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Artigos-->ALGUNS COMENTÁRIOS ACERCA DE 3 CANÇÕES DE GILBERTO GIL -- 05/07/2006 - 13:16 (Jayro Luna) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
ALGUNS COMENTÁRIOS ACERCA DA MITOLOGIA AFRO-BRASILEIRA EM TRÊS LETRAS DE CANÇÕES DE GILBERTO GIL

Prof. Dr. Jayro Luna



Gilberto Gil é um dos nomes mais importantes da MPB, sua participação no movimento da Tropicália, suas participações em importantes festivais de música, sua capacidade intelectual de pensar a cultura e a sociedade e de como ele consegue passar isso para as letras de suas canções, são alguns dos motivos que fizeram por justificar a sua importância.

Vou me ater a três canções do compositor, mais precisamente às letras dessas canções, pois não farei propriamente comentários acerca dos aspectos musicais, mas tão somente acerca das letras.

Já na década de 70, quando a editoria Abril Cultural lançava a série de pequenos volumes intitulados “Literatura Comentada” e que depois teve outras reedições, e constou como um de seus volumes as letras das músicas de Gilberto Gil (assim como teve um acerca de Caetano Veloso e outro de Noel Rosa) já se afigurava a idéia de que Gil fazia em suas letras uma rica poesia. Fred Góes que fez a seleção de textos e organizou o volume, escreveu em dado momento:



“Multiplicidade que não se confunde com descontinuidade: pelo contrário em quase vinte anos de carreira, tenta buscar o sentido da unidade - o universo como algo integral”

(GOÉS: 1982, p. 101)



Atualizando os dados, lá se vão mais de 40 anos de carreira e, no entanto, permanece uma busca da unidade do Universo em sua obra, busca que passa por uma religiosidade mística de caráter afro-brasileiro marcante em várias de suas composições.

Vivenciando a cultura do Recôncavo Baiano, Gil incorpora o imaginário religioso sincrético local e transcende os limites da religiosidade cristã para uma espécie de panteísmo de caráter múltiplo, mas rico de simbologia e de significações culturais, filosóficas, espirituais e morais.

Sua passagem pela África em busca do conhecimento mais próximo das fontes religiosas africanas (refazendo o percurso teórico de Pierre Verger) é um bom exemplo dessa busca de compreensão do universo cultural e religioso do Brasil, vendo nesse país a fusão e a consubstanciação de diferentes fontes.

Comecemos falando da letra da canção “São João Xangô Menino”, música de parceria com Caetano Veloso.

Gilberto Gil, declarado filho de xangô, já coloca na letra uma identificação sincrética entre o mito africano e o cristão. São João é Xangô, e vice-versa. O sincretismo de São João Baptista com Xangô não é dos mais usuais. Costuma-se associar Xangô a São Jerônimo, devido às pedras com que batia ao peito, e também a São Judas Tadeu. A origem da ligação entre São João Baptista e Xangô passa pela origem das festas juninas na Idade Média que servia para a igreja manipular o calendário profano de natureza celta ao calendário cristão, de modo que acender a fogueira para celebrar o solstício de verão passa a ser acender a fogueira para o aniversário de São João, de Santo Antônio e de São Pedro.

São João Baptista, figura emblemática de profeta, que vivia no deserto, comia gafanhotos, usava vestimentas de peles ou de cabelos, espécie de beato louco que praguejava contra a tirania de Herodes; São João que batizava com água e que batizou Cristo e que morreu com a cabeça decepada após a dança de Salomé - episódio que serviu de base a uma série de poemas do período simbolista (Mallarmé, Oscar Wilde, Eugênio de Castro, Martins Fontes entre outros) passa a ser sincretizado com Xangô também por sua atitude guerreira. No Nordeste festas populares como a do São João - Acorda Povo recuperam um pouco do sentido profano da celebração original, uma vez que de fato não é uma festa religiosa cristã, mas paralela a esta.

Na letra da canção de Gil e Caetano lemos:



São João Xangô Menino



Ai, Xangô, Xangô menino

Da fogueira de São João

Quero ser sempre o menino, Xangô

Da fogueira de São João



Céu de estrela sem destino

De beleza sem razão

Tome conta do destino, Xangô

Da beleza e da razão



Viva São João

Viva o milho verde

Viva São João

Viva o brilho verde

Viva São João

Das matas de Oxóssi

Viva São João



Olha pro céu, meu amor

Veja como ele está lindo

Noite tão fria de junho, Xangô

Canto tanto canto lindo



Fogo, fogo de artifício

Quero ser sempre o menino

As estrelas deste mundo, Xangô

Ai, São João, Xangô Menino



Viva São João

Viva Refazenda

Viva São João

Viva Dominguinhos

Viva São João

Viva qualquer coisa

Viva São João

Gal canta Caymmi

Viva São João

Pássaro proibido

Viva São João



Este “Xangô Menino” nos leva a pensar na origem do orixá. Segundo Jacimar Silva (Todos os Segredos de Xangô) existem duas versões para sua natureza. Uma diz que ele é um orixá totalmente masculino e que teria como companheira a Iansã, ou ainda que ele teria três esposas (Oiá, Oba e Oxum), noutra versão Xangô é um personagem andrógino e que Iansã seria sua parte feminina. A identificação de Xangô com São João Batista tem uma marca na linguagem da Umbanda, para diferenciar dos outros sincretismos. São João como Xangô é chamado de Xangô Caô, diferentemente de Xangô Agodô que é identificado como São Jerônimo ou Xangô Abomi (Santo Antônio), Xangô Aganju (São José) e Xangô Alafim (São Pedro).

Em geral, Xangô é considerado como filho de Iemanjá. Iemanjá filha de Obatalá e Oduduá, desposa o próprio irmão, Aganju, desse casamento incestuoso nasce Orugã, que quando moço se apaixona pela mãe e a violenta na ausência do pai, gerando assim vários deuses do segundo incesto, inclusive Xangô. Existe outra concepção para a origem de Iemanjá que diz que ela seria filha de Olorum e que tenha desposado Oxalá.

O “Xangô Menino” de Gil e Caetano da “fogueira de São João” é um orixá do destino, da beleza e da razão, porém essa beleza é sem razão e o destino sem direção: “Céu de estrela sem destino / De beleza sem razão / Tome conta do destino, Xangô / Da beleza e da razão”. Essa aparente contradição se resolve na análise mais profunda da simbologia sincrética proposta. Xangô habita no alto das pedreiras, de onde governa as forças da natureza e os astros do firmamento. Considerado também um deus de raios, esse “Céu de estrela sem destino”, portanto uma estrela cadente, um raio, um cometa são elementos de Xangô que a brincar, enquanto menino na fogueira observa os fogos de artifício. O destino que Xangô pode tomar conta é pela astrologia, já que é seu domínio o controle dos astros e a beleza sem razão está, suponho, no fato de que esse orixá, assim como todos os demais pertencem a um conceito de religiosidade em que o inconsciente é o modo preciso de acesso e de contato com a divindade por meio de cerimônias de grande musicalidade, colorido e movimentação com fins xamânicos e de liberação desse inconsciente.

“Viva São João / das matas de Oxossi”. Esse “São João” que vive nas matas de Oxossi é o São João do sertão, cantado por Luiz Gonzaga. Gilberto Gil não poucas vezes teve seu olhar criativo voltado para a compreensão da dicotomia entre sertão e litoral. Gil que nasceu no mês das festas juninas (26 de junho de 1942) pode ser associado ao próprio Xangô menino: “Olha pro céu, meu amor / Veja como ele está lindo /

Noite tão fria de junho, Xangô / Canto tanto canto lindo.”

Em “Logunedé”, Gilberto Gil nos apresenta uma visão desse orixá, resultante do processo próprio de Gil de sincretizar influências num efeito poético rico de elementos de modernidade poética, buscando extrair da sonoridade rítmica e musical das palavras os seus efeitos mais expressivos.

Logunedé

“É de Logunedé a doçura

Filho de Oxum, Logunedé

Mimo de Oxum, Logunedé - edé, edé

Tanta ternura



É de Logunedé a riqueza

Filho de Oxum, Logunedé

Mimo de Oxum, Logunedé - edé, edé

Tanta beleza



Logunedé é demais

Sabido, puxou aos pais

Astúcia de caçador

Paciência de pescador

Logunedé é demais



Logunedé é depois

Que Oxossi encontra a mulher

Que a mulher decide ser

A mãe de todo prazer

Logunedé é depois



É pra Logunedé a carícia

Filho de Oxum, Logunedé

Mimo de Oxum, Logunedé - edé, edé

É delícia”.

Nessa canção Gilberto Gil nos apresenta a figura de Logunedé, um orixá africano que na maioria dos mitos costuma ser apresentado como filho de Oxum Ipondá e Oxóssi Ibualama, do iorubá Ibùalámo. Segundo as lendas, vive seis meses nas matas caçando com Oxóssi e seis meses nos rios pescando com Oxum. É cultuado na nação Ijexá como sua mãe, mas também nas nações Ketu e Efan, sendo o seu culto muito difundido no Rio de Janeiro. Essa sua condição de viver seis meses como Oxóssi (caçador, masculino) e seis meses como Oxum (pescadora, feminino) confere a Logunedé uma significação que pode ser associada à bissexualidade.

Na letra da canção de Gil se sobressalta o aspecto feminino de Logunedé associado ao seu aspecto de menino, como marca duma ingenuidade e pureza que antecedem à sexualidade enquanto Eros: “É de Logunedé a doçura /.../ Tanta ternura”. Na música se apresenta também a origem do orixá: “Sabido, puxou aos pais / Astúcia de caçador / Paciência de pescador”. Logunedé é ligado a Oxóssi num momento em que o orixá caçador necessita de amor: “Logunedé é depois / Que Oxossi encontra a mulher / Que a mulher decide ser / A mãe de todo prazer”. Essa idéia de prazer como força que contribui para a origem de Logunedé confere ao orixá a idéia de uma “carícia” associada à “delícia”, isto é, existe uma tactilidade constante na apresentação da figura. Na letra da canção existe a provocação de um hiato no nome do orixá: “Logun - edé”, de fato na origem do nome do orixá ocorreu uma justaposição de “Logun” (primeiro nome, que em Iorubá significa “feiticeiro”) e “Edé” cidade que primeiro seu culto se fortaleceu. Em Gil, esses dois nomes ganham novo sentido, uma vez que o compositor canta pausadamente da seguinte forma: “Logun-é- de-lícia”, de modo que o “E” inicial de “Edé” vira verbo de ligação, assim conferindo à terminação do nome do orixá a abertura significante para conferir sua característica tanto sensual e tátil quanto de pureza e ingenuidade. As qualidades da “astúcia”, da sabedoria (“sabido”) e da “paciência” são conferidos ao orixá como advindos de sua origem (Ogum e Oxóssi). Desse modo, a pureza e a ingenuidade são mescladas com três virtudes, que de certo modo, contradizem o sentido imediato de pureza e ingenuidade. O que temos aqui é o que Almada Negreiros (poeta modernista português, artista múltiplo) convencionou chamar de “poética da ingenuidade ou da esperteza saloia”, em que o poeta português defende a idéia de que existe um tipo de conhecimento do mundo e das coisas que não passa pela lógica e pelo racionalismo, mas que é intuitivo e que diz direto aos sentidos e ao inconsciente. Dentro dessa concepção podemos entender a associação da ingenuidade e da pureza de menino às virtudes da sabedoria, da paciência e da astúcia. Dessas três, apenas a astúcia pode ser associada à figura do menino sem prejuízo da noção comum de meninice, já a sabedoria e a paciência são comumente associadas à figura do adulto, resultado da vivência e do aprendizado. Em Logunedé temos a reunião de todos esses elementos, mas todos regidos pelo domínio de uma atmosfera tátil, sensual, ambígua e encantadora: “Filho de Oxum, / Logunedé / Mimo de Oxum, Logunedé - edé, edé / É delícia”.

Na letra da canção “Buda Nagô”, Gilberto Gil chega ao que penso ser um dos momentos de conclusão de um processo de sincretismo religioso, de forma que o que temos nessa canção é a apresentação dum conjunto de noções religiosas e pagãs que se cruzam para compor o que seria uma espécie de panteísmo de fundo cultural místico, mas fundado numa visão coerente da cultura brasileira.

Vejamos a letra da canção:



Buda Nagô



“Dorival é ímpar

Dorival é par

Dorival é terra

Dorival é mar



Dorival tá no pé

Dorival tá na mão

Dorival tá no céu

Dorival tá no chão



Dorival é belo

Dorival é bom

Dorival é tudo

Que estiver no tom



Dorival vai cantar

Dorival em CD

Dorival vai sambar

Dorival na TV



Dorival é um Buda nagô

Filho da casa real da inspiração

Como príncipe, principiou

A nova idade de ouro da canção

Mas um dia Xangô

Deu-lhe a iluminação

Lá na beira do mar (foi?)

Na praia de Armação (foi não)

Lá no Jardim de Alá (foi?)

Lá no alto sertão (foi não)

Lá na mesa de um bar (foi?)

Dentro do coração



Dorival é Eva

Dorival Adão

Dorival é lima

Dorival limão



Dorival é a mãe

Dorival é o pai

Dorival é o peão

Balança, mas não cai



Dorival é um monge chinês

Nascido na Roma negra, Salvador

Se é que ele fez fortuna, ele a fez

Apostando tudo na carta do amor

Ases, damas e reis

Ele teve e passou (iaiá)

Teve o mundo aos seus pés (ioiô)

Ele viu, nem ligou (iaiá)

Seguidores fiéis (ioiô)

E ele se adiantou (iaiá)

Só levou seus pincéis (ioiô)

A viola e uma flor



Dorival é índio

Desse que anda nu

Que bebe garapa

Que come beiju



Dorival no Japão

Dorival samurai

Dorival é a nação

Balança, mas não cai.”



Dorival Caymmi, uma das figuras artísticas mais emblemáticas da cultura baiana é o homenageado direto na canção. É consagrado em 1968, Obá de Xangô no Axé Apó Afonjá. Filho de santo de Mãe Menininha do Gantois, para quem escreveu em 1972 a canção em sua homenagem: "Oração de Mãe Menininha". Autor de canções memoráveis e de um estilo inconfundível, marcado pelo ritmo langoroso, cadenciado. Esse ritmo fomentou a imagem da calma, da serenidade e da tranqüilidade de quem sabe apreciar a natureza e a vida, desse modo Gil associa a figura histórica de Caymmi à figura religiosa de Buda. No Budismo a busca do Nirvana, da elevação espiritual se faz pela recusa nos conflitos do mundo, no desapego dos bens materiais e na disposição da preparação constante do espírito para o conhecimento da natureza divina. Nagô é uma nação, situada na região onde hoje é o Daomé, tem características Iorubá. A partir de 1657, o tráfico negreiro se abastecerá principalmente de escravos dessa região e o Candomblé e a capoeira têm uma base vinda da influência cultural dessa migração escrava.

A associação entre Buda e a cultura afro feita por Gil para adjetivar a figura de Dorival Caymmi é assim um resultado de uma visão que busca a unidade, a simbiose, ou ainda, a semiose de diferentes linguagens: “Dorival é um monge chinês / Nascido na Roma negra, Salvador”. O “monge chinês” budista (ou até confucionista, que seja) marcado pela paciência, pela ponderação, pela contemplação é apresentado como nascido na “Roma Negra”. Roma, aqui, como capital de um império. O Império Romano fortaleceu com o mercado de escravos (os gladiadores eram todos escravos), figuras como Espártaco (escravo rebelde) tornaram-se mártires célebres pelo desafio que fizeram ao poder romano. Salvador, nesse contexto, não é apenas a capital da Bahia, mas é o centro para onde convergiram grande leva de escravos aprisionados na África. Não é por acaso que poetas abolicionistas como Castro Alves e Luiz Gama (este, negro) eram baianos e destacaram-se no século XIX pela denúncia da escravidão. Um dos poemas mais esquecidos, mas ao mesmo tempo mais pungentes acerca da resistência à escravidão, notadamente no episódio de Palmares é o poema “Tróia Negra” da autoria de Oliveira Lima. Se para o historiador, crítico e poeta, o Quilombo dos Palmares podia ser metaforizado na imagem de uma “Tróia Negra”, para Gil, a cidade de Salvador se transforma na “Roma Negra”. Nesse contexto, a calma e a ponderação características da figura de Caymmi se contrapõem ao meio social, marcado pela tensão social advindas de um meio em que resquícios da época da escravidão permanecem disfarçados na marginalidade, no desemprego, na falta de oportunidades que ainda são marcas de parcela considerável da população de Salvador, a capital, ao que me parece, com maior parcela de população de característica negra no Brasil.

Daí o bordão “balança mas não cai” que era o nome de conhecido programa humorístico da TV brasileira nos anos 60/70, transforma-se aqui em elemento de caracterização desse conflito. Se no “Navio Negreiro” de Castro Alves o balanço do navio é associado ao ritmo funesto de uma orquestra horrenda cujo instrumento de solo é o chicote, nessa canção de Gil, a idéia contida no bordão “balança mas não cai” é a de um equilíbrio provisório, resultado não de uma acomodação ou alienação, mas de um desenvolvimento espiritual que faz com que a figura de Caymmi represente esse desenvolvimento, a compreensão dos limites da dor ante a opressão.

Não é por acaso, que estruturalmente existe como figura dominante a anáfora. A repetição contínua do nome “Dorival” vai destacando aspectos sonoros contidos nesses fonemas, de forma que a palavra “dor” vai ecoando num processo de tripartição do nome próprio: “Dor / i / val” que vai aos poucos degenerando-se em “dor e vale” ou “dor e vai”.

O tratamento da dor, a consciência do domínio sobre a dor física é um dos aspectos mais evoluídos da preparação do monge, a capacidade superar privações, intempéries rigorosas apenas com uma leve túnica e pouco alimento são conhecidas dos monges. A Yoga tem suas bases no desenvolvimento dessas capacidades dos monges. Dorival é um monge “Buda Nagô”, assim ele consegue superar as privações, compreender as tensões sociais circundantes e oferecer um discurso de não violência, ao modo de um Gandhi. Apresentado ainda na canção como iluminado por Xangô, como resultado da união mítica da figura do masculino com o feminino (“Dorival é Eva / Dorival Adão /.../ Dorival é mãe / Dorival é o pai”) e ainda, como um “peão”, como um “índio” que anda nu, como um samurai. Essa multiplicidade de aparências de Dorival se caracteriza pela noção das reencarnações sucessivas que uma alma deve passar segundo o Budismo. As vidas estariam ligadas por relações de causa e efeito, de modo que o que foi feito numa vida terá conseqüências em outra. Mas aqui, em Gil, a noção passa por um processo de metaforização em relação ao contexto do Brasil e de Salvador, afinal, Dorival é um “Buda Nagô”. Assim, cada cidadão de Salvador, é ao mesmo tempo e não sucessivamente um “Caymmi”, por isso conclui Gil: “Dorival é a nação / Balança, mas não cai”.

O que vimos nessas três letras de canções é que Gilberto Gil foi montando um sincretismo entre as influências africanas, o cristianismo brasileiro (São João Xangô Menino, p.ex.), mas foi em seguida acrescentando outros elementos num caldeirão de mitos que converge para uma totalidade, aquela que há vinte anos Fred de Góes dizia que Gil buscava. Não sei se esse é o resultado final, mas sem dúvida, é um processo em evolução, ou como diria Pound, “work in progress”.



























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