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Contos-->11. A HORA DO AJUSTE DE CONTAS -- 15/04/2002 - 06:43 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Anacleto era dono de mercearia. Através de trabalho operoso, logrou fazer seu estabelecimento crescer, de forma que, após certo tempo de dedicação e esforço, construiu extenso prédio em que instalou completo supermercado.

Seus fornecedores eram pessoas honestas que procuravam favorecer-lhe o comércio em bases honrosas para os proprietários das firmas e de forma benéfica para a clientela. Contudo, tinha Anacleto de enfrentar certo problema de caráter moral que provocava na concorrência. Devido à modéstia dos lucros individuais, conseguia movimentar grandes somas em dinheiro, em razão do alto volume das vendas. Isto era difícil de ser compreendido pelos que ambicionavam lucros mais ativos, como diziam, ou seja, ganhar o mesmo, despendendo menor capital de giro e procedendo a número bem inferior de transações, de sorte a diminuir a quantidade de funcionários, o que reduz a despesa interna, repercutindo de modo favorável no montante do lucro.

Mas nós não estamos aqui para ensinar as bases do comércio ao digno leitor, a menos que se veja envolvido nas malhas das recriminações dos adversários, como o pobre e sofrido Anacleto.

Estendendo os negócios, precisou confiar em que diversas pessoas gerenciassem os vários setores das atividades. Com clarividência, conseguiu fazê-los entender seus objetivos, de sorte que o supermercado se transformou em extensa rede de lojas, a abrigar milhares de funcionários.

Dia houve, entretanto, em que seu desdobramento à testa dos negócios lhe causou estafa imensa, de modo que, por recomendação médica, precisou ceder à pressão das necessidades orgânicas, ampliando o quadro da diretoria. Ora, entre as pessoas convocadas para o auxílio direto, nem todos comungavam dos mesmos preceitos organizacionais do operante trabalhador. De início, fingiram aceitar com boa vontade as normas estabelecidas, mas, com o acréscimo de responsabilidade e de atribuições, foram tomando iniciativas no campo administrativo da empresa, de modo que, aos poucos, a concorrência pôde ir restabelecendo-se, dados os constantes fracassos dos novéis diretores.

Anacleto não interferia mais diretamente nos negócios, ficando impossibilitado de vigiar de maneira estreita as atividades de cada um dos auxiliares. Os números eram altos e os lucros correspondiam às expectativas, de sorte que o que deveras ocorria nas lojas ficava fora do controle do dono.

Certo dia, no entanto, ao cruzar o pátio da empresa, observou aglomeração de funcionários. Sem ser reconhecido, pois se conduzia na vida particular com toda a modéstia, infiltrou-se por entre os reunidos e passou a ouvir o que estavam confabulando. Era armação de parede por reivindicações várias, inclusive de pagamentos atrasados e vantagens legais esquecidas.

Muito se admirou o velho homem do que ouviu. Perlustrou os escritórios contábeis da firma contratada para gerir a parte administrativa e de pessoal e lhe foi informado que as medidas relativas aos funcionários tinham partido de determinado gerente.

Subiu ao gabinete e providenciou imediata convocação de todos os auxiliares. Estarrecido ficou quando percebeu que na casa se encontravam tão-só dois dos quinze, ali por injunções contratuais com fornecedores que haviam aprazado data para serem recebidos.

Incontinênti, chamou sua secretária particular e, com lágrimas nos olhos, ditou várias cartas de dispensa, ao mesmo tempo que informava à família a decisão de transferir a gerência geral para o filho mais velho, que seguira o pai no comércio, mas que se instalara em outro ramo, onde fora bem sucedido. Outra decepção. O filho, que jamais desejara magoar o pai mas que conhecia o estado calamitoso da empresa, recusou-se a aceitar o empreendimento, recomendando que se descobrisse meio idôneo de se passar adiante a firma, embora o negócio pudesse vir a ser catastrófico para os bolsos da família.

Anacleto não atendeu o rapaz. Imaginou, então, meio mais salutar de sair dos negócios. Não lhe foi difícil conceber engenhosa maquinação para que a firma não se descaracterizasse. Mandou trazer-lhe à presença todos os demitidos, reintegrou-os nos postos e lhes deu atribuições bem mais abrangentes. A partir daquela data, todos seriam sócios. Receberiam quotas iguais da sociedade anônima que então se formava, com a condição única de firmarem compromisso de que a razão social seria preservada e de que sua parte do negócio fosse instransferível por vinte anos. Para si, Anacleto reservou pequena quantidade das ações, que lhe garantiriam a sobrevivência através da distribuição dos dividendos. E se retirou definitivamente para a vida particular.

No entanto, todo dia visitava as lojas da cidade em regular roteiro de peregrinação, para saber dos empregados, sempre disfarçadamente, quais as reivindicações de cada um. Por força de diversos dispositivos contratuais, estavam garantidos contra a ganância dos novos proprietários. E foi assim que pôde acompanhar as conquistas que os humildes auxiliares iam obtendo no campo da assistência social e médica, bem como os acrescentamentos salariais.

Chegado à extrema velhice com o espírito lépido como na primeira hora, em quente tarde de verão, entregou a alma a Deus, abençoado a distância por imensa coletividade resguardada por seu tirocínio e boa vontade.

Era chegada a hora da prestação das contas. Acostumado aos extensos relatórios anuais, em que, item por item, enumerava cada tópico, cada mercadoria, cada compra e cada venda, Anacleto dispôs-se a longamente discorrer a respeito de suas realizações de vida. Sempre cuidara da parte espiritual, assíduo freqüentador de importante centro espírita, mas, no fundo da consciência, temia que o seu ramo de atividades estivesse um pouco distante das verdadeiras virtudes, já que mercadejava e não produzia, já que negociava e não simplesmente abria as portas das lojas, para que o povo mais humilde pudesse abastecer-se de graça. Achava, em sua mentalidade de negociante, que sua alma iria sofrer certos abalos na valorização dos méritos e determinados acrescentamentos na área dos defeitos. Confiante, porém, iniciou a longa exposição.

Entretanto, foi surpreendido por fato inédito: conseguiu expor toda a longa série de tópicos em átimo de segundo, sem deixar qualquer deles de fora. Sua defesa foi rapidíssima e de pronto recebeu a nota faturada das aquisições: retornaria, imediatamente, ao mundo da carne para ensinar aos mortais como deveriam proceder para se alçarem ao reino de Deus, mesmo dedicando toda a vida ao comércio dos bens terrenos.

Hoje, Anacleto luta para estabelecer, em certa capital brasileira, modesta casa de armarinhos.

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