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Contos-->4. VISITANTE INESPERADO -- 08/04/2002 - 06:56 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Naquele dia, a família reunira-se para festejar a passagem do aniversário do dono da casa. Pessoa temente a Deus e estudiosa do espiritismo kardecista, Clemente era o símbolo do patriarca familiar, a quem todos prestavam homenagem pela palavra sóbria e pela moderação das atitudes. Jamais se afastava sequer um milímetro do padrão estabelecido pelo nome, predestinado que fora desde o berço para exercer as tarefas nem sempre gratas de orientador de imensa prole.

Pois bem, na hora da comida, farta ceia de que todos participaram contribuindo com seu esforço e dedicação, Clemente interrompeu a festa, solicitando a todos para orar com imensa fé no poderio de Deus, tornando a reunião fraternal em assembléia de espíritos encarnados e desencarnados, para fazer honra ao Pai Celestial. Invocou, então, o Senhor Jesus, pedindo-lhe especial bênção para a família, pois se julgava apaniguado por conviver com entidades eleitas entre as mais perfeitas criaturas possíveis de encarnar na Terra. Julgava-se beneficiado ao extremo e agradecia em júbilo, sabendo exatamente o grau de felicidade de que estava possuído todo o grupo. Pedia, ainda, pelos mais infelizes e solicitava força e saúde para prosseguir em sua caminhada de amor pelos companheiros menos afortunados. Tinha, é verdade, pequeno pecúlio, amealhado durante mais de quarenta anos de intenso trabalho em oficina de consertos de automóveis, que prosperava mercê de atendimento sempre honesto e justo e que, agora, se espalhava em larga rede sob a responsabilidade dos filhos, genros e netos. Problemas maiores não tinha, mas temia usufruir velhice sedentária, improdutiva para si à medida que deixava de atender aos demais.

Naquele momento da reflexão, bateram à porta. Era esfarrapado mendigo que vinha pedir o conforto de um agasalho e o lenitivo para a fome de um prato de comida. Foi imediatamente introduzido à intimidade do lar e o jantar de confraternização não teve prosseguimento até que o pobre pedinte estivesse atendido em suas necessidades higiênicas, tendo-lhe sido proporcionado banho reconfortante e roupa adequada para a ocasião. Limpo e bem trajado, com a barba feita e o espírito despertado para a bondade daquele lar, foi-lhe dado lugar de honra à mesa, ao lado do patrão, que via no mendigo a figura de Jesus, invocado para aquela ocasião. Mais do que simples pedinte, Carlos era o símbolo da própria misericórdia divina.

Transcorreu a lauta refeição em ambiente de informal convivência, embora o recém-chegado não se dispusesse com muita felicidade junto aos demais. Bons espiritistas, os convivas evitaram fazer perguntas inibitórias da espontaneidade do coitado, que se via na curiosa situação de partilhar da felicidade alheia sem ter motivos para alegrar-se. Enquanto o povo palrava despreocupado, punha-se a relembrar passagens da vida. Jamais teve sequer a recordação de algo parecido a tudo aquilo que via. Sua primeira intenção era afastar-se de lá, carregando consigo tudo que pudesse subtrair sem que os donos percebessem. Estarrecido ficou quando lhe foi oferecida polpuda soma em dinheiro vivo, quantia que jamais poderia imaginar conseguir com a venda de qualquer objeto que furtasse.

Ao final da reunião, desejou imensas felicidades a todos e retirou-se, não sem antes ter prometido passar por certo centro espírita, cujo endereço disse conhecer, para participar dos trabalhos e poder socorrer-se de seus recursos.

Assim que se retirou o aturdido Carlos, a brilhante reunião tomou outro rumo. Sob influenciação direta do velho Clemente, os convidados e familiares predispuseram-se a proceder a sessão de consulta aos espíritos, para interrogar deles a sua opinião a respeito dos acontecimentos da noite, especialmente sobre a conveniência do procedimento relativo ao pedinte, pois parecia ao chefe da casa que algo não andara bem na recepção que deram ao mendigo. Soava-lhe falso na consciência o acolhimento tão desproporcional à humildade da solicitação. Achava ter sido, de algum modo, egoísta, aparatoso e orgulhoso. Fizera o bem, é verdade, mas não tinha exata consciência das repercussões da atitude no espírito do assistido. Muito lera a respeito do atendimento que se deve ministrar aos necessitados, muitas vezes participara de reuniões de distribuição de alimentos, fora, inclusive, de casa em casa para avaliar as condições dos assistidos e sabia que as pessoas devem merecer toda a consideração, para que se possa mantê-las dignas diante de si mesmas. Em suma, não estava inteiramente satisfeito nem convicto de que a acolhida tivera sido a mais recomendável.

Estabelecidas as leituras edificantes de diversos textos básicos da moral cristã, realizadas as necessárias preces de encaminhamento da magnetização do ambiente, procedeu-se à invocação do espírito guardião daquela instituição familiar, que, prontamente, atendeu ao chamado. Ciente dos temores do aniversariante, fez longa exposição em que falava a respeito do bem, do amor, da necessidade de cooperação entre os humanos, da justiça divina, da benemerência, do beneplácito do Senhor para com todos os que se arrependem, do perdão, da fé, da esperança, da caridade, das virtudes necessárias para se alcançar a ventura de adentrar o reino de Deus, enfim, discursou, pela voz de excelente médium, não menos que uma hora e meia, aturdindo a todos pela veemência e pelo calor que imprimiu à peroração, como se recitasse longo catecismo, decorado mas proficientemente integrado à mente e ao coração. Terminada a longa mensagem, devidamente registrada nos aparelhos eletrônicos previamente dispostos para o evento, retirou-se, agradecendo efusivamente a recepção que tivera, a lembrança do contacto mediúnico com o plano da espiritualidade, reiterando a continuidade da assistência à família sob sua tutela espiritual, felicitando o dono da casa pela passagem de mais um aniversário, congratulando-se com todos pela manifestação de carinhoso afeto e prometendo voltar assim que fosse novamente invocado. E mais não disse, especialmente a respeito da figura do mendigo, de sua acolhida, de seus sentimentos e dos problemas morais afetos à atitude que se tomou relativamente a ele. Calou-se de propósito, evidentemente para fazer fermentar as idéias que, imprecisas, haviam assaltado a mente do velho patriarca.

Finda a manifestação, pelo adiantado da hora, resolveu-se que nenhum outro espírito seria invocado, tendo ficado no ar a pergunta que assaltara a todos:

— Teria sido Jesus quem comparecera incógnito, na figura do mendicante? Ou fora tão-só simples coincidência ter ele comparecido no justo momento da invocação ao Senhor?

Todos teriam saído na dúvida, se Marcos, um dos filhos do casal anfitrião, não se tivesse lembrado de ir visitar o lar do pedinte, tendo-se afastado durante o transcorrer da reunião, chegando de volta surpreso com os desdobramentos da festividade. Todos ansiavam por saber onde é que havia deixado o estranho visitante. Aí informou que o pobre morava em tapera erguida à beira do rio, convivendo com os ratos do mato e os mosquitos, sem família e sem segurança de qualquer espécie. Tendo visto as condições adversas em que se instalava, reuniu-lhe alguns trastes e trouxe-o de volta, para passar a viver com a família em modesta moradia ao fundo da propriedade, onde poderia exercer algum trabalho, à sua vontade e disposição.

Aí todos se decepcionaram, mas, à vista da contingência moral em que se encontravam, aceitaram, não de muito bom grado, que o infeliz ficasse ali residindo, compartilhando de sua vida, na condição de eterno visitante.



Aos poucos, o indigente foi reanimando-se com a nunca desmentida boa vontade de todos, transformou-se por dentro e passou a exercer funda influenciação no ânimo dos velhos, que viam em sua figura o objetivo mesmo, expresso e declarado, de suas vidas. Com aquela presença constante sob os olhos, de manhã à noite, passaram a ver no coitado alguém dotado de alma.

Um dia, Carlos procurou Clemente e declarou-lhe que iria partir, pois resolvera cuidar da vida. Encontrar-se-iam no futuro, se não no plano dos encarnados, seguramente no mundo dos espíritos. E nunca mais ninguém ouviu falar dele.



Eis que Clemente se despede da vida em trágico acidente automobilístico. Ele, que cuidara de automóveis a vida toda, acabou vitimado por freio mal acondicionado. Parecia coisa do destino. Surpreendido pelo inesperado da partida, despertou do letárgico sono do passamento, acolhido que foi por experiente equipe de socorristas que sabiam estar recebendo de volta alguém de exponencial importância em seu meio material, mui especialmente pelo desempenho junto aos pobres e necessitados e pela suave brandura que imprimiu à condução da família, todos ganhos para a fé espírita e ardorosos batalhadores da causa evangélica.

Ao despertar, ali estava a figura do Carlos, envolto em brilho excepcional.

— Eis Jesus Cristo, pensou de imediato e se pôs de joelhos para adorá-lo.

Aí Carlos estendeu-lhe os braços e disse:

— Venha comigo, bom amigo. Não sou quem você nomeou com tanto respeito e reverência, mas simples espírito despertado para o amor pela sua compaixão e caridade. Despedi-me da família para reconstruir a vida. Defrontei-me com alguns percalços mas pude desvencilhar-me de alguns fardos pesados de viciações e de débitos. Poucos anos de convivência me bastaram para sublimar-me diante de mim mesmo e alguns trabalhos de reconstrução perispiritual me reconduziram ao caminho certo. Venha comigo que alguém espera por você bem lá no alto, em ponto muito elevado na escala evolutiva. Venha comigo...

E lá foram os dois, pela cintilante estrada de estrelas, rumo ao céu.

Teriam sido chamados por Jesus? Responda você, caro leitor, à vista da verossimilhança da narrativa.

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