POEMA DE PEDRA
C
onstruir o poema
pedra sobre pedra,
edificação.
Mensurar detalhes,
arestas, linhas de projeto,
croquis, réguas de cálculo,
areia lavada, traços
cal, pernas e braços.
Misturar à velha
e eterna angústia
inconsumível
escombros
impossuidos
e sentidos em demolição
de um tempo de escoramento
sem partido
do olvido
do sim e do não.
Ajustar rente o tijolo
aprontar o monjolo
ao rés do chão.
Tomar de assalto o dicionário
seqüestrar a palavra
sonegação,
sonegar a lealdade
do insubstituível
amigo, reconhecível
na palma da mão.
Dedilhar no vazio
Villa-lobos e Rodrigo
num imaginário Del Vecchio
violão.
Aguardar com esfinge
e invulgar paciência
a insofismável revolução.
Temores e tremores
noites indormidas
nenhum poema no prelo
ou à mão.
Palavras-metade
amada que invade
e invoca o Corão.
Abusar do pecado
e do inusitado
arroz com feijão.
Catar inexoravelmente
agulha inexistente
no palheiro da mente
até à exaustão.
Firmar inconcludente
um pacto inclemente
com alguém de plantão.
Com água do rio
cadela no cio
construir o poema
quando nem mais
mundo haja
nem cyborgs
nem naja
com veneno em poção.
Quando haja nem
forma, nem fundo
qualquer mera questão
quando homem após homem
em fila indiana
vista roupa bacana
consagre-se à gana
caviar de esturjão.
Quando se desconstrua
nossa alma e a rua
o bigode e a razão
e o poema se ocupe,
duma mais douda trupe
ou de exacerbação,
que nem olho por olho
feito lei de Talião...
e haverá mais poema,
por menos que se exprima,
e por mais que se esprema,
em frágil, pífia ereção.
Walter Silva
Recife, outubro 1990
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