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Contos-->14. COBIÇA E DESAMPARO -- 18/04/2002 - 07:34 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Armando era um pobre coitado que vivia muito mal, mercê do pouco ganho que conseguia em mísero emprego de pequeno funcionário público. Cobiçava, é certo, progredir na carreira, mas não tinha ânimo para executar qualquer ato que o elevasse na vida. Se lhe diziam que tal ou qual curso lhe poderia favorecer determinado ganho extra, desculpava-se, dizendo não ter tempo ou dinheiro ou disposição. Ultimamente, à vista das possibilidades de ser dispensado de parte do serviço para efetuar os cursos gratuitos ministrados pelo estado, passou a dizer-se pouco apaniguado quanto à inteligência.

Certa feita, como medida para avaliar-se a estrutura mental do pessoal administrativo, com a finalidade de oferecerem-se cargos mais relevantes e de maior responsabilidade, os quais, evidentemente, eram bem melhor remunerados, procedeu-se ao teste da inteligência de todos os funcionários do setor. Ignorando para que seria o teste e prevendo mais cursos e atribuições, Armando decidiu deixar de responder corretamente a determinados quesitos cujas respostas era bem capaz de conhecer e de intuir. Calculou mal, foi-lhe configurada condição de inferioridade intelectual e só não foi rebaixado porque a lei impedia remanejamento para funções menores com a preservação do salário. O perigo, não conheceu mas a situação de diversos colegas promovidos evidenciou-lhe que falhara na previsão de maiores sacrifícios. Uma pontinha de despeito apareceu-lhe no coração. Perdera a oportunidade de ouro.



Vamos encontrar Armando mais velho e mais experiente, membro efetivo de certa casa socorrista, onde, após a aposentadoria, sem ter o que fazer, ia espairecer os bons fruídos, como costumava dizer. Não era tudo que aceitava fazer. Achava certas tarefas por demais cansativas e outras extraordinariamente complexas, mas ambicionava um dia poder fazer parte da diretoria, chegando mesmo a sonhar em presidir a organização.

Em casa, punha-se a meditar no que deveria fazer para conseguir projeção no ambiente do socorrismo. Se pensava em expor a ignorância junto aos estudos, arreceava-se de ser mal visto e, portanto, iria ser excluído dos cargos de responsabilidade. Se pensava em comparecer a todas as atividades socorristas, dizia logo que iriam considerá-lo ambicioso (o homem revela-se pelo que faz) e o impediriam de açambarcar o lugar dos companheiros. Se meditava a respeito de oferecer os préstimos junto às mesas do socorrismo espiritual, logo opunha resistência, imaginando-se às mãos de seres desqualificados e obsessores. Enfim, por mais que reflexionasse sobre o que fazer para gerenciar algum setor importante do centro, sempre esbarrava com seus cuidados extremos e seu medo de ter de batalhar demais para conseguir pouca coisa. Queria que lhe caísse do céu.

Certa ocasião, o centro organizou extenso programa de assistência aos desamparados, precisando de entrevistadores para catalogar as famílias de acordo com as necessidades mais prementes. Armando desconfiou de que as atribuições seriam demasiado cansativas e ficou de cama durante todo o período em que se dariam as entrevistas, debaixo de forte gripe, como afirmou ao retornar às lides no centro. Ficou sabendo que tinham tido imenso sucesso e que vagara o cargo de diretor social, uma vez que o encarregado se mudara para outra cidade. Soube também que seu nome fora cogitado mas que, devido ao imediatismo da decisão, o cargo tinha sido preenchido por outro companheiro do grupo. Marejaram-lhe os olhos, mas disfarçou, responsabilizou a gripe e foi curtir a mágoa em casa.



Ainda mais avançado em idade, já septuagenário, vamos encontrar-nos de novo com Armando, na presidência do centro espírita. Que poderosa transformação ocorreu para ser guindado a tão elevadas responsabilidades?

Armando havia encontrado a paz na loteria. Pouco depois dos insucessos nas tentativas de subir de posto na instituição, logrou acertar todos os números da Loto. Pegou o primeiro prêmio absolutamente sozinho. De início, imaginou que iria gastar todo o dinheiro em benemerência, já que era só no mundo. Hesitante e desconfiado, nunca se permitiu apaixonar-se e, portanto, não constituiu família. A que tinha antes desvaneceu-se no tempo. Seu isolamento impossibilitava-lhe saudável troca de idéias com os reais amigos que constituem a parentela consangüínea e nenhuma companheira havia partilhado qualquer sofrimento ou ansiedade íntimos.

Mas os ensinos evangélicos estavam-lhe incrustados na mente. A custa de tanto ouvir a pregação dos irmãos e de afadigar-se durante as leituras preliminares das sessões de passes, compenetrou-se de algumas verdades que o impediam agora de exercer livremente a vontade.

Seu maior desejo era ser presidente da instituição, mas isso antes de receber os vários milhões. Agora que estava rico, não sabia em que aplicar o dinheiro. A primeira intuição foi logo perturbada pelo sonho de sua vida: se fizesse a distribuição dos bens, ganharia projeção e isto, de certa forma, corresponderia a adquirir sem esforço o que, sabia bem, só poderia ser conquistado por extrema dedicação ao trabalho. Hesitava mais uma vez.

O dinheiro ficou depositado no banco por largo tempo. As pessoas desconheciam esse pecúlio e continuavam tratando-o como habitualmente. Nada se alterou em sua vida. No dia do pagamento dos proventos da aposentadoria, lá ia enfrentar a velha fila, curtindo os poucos relacionamentos que lhe restavam.

Após alguns anos nessa situação, concluiu que o dinheiro que lhe havia sido propiciado pelo prêmio lotérico só poderia ter sido motivado por princípios espirituais, para constituir-se em mais uma provação. Tanto remoeu o cérebro que acabou percebendo que isso significava, simplesmente, o amparo superior para fazê-lo meditar a respeito de si mesmo e da vida que levava.

Deixou entesourado o dinheiro e passou, aos poucos, a enfrentar as responsabilidades na companhia dos irmãos socorristas. Começou por realizar pequenos serviços que demandavam conhecimento de escrituração, seu antigo ramo profissional. Depois, foi galgando outras tarefas, culminando por, certa feita, ter realizado palestra a respeito do trabalho e do trabalhador, em que enfatizava a necessidade do sacrifício para a conquista dos pontos precisos para a elevação de categoria na escala evolutiva. Os velhos companheiros extasiavam-se com a transformação, pois conheciam-lhe as artimanhas para fugir ao serviço, e agora se admiravam a cada novo pedido de mais e mais atribuições.

Passou por todos os setores das atividades, desde a organização de festas para arrecadação de fundos até a discussão dos projetos para os cursos de assistência às gestantes e parturientes. O homem se tornou estudioso e toda sua matreirice foi canalizada para a consecução dos objetivos. Finalmente, chegada a hora da desativação da anterior diretoria, foi proposto o seu nome para a presidência. Estranhamente, recusou-se a aceitar, pretextando compromissos com diversos cursos que estavam sendo ministrados. Em suma, para fazê-lo presidente da entidade, foram necessárias mais cinco substituições de diretoria e só aceitou mediante o argumento de que iria ter de fazê-lo um dia, para poder dignificar-se com o trabalho.

Relutou mas aceitou. Causava-lhe a relutância o fato de ter tanto cobiçado aquele posto, o que lhe imprimia na consciência certo tremor culposo. Predispô-lo à aceitação o fato de ter ouvido o protetor, durante sonho revelado, que iria deixar o plano dos mortais dentro em breve. Sendo assim, morreria no gozo intelectual de ter conseguido pelo trabalho o que tanto sonhara, sem que tentado fosse a glorificar-se no posto preeminente, fonte de tentações.

De fato, não tardou e Armando deixou a companhia dos vivos, conturbando ainda mais os amigos, pois, em longa carta, lida por seu advogado para toda a diretoria reunida, legava a pequena fortuna ao centro, sem condições. Dava de graça o que de graça havia recebido.

Hoje, Armando prepara-se para reencarne reparador. Havia combinado com algumas entidades irmãs que se responsabilizaria por seu crescimento na carne; é chegada a hora de cumprir os compromissos.

Terá o irmão sucesso no novo empreendimento? Conseguirá suplantar as hesitações e preconceitos? Terá aprendido, finalmente, o valor das virtudes evangélicas?

Como nas novelas radiofônicas de antanho, estamos prometendo para o próximo episódio a continuação da história.

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