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Artigos-->LINGUAGEM MASSIVA, FANÁTICA E AUTORITÁRIA -- 01/07/2006 - 20:48 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


UMA LINGUAGEM JORNALÍSTICA MASSIVA, FANÁTICA E AUTORITÁRIA



João Ferreira

1 de julho de 2006



A linguagem tenta dizer o que as pessoas pensam e sentem. Desta forma, pensar e sentir aparecem como um direito do exercício da liberdade de expressão. As coisas mudam quando aquilo que o sujeito pensa e sente é comunicado e publicado, isto é, quando se socializa. Quando o que se escreve, é divulgado em termos de notícia, de opinião, de comentário, de crítica ou de reportagem, as coisas mudam de figura. O pensamento divulgado, comunicado e socializado, entra em outra dimensão. Na linguagem socializada, toda a rede de elos lingüísticos e interlinguísticos que fazem a linguagem, vira, enquanto expressão discursiva, um instrumento onde conceitos e preconceitos, idéias e sentimentos, se transformam em armas de ataque e defesa, num campo de batalha em que os guerreiros usam, como armas, a habilidade retórica do instrumento da expressão escrita.

Desçamos agora da teoria para o campo prático. Estamos em plena Copa do Mundo. O título deste artigo nasceu da reflexão sobre uma idéia obsessiva da imprensa em relação ao encontro que hoje será disputado entre Brasil e França, valendo para os quartos de final da Copa do Mundo 2006, no Waldstadion de Frankfurt, na Alemanha.

Como é sabido, na copa de 1998, disputada na França, os franceses foram campeões mundiais vencendo o jogo final contra o Brasil por 3-0, jogo conhecido como jogo da convulsão de Ronaldo, o Fenômeno.Para grande parte dos jornalistas, este jogo de 2006 é um jogo de revanche. “Tem de ser um jogo de revanche”. É uma idéia dita e redita, propalada pela TV e pela imprensa escrita até à saciedade, na maioria dos órgãos de comunicação. Os termos são: revanche, vingança, acerto de contas e duelo, “pelo massacre, decisão fatídica e drama de 1998”. Apesar de o esporte ser teoricamente um instrumento de confraternização entre os povos, certo jornalismo praticado no Brasil e noutros países, em vez de pregar a confraternização prefere levar a seus leitores ou ouvintes o tom autoritário, fanático e apaixonado que agrada mais às massas. Os termos desse jornalismo, são termos de guerra. O Correio Braziliense, da capital federal, por exemplo, na edição de hoje, dia 1 de julho de 2006, faz um mosaico lingüístico em termos de guerra: “vingar os 3x0 que [o Brasil] levou da França na final de 1998, quando Zidane comandou o massacre dos Bleus”. “É a grande chance de o maior artilheiro das copas do mundo de todos os tempos liderar a revanche”. Os jornalistas mantêm a linguagem revanchista. Linguagem que colocam para seus leitores e telespetadores, sem distinção. Uma linguagem de guerra própria para consumo dos torcedores fanáticos, de ânimo belicista e guerreiro mas que não é o sentimento geral do povo brasileiro..

Nas entrevistas feitas aos jogadores e técnicos de futebol, vê-se que essa linguagem da imprensa em manter aceso o facho da revanche não é aceita, exceção feita para algum apaixonado e ultranacionalista como Zagalo.

Os jornalistas levaram a idéia de revanche para as entrevistas, como se fosse uma idéia natural, idéia inata, que as pessoas trazem desde o berço. Verifica-se porém que há uma resistência qualificada dos jogadores em aceitá-la. Na entrevista feita com Roberto Carlos, o repórter ataca: “Se vencer a França, você se sentirá vingado?” Ao que o atleta respondeu: “Sem essa. Eles nos ganharam numa final. Agora é um jogo de quartos de final. Quero vencer independentemente do adversário. O Brasil só tem um caminho para o hexa: vencer quem vier pela frente. Estou confiante numa bela exibição e numa grande vitória.” A jornalista Cida Barbosa, enviada especial à Alemanha, entrevistou Ronaldinho Gaúcho e recolheu sua opinião a propósito de revanche. “Da mesma forma que os demais atletas, escreve Cida Barbosa, Ronaldinho descarta o sentimento de vingança pela goleada sofrida da França na final da copa de 1998.” “Não tem gosto de revanche, diz o atleta. O que passou, passou. Agora será uma nova final, novo jogo, haverá muitas dificuldades. Vamos para cima dos caras mas sem clima de revanche”. Parreira tem idéia semelhante: “Não existe clima de revanche, aqui não se pensa nisso. Brasil x França é um clássico do futebol mundial e tem tudo para ser um grande jogo”. O próprio selecionador francês Raymond Domenech afasta “qualquer revanchismo e define a partida como um grande momento do futebol”.



A opinião crítica da inteligência brasileira é a de que o fanatismo e a paixão não devem ser a linguagem mais apropriada aos formadores de opinião. E os jornalistas são na verdade formadores de opinião.

Entre o povão, a idéia de revanche tem prós e contras. Há quem embale na idéia. E há quem minimize ou rejeite a idéia. O jornalismo que se destacou pelo clima guerreiro do futebol brasileiro, já fez suas vítimas. O “Correio Braziliense”, por exemplo, fez entrevistas colhendo opiniões na rua. Colocadas em confronto com a idéia de revanche e de vingança, houve pessoas que declararam que esse negócio de revanche não deve existir: “Não. Isso não deve existir. Se os jogadores entrarem em campo com esse pensamento pode prejudicar a equipe. O Brasil deve preocupar-se apenas com jogar bola. Mais nada”. Este foi o pensamento de Adivaldo Pereira França, do Distrito Federal. Mas há outras pessoas que são inteiramente a favor do revanchismo e do belicismo propalado pelos meios de comunicação: “O Clima de vingança serve para dar mais gás aos nossos jogadores”, diz Talita Ribeiro. “É o momento de a gente ir à forra contra os franceses. Descontar o que eles fizeram com a gente na copa do Mundo de 1998”, completa Maria das Graças Ferreira Lima, do DF . “O clima deve ser de revanche”, diz sentenciosamente Bianca Gioia Santos, de Brasília. No pólo contrário, ouvimos depoimentos de gente com cabeça crítica que ultrapassa a opinião autoritária e fanática defendida por alguns jornalistas: “O Brasil tem de pensar em manter a sua qualidade e não se preocupar com revanche”, declara ao “Correio” o candango Tiburtino Mariano dos Santos.

O site www.nominimo.com.br publica por sua vez, na Net, uma nota sobre a “revanche” pretendida pelo segmento da opinião pública que faz coro com a opinião de uma certa imprensa. Referindo-se ao jogo Brasil-França, programado para o dia 1 de julho de 2006, assim se exprime o site: “Deve haver – isto é uma torcida – alguma justiça poética no fato de “revanche”, aquilo que o Brasil terá a oportunidade de desfrutar contra a França neste sábado, ser uma palavra vinda justamente do francês revanche. Chegou ao português em meados do século 19, uma época talvez até mais rica em francesismos do que a nossa em anglicismos.Como se sabe, revanche quer dizer desforra, vingança, e no vocabulário esportivo designa a segunda partida disputada por dois rivais, para dar ao perdedor da primeira a chance de se recuperar. Nesse sentido, é correto falar em revanche mesmo quando a vingança não chega a se consumar.



Se a nacionalidade de “revanche” vai torná-la mais amarga ou mais doce neste sábado[ 1 de julho de 2006] , eis uma resposta que não tem nada a ver com as questões da língua.”



E, agora o comentário final, já conhecido o resultado do jogo. Afinal, o Brasil e a França jogaram. E não houve, nem “revanche” nem duelo, nem “jogo bonito”. Simplesmente um jogo, como tantos, sem qualquer emoção.

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