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Contos-->13. A HISTÓRIA DE FELISBERTO -- 17/04/2002 - 08:11 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Encerramos o conto anterior com a figura de Felisberto prometendo ao Senhor solicitar alteração de rumo, para livrar-se de certo mal que o fazia verter furtivas lágrimas irrefreáveis.

Felisberto, naquela noite, chegou a casa, mas esqueceu-se da propositura, tendo encontrado o lar revolucionado por impensada atitude do filho mais velho, que se sentia coagido a manter-se sob a tutela paterna, tendo em vista não ter ainda independência financeira.

Naquela noite, discutiram longamente a respeito da necessidade absoluta de todos na casa assumirem papéis responsáveis, de modo que todos deveriam cuidar de seus haveres e preservar os coletivos. Eufrásio queria, no entanto, fazer só o que lhe desse na telha, assíduo freqüentador que era dos bailes e dos vícios adjacentes. Para isso, não podia sentir-se inferior aos colegas e amigos, que portavam recheadas carteiras. Estava sentindo-se diminuído mas não arredava pé do conforto de ter a roupa limpa e arrumada, a comidinha apetitosa e o bolso polpudo. Se lhe falhasse a roupa ou a comida, reclamaria igualmente.

Felisberto só não o expulsou de casa por conhecer a vida e saber que muito penosa haveria de ser a situação de quem, despreparado para tudo, não teria como sobreviver. Engoliu mais um sapo e destinou todas as preces noturnas à família, especialmente ao filho arredio. O seu projeto ficou esquecido.

Em breve, a solução para o filho foi encontrada, tragicamente, na ponta de afiado punhal. Acostumado à controvérsia, incentivou os pruridos do amor-próprio de marginal desconhecido e teve, por prêmio da ousadia, duas certeiras punhaladas no baixo-ventre. Viveu algumas horas para presenciar o desespero dos pais e entregou a alma a Deus.

Felisberto, lá no fundo da consciência, repelia a idéia de que tal fim lhe punha término aos pesadelos, pois, embora algo lhe dissesse que a vida iria tranqüilizar-se, achava que fora mau pai por não ter podido indicar ao filho o caminho da verdade, da honestidade, do trabalho e do amor.

Voltou às atividades mediúnicas, na esperança de poder, um dia, receber comunicação do filho, para avaliar com ele se o trabalho que desenvolvera para sua educação fora frustrado por razões cármicas ou por ter falhado redondamente.

Tal como para o nosso Paulo, também para Felisberto o tempo foi passando. Tendo ambos estreitado os laços de amizade por força da dor compartilhada e do conforto não negado, mesmo porque para Paulo parecia que o trabalho não se completaria na Terra se não desse integral explicação ao dilema do amigo, puderam estabelecer rígido contrato espiritual, segundo o qual aquele que partisse primeiro viria contar as novidades ao outro. Ora, Paulo era velho octogenário, lúcido e forte, vivido e experiente nas coisas do mundo, mas perfeitamente integrado ao campo espiritual, de sorte que, chegada a hora, se configurou súbito mal-estar, se deu o aneurisma e ele partiu para o etéreo.

Felisberto, moço de seus quarenta e cinco anos de idade, ficou na expectativa da comunicação do amigo. Este, passados os primeiros tempos da devida readaptação ao ambiente espiritual, lembrou-se dos diversos compromissos para com os amigos e pôs-se a investigar o paradeiro de Eufrásio. Os parceiros do etéreo conheciam toda a história, mercê da íntima convivência com ambas as entidades, por força dos relacionamentos mediúnicos, e não se fizeram de rogados, narrando todos os acontecimentos ao venerando senhor. Diante de sua perplexidade por não terem revelado ao pai sofrido a verdade dos fatos, obteve por resposta que todos estavam impedidos de relatar ao encarnado o que ocorria com o filho: fazia parte de sua provação. De resto, subjetivamente, muitos dos fatos lhe tinham sido passados nas estadias sonambúlicas junto aos orientadores. Paulo ficou cabisbaixo por uns tempos, pois se julgava precipitado ao ter prometido as informações ao caro confrade.

Certa ocasião, na oportunidade da presença do amigo em espírito durante o sono, confraternizaram-se largamente e pôde ser desobrigado da promessa, tendo em vista que, por via intuitiva, pôde Felisberto captar as condições adversas do desabrido filho e as possíveis restrições à comunicação. Conformou-se.

Mas os acontecimentos tiveram desdobramentos inesperados. Por ocasião do julgamento do criminoso, apanhado pela polícia em flagrante delito e reconhecido por testemunhas, o advogado de defesa opôs imensos obstáculos à culpabilidade do indiciado, fazendo crer ao corpo de jurados que a vítima é quem portava a arma e que o que o réu só fizera, a muito custo, foi desarmar o desafeto, ferindo-o em legítima defesa.

Insurgiu-se contra a exposição de motivos o nosso Felisberto, não acreditando que a argumentação se fundamentasse em qualquer evidência. Entretanto, as testemunhas de defesa propiciaram razões de sobra para justificar a reação do criminoso, de modo que a pena que lhe foi cominada se reduziu consideravelmente, diante da expectativa da família da vítima.

Eufrásio, errático no espaço espiritual, pôde observar tudo o que se passou no tribunal, insuflando na mente permeável do pai inúmeras vibrações hostis contra a figura do criminoso. Crendo-se injustiçado e cego pelo desgosto incrementado de arrependimento e insegurança, passou a arquitetar plano de desforra, que levaria a cabo assim que o marginal se visse livre da prisão.

Tais deliberações não passaram despercebidas do plano espiritual, tendo-se encarregado o bom amigo Paulo de dissuadir o ofendido progenitor do intento criminoso.

Pôs-se a observar inicialmente o amigo e acabou por descobrir que sua principal falha moral era justamente o egoísmo, que o fazia invejar profundamente a todos os que, de alguma forma, demonstravam felicidade. Os que sofriam não lhe causavam pena, pois dizia que o peso da carga estava diretamente condicionado à capacidade que todos temos de proceder em falta para com o Senhor. Incapaz era de perceber que os apaniguados tinham feito por merecer a atual situação.

Paulo imaginou, então, que o melhor meio de se achegar positivamente ao amigo era através do deslumbramento mediúnico, para incitá-lo à reflexão, momento em que iria influenciá-lo por via intuitiva.

Assim imaginou e assim procedeu. Durante certa sessão de efeitos físicos, tomou a figura do Eufrásio e apresentou-se ao pai desesperado. Nada disse, mas o estado de comiseração que deixou impresso na mente do infeliz fazia-o sentir calafrios de horror.

Tudo que conjeturou deu certo. A partir daquele dia, Felisberto pôs-se a meditar profundamente a respeito da necessidade da vingança. Assíduo freqüentador dos cinemas do bairro, o que mais via nas telas era o desforço vingativo das criaturas, seja lá por dá cá aquela palha, seja por hecatombes, holocaustos e genocídios. Tudo o estimulava para pensar seriamente nas conseqüências morais para aqueles que praticavam o ato da vindita. Na hora do estudo, coube-lhe, ao acaso, abrir O Livro dos Espíritos, e lá encontrou as respostas dos espíritos às questões sobre a honra e a dívida de sangue. Na semana seguinte, ao abrir O Evangelho Segundo o Espiritismo, leu as recomendações do Cristo a respeito do amor aos inimigos. E assim ocorria a cada página aberta, a cada pregação ouvida. Certa feita, ao ser conclamada a presença do orientador dos trabalhos do centro, teve de ouvir extensa preleção moral a respeito dos deveres do homem para com o Criador, tendo-se estendido largamente o doutrinador a respeito da figura de Caim.

Preocupado com os sentimentos e com as graves conseqüências advindas dos atos intempestivos dos criminosos, acabou por perceber que deveria pedir perdão por ter passado por fase tão injusta com relação ao Criador, que tudo lhe estava proporcionando de bom, enquanto ele premeditava cometer crime tão hediondo. Paulo fez-lhe ver que o desejo de se tornar igual ou melhor que os demais não se coadunava com o insólito espírito de vingança, que lhe havia sido insuflado pelo desassisado filho, o qual fora afastado desde logo de perto do pai.

Uma noite, quinze anos depois do início dos acontecimentos narrados, lembrou-se das furtivas lágrimas e da intenção de consultar os espíritos a respeito da mudança de rumos da vida. Refletiu que os fatos estavam a indicar que tudo o que desejara lhe fora propiciado a pedido seu. No entanto, não ficou contente com sua conclusão, pois achou que, se, de fato, tudo se devesse à sua iniciativa, os espíritos tinham ido muito além do necessário. Dispôs-se, então, a encontrar-se durante o sono com os amigos da espiritualidade.

Assim que adormeceu, foi-lhe o espírito conduzido à presença dos protetores, entre os quais se via Paulo, o amigo de antigamente. Às suas observações, foram-lhe proporcionadas largas explicações, dentre as quais avultava o fato de que os cuidados de que havia sido alvo e dos quais nem suspeitara eram concludente prova de que estava recebendo toda a assistência possível e que o mais deveria correr por sua conta.

Acordou tranqüilo, desejando reatar todos os vínculos despedaçados por longos anos de angústia e dor. Primeiramente, lembrou-se do filho e, ali mesmo no leito, invocou-lhe a presença para suplicar-lhe entendimento e compreensão para a antiga falta de resignação diante das tribulações que lhe causava. Prometeu-lhe dar nova oportunidade de reencarne acolhedor em futura encarnação.

Mais tarde, foi em busca do marginal, para fazer chegar a ele vibração de perdão e comiseração. Achou-o preso incomunicável em cela forte de prisão de segurança máxima. Não tendo como fazer chegar, de viva voz, a atual disposição moral a respeito da infortunada criatura, estabeleceu intensa correspondência, terminando por oferecer-lhe pequena biblioteca espírita, sem deixar, contudo, de orientar-lhe a leitura para a compreensão das verdades básicas do espiritismo, no intuito sério de evangelização. A princípio, o infeliz espantou-se com a atitude do pai do desafeto, mas alguma luz se fez em seu espírito, de modo que pôde dedicar alguma atenção às noções básicas que lhe estavam sendo passadas. Não fora o instinto animalesco estar absurdamente desenvolvido e incitado pelas condições do presídio, por certo algum aproveitamento poderia ter sido conseguido do esforço de Felisberto.

O tempo passa para todos e, certo dia, após bela palestra do instrutor da sessão cujos trabalhos presidia, notou certa senhora enxugando teimosa lágrima furtiva.

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