Quando criança, morava, em São Paulo, numa rua em frente ao cemitério. No lado direito, que dava para o bairro, ficavam as casas, residenciais e de comércio. No lado esquerdo, havia o muro que escondia os túmulos, a capela e quem sabe o que.
Sempre que descia do bonde, à noite (naquela época, havia os bondes vagarosos e simpáticos; quase não havia automóveis), corria para a porta de minha casa e tocava a campainha. O som era estridente e maldoso. Tinha que andar (ou correr!) cerca de cem metros,que, na minha imaginação, não eram cem, mas quilômetros. Enquanto corria ou esperava minha mãe abrir a porta, parecia-me ouvir a música,vinda do cemitério. Ouvia, ou parecia ouvir, uma orquestra de violinos,paradoxalmente, bem afinada.
Ficava assustado e, ao mesmo tempo, extasiado, com os sons fúnebres e com o medo. Medo de assombração. Medo da dança macabra dos mortos, saindo dos túmulos, após a meia noite. Medo das almas do outro mundo. Medo de tudo, da escuridão. Não havia apagão, no sentido que conhecemos hoje, mas havia o apagão, por causa da Segunda Grande Guerra, que assolava o mundo. Em determinados momentos, as luzes se apagavam e ninguém ousava ligá-las.
E, então, dêem-se asas à imaginação de uma criança assustada e ter-se-ão os ingredientes de uma saborosa história. Desta vez, porém, terrivelmente, real. Mais do que real.
Que diferença entre as crianças de ontem e de hoje! |