cronicas (22529)

Discursos (3238)

Ensaios - (10339)

Erótico (13567)

Frases (50554)

Humor (20023)

Infantil (5418)

Infanto Juvenil (4750)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140786)

Redação (3301)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1958)

Textos Religiosos/Sermões (6176)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->21. O RESPLENDOR DE LUZ -- 25/04/2002 - 07:31 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Durante vários anos, Marcos se transvestia de borboleta por ocasião do carnaval e se apresentava para os concursos de fantasias. Não se destacava dos demais porque as economias eram poucas e a imaginação não condizente com as auréolas da glória que fantasiavam a dos concorrentes. Na verdade, o que Marcos objetivava em sua metamorfose era sentir-se senhor de extenso resplendor de luz, como se sua aura refulgisse aos olhos dos demais.

Os anos foram pesando e o ardor dos primeiros tempos arrefecendo.

Certo carnaval, Marcos não desfilou, desanimado e incerto. Por aquele tempo, as sessenta primaveras haviam passado e mais alguns outonos e verões, aproximando-se a hora dos invernos.

Cabisbaixo, percorria as ruas, observando de soslaio a alegria do povo. Em roupas comuns, não foi reconhecido pelos velhos companheiros de pândegas, que ainda brilhavam nas festividades. Marcos contentou-se em comparecer à porta dos salões e, mais tarde, diante do aparelho de televisão, viu os desfiles e ouviu a descrição das roupas, uma vez que, no branco e preto da tela, só era capaz de perceber certos resplendores e o extremo luxo dos tecidos e pedrarias. Naquele ano, um amigo distribuiu entre os juízes do concurso algumas pedras semipreciosas e ele pôde conceber a riqueza que sustentava toda aquela orgíaca demonstração de poder.

Ainda durante alguns anos, perambulou pela vida, desacompanhado, uma vez que não constituíra família e se afastara dos íntimos dos tempos de boêmia. Abandonara de há muito a pederastia e agora revoluteava o cérebro no intuito de conseguir atribuir algum sentido à vida. Certa feita, surpreendeu-se acusando o coração de extremado mau gosto por perpetuar o movimento sem vacilações. Estava realmente agoniado. Quando faleceu, encontraram em sua cabeceira algumas vidas de santos, dois ou três objetos da umbanda, uma flor de seda branca manchada pelo tempo e pequeno volume de preces espíritas.

Tudo, devidamente encaixotado, foi colocado no fundo do porão da casa, no aguardo de alguma reclamação da parte de algum parente. No armário, entretanto, foram encontradas algumas armações desmontadas, que se revelariam perfeitas asas de mariposas. No fundo das gavetas, caprichosamente guardados, estavam os tecidos coloridos que, um dia, compuseram a glória do solitário folião.

Marcos chegou em prantos ao lado de cá. As cãs de alvíssimos fios formavam maviosa madeixa, apanágio único da personalidade. Aguardavam-no alguns amigos sem muito entusiasmo, desconfiados de que sua atuação na Terra não merecera a atenção da parte dos instrutores e superiores da hierarquia celeste. De fato, as lágrimas refletiam a desesperança dos últimos tempos e a compreensão tardia da perda do encarne. Os últimos dez anos tinham sido de profundo sofrimento, diante da impotência de desfazer o que atara de modo errado e de reatar de forma correta os laços que rompera um dia.

Apegara-se a Deus nas preces e protegia-se de espíritos malfeitores através dos amuletos, em cujas virtudes acreditava piamente. No final da vida, conhecia de cor todas as orações do pequeno livro e mantivera intactas as fantasias, para provar a si mesmo a falsidade da existência. No derradeiro ano, débil fisicamente e flácido mentalmente, deixava-se empolgar por visões de mariposas voando, translúcidas e coloridas, resplandecentes de luz. E foi nesse engolfar em crises de arrependimento e em delírios de glória que abandonou o corpo terrestre.

Lágrimas vertidas, lágrimas enxugadas. À sua espera, uns poucos amigos e, surpresa inaudita, vigoroso anjo de luz que lhe trazia rutilante fantasia de borboleta, com esplêndida auréola prateada.

Ao volver os olhos para a sublime visão, esta se desvaneceu no ar etéreo, perdendo Marcos a noção completa do lugar e da hora. Os amigos recolheram-lhe os frágeis despojos perispirituais e conduziram-no inerte para casa de restabelecimento adequada para o tratamento. Ali permaneceria longo tempo em estado cataléptico, engolfado em sua mente, incapaz de reações racionais e positivas. Vivera imerso em sentimentos de pieguice e em sonhos de grandeza. Sua inteligência dedicara-se ao cálculo das quiméricas conquistas das lantejoulas e dos strass. Sua aspiração fora a exaltação dos caprichos e o enaltecimento de si mesmo. A grandiosidade se transvestira em ilusões. O estágio na letargia servia-lhe para a reflexão a respeito da vida. Não sofria porque se arrependera, mas não progredia porque havia que restaurar os princípios do encarne relegados a segundo plano. No fundo do quadro consciencial, a figura do anjo a ofuscar-lhe a vista, com a empolgante demonstração do poderio celestial. Era o que não conseguia decifrar.

— Por que, — interrogava-se imerso na profundidade mais negra da consciência, — por que o Senhor me permitiu ver a minha glória transubstanciada em esplendor celestial? Por que, se toda a minha vida foi perdida, na busca de inúteis fantasias?

Chegado a esse ponto da reflexão, tendo colimado todas as explicações para todos os atos falhos, recebeu, na qualidade de intuição, a resposta definitiva:

— Meu caro, Deus lhe deu a ilusão de ver concretizarem-se as suas aspirações, pois o sonho de soerguimento do espírito humano deve conduzir a humanidade para os páramos da luz. Sonhar não é proibido, aspirar à grandiosidade da perfeição é absolutamente plausível, criar e manter as aspirações de crescimento e de glorificação junto ao Pai é o que se requer de todas as criaturas. Deus lhe exibiu a real contextura dos sonhos que o conduziram à Terra, mas a sua interpretação da verdade interpenetrou-se de baixos desideratos e você não foi capaz de perceber os reais objetivos do encarne. Desde cedo, deixou-se levar por padrões vibratórios por demais materializados, exaltando o ego como suprema grandeza da criatura, esquecido de Deus. Mas algum mérito teve sua passagem pela Terra, pois foi capaz, finalmente, de ferir as cordas da sensibilidade com poderosos dedilhares de arrependimento e de compenetração do vazio existencial em que se lhe transformou a vida. Julgou-se corretamente e aceitou o destino sem revoltar-se, assumindo integral responsabilidade pelos atos desatinados. Soube controlar-se a ponto de não intentar contra a vida, apesar de extraordinariamente pressionado pelo sentimento de culpa. Não se lhe darão asas agora, com que possa erguer-se luminoso pelo etéreo, mas haverão sempre de lhe ser proporcionadas condições de restabelecimento e novas oportunidades surgirão de estudo e de recuperação dos bens morais que você deixou lamentavelmente escapar de seus domínios. Quem sabe, um dia, após próximo encarne bem sucedido, queira experimentar as asas que lhe foram mostradas, para ver se lhe servem. Acorde, agora, para o trabalho que o espera. Fique na paz do Senhor!

Tendo aberto os olhos, Marcos surpreendeu-se pelo fato de estar em ambiente de profunda tranqüilidade. Estava só no meio de vasto salão branco. Ao lado, havia perfumado leito e pôde perceber que todo o local parecia limpa e clara instituição hospitalar. Não se sentia mal pelo fato de estar só, mas angustiava-lhe o fato de não estar plenamente seguro de si. Hesitante, caminhou até a porta para ver o que fora se passava e ali se deparou com inesperada azáfama. Era o bulício dos espíritos que se confraternizavam com a volta de amigos e parentes bafejados na Terra pela ventura de terem sido bem sucedidos nas encarnações. Ao redor desses grupos, perambulou durante longo tempo, até que, um dia...
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui