19 de Junho de 1978
“Hoje cortei meu pênis. Não que tenha perdido o tesão nos prazeres da carne. Tomei essa decisão por achar que o talante sexual interferia demais em meu trabalho. Um artista não pode, sob hipótese alguma, ser desviado de seu trabalho, de seus impulsos criativos por pensamentos libidinosos. A libido em relação ao frenesi genesíaco de uma obra é, para mim, como fazer do fogo cinzas. Também não sou idiota o suficiente para achar que no pênis reside o desejo. Sei, perfeitamente, que é tudo uma questão psíquica. Amputei meu membro porque é ele o realizador do ato pensado. Por analogia, funciona como o pincel na pintura de uma tela. É o que liga o artista à obra. Assim, tendo ele como responsável pelo meu bloqueio criativo, optei por coloca-lo imerso em formol. Futuramente poderá tornar-se parte da minha obra, mas por hora, prefiro esquecê-lo.
O sexo na minha juventude fora a mola propulsora que me fazia querer conhecer as pessoas. Sempre tive uma obsessão por mulheres, sem discriminação. Mas pouco me importava o que diziam ou pensavam, queria apenas fode-las freneticamente por não mais que duas noites. Nunca gostei de gente, exceto das mulheres que poderia comer. Logo, o sexo para mim tinha uma função fundamental, afinal, era ele, ou a expectativa dele que me fazia interagir com outras pessoas. Com o tempo, tornou-se um prazer fútil (a hollow value). Para mim, a idade trouxe não a perda da libido, mas a perda da satisfação sexual. Decidi então dedicar-me intensamente a arte, a pintura especificamente, já que praticamente me aposentara como garanhão. Estudei, isolado do mundo, e voltei a pintar incessantemente (restlessly). Meus quadros tiveram boa aceitação da crítica e acabei sendo laureado por alguns de meus trabalhos. Nunca dei bola para os prêmios, nunca apareci para recebe-los. Eles que se fodam. E quem os oferecem, idem. Puro modismo. Minha arte é ‘cult’. Pedantes de merda. Acredito que o verdadeiro artista tem prazer na criação, na concepção da idéia e na concretização dela. Depois de pronta, o verdadeiro artista perde o tesão na sua obra. A não ser, é claro, o narcisista pequeno burguês que produz e também consome (thanks) arte.”
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