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Contos-->2. O MISTIFICADOR -- 06/04/2002 - 06:29 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Havia, em certa cidade não longe daqui, certa pessoa de notoriedade social, que fazia questão de participar de núcleo espiritista de muito respeito e nomeada. Integrara-se perfeitamente ao grupo de socorristas, com o intuito de transferir para seu nome o julgamento positivo do valor da instituição. Seu mal vinha de longe, político sagaz que manobrava a massa de eleitores e que nunca perdera sequer uma eleição. Suas campanhas fundamentavam-se na probidade de suas atitudes, sem jamais ter cometido qualquer ato que pudesse macular-lhe a respeitabilidade. Mas as suas virtudes eram de cristal, frágeis como papel, permeáveis e porosas como certas esponjas que se incham dentro d água, mas que são incapazes de conter em si algo de peso e de valor.

Pois bem, o nosso Epaminondas, chamemo-lo assim, resistiu galhardamente a diversas legislaturas, passando imaculado por vários cargos públicos de responsabilidade. Jamais alguém levantou contra ele a voz da dúvida e nunca se descobriu nada que pudesse vir a se transformar em pejo e vergonha para a família.

No centro espírita, estava, entretanto, a sua pedra de tropeço. Ali, enlevado pelas preces, à vista das manifestações espirituais, começou a sentir-se incomodado por ter trabalhado em vão na vida pública, pois apercebeu-se, tardiamente, que seus objetivos houveram sido tão-só pessoais e que nada fizera realmente em proveito da população. Cotejando o pouco que fizera com o muito que deixara de fazer, restava penoso saldo negativo de dívidas morais.

Desejou, então, cumprir o restante dos dias em paz com o Senhor, oferecendo-se espontaneamente para os trabalhos da mediunidade. Habituado, entretanto, a vencer na vida, operando em proveito próprio, não aprendera a trilhar o caminho da humildade necessária para dedicar-se ao próximo. Ouvia as preleções dos instrutores, os comentários dos colegas do socorrismo fraterno, a advertência moral dos doutrinadores, mas não atinava com a necessidade nem da pregação, nem do comentário, menos ainda da advertência. Para ele, bastava pôr-se à disposição do plano espiritual, para que resultasse em trabalhador das esferas superiores. O trabalho de profunda reformulação interior ficava esquecido, execrado até como pura perda de tempo. Tinha de si para consigo mesmo que a oportunidade era o homem que preparava para si, pensando que a frase segundo a qual o trabalho sempre aparece, quando o trabalhador está pronto era só força de expressão para convencer os indivíduos a acederem a participar das mesas.

Com esses sentimentos evasivos, perpassou todos os cursos de treinamento e educação mediúnica, dando a impressão do verniz da aquiescência, enganando, com sua freqüência e nunca desmentida paciência, os instrutores, escondendo no fundo do coração a intenção de se aproveitar da fase espírita — como denominava intimamente aquele período da vida —, chegando ao ponto de preparar em casa diversas dissertações com idéias extraídas de compêndios da doutrina de sua biblioteca, até que foi, finalmente, admitido para os trabalhos na mesa da desobsessão.



Perguntar-se-á:

— Estariam igualmente sendo ludibriados os orientadores e protetores do centro espírita? Qual o intuito em conservar os diretores encarnados ignorantes do que se passava no imo da consciência de Epaminondas?

Responderemos às duas questões a seu tempo. Vejamos, por ora, o que se passou com a nossa pobre figura em suas estripulias mediúnicas.




Na primeira sessão a que foi admitido, viu-se, de cara, às voltas com tremendo fanfarrão, que percebeu logo que não iria passar aos doutrinadores sua real condição moral. Que fez, então, o malicioso intrujão? Inspirou Epaminondas a inventar cena de desespero e dor em que frustrado pai de família amaldiçoava a esposa infiel e seu amante, dizendo-se assassinado e prenhe dos mais abomináveis sentimentos de vingança. Crente de que estava interpretando bem o papel de mistificador, Epaminondas deu larga vazão às tendências histriônicas e criou verdadeira cena de teatro, com que se divertia muito o amigo da esfera espiritual.

Foi um sucesso a revelação das tendências mediúnicas do nosso político. Correu à boca pequena pela cidade o seu desempenho, provocando as mais diferentes reações na população, mas preocupando deveras os espíritos sinceros, de convicção firmada nos princípios mais puros do kardecismo.

Dentre estes lídimos orientadores do centro, destacava-se um que procedia de acordo com suas tendências naturais e recebia ser de categoria bem elevada dos círculos superiores. Esse espírito de luz foi, particularmente, evocado para manifestar-se a respeito da participação de Epaminondas, tendo orientado o discípulo a que mantivesse recatada posição, sem estabelecimento de qualquer juízo a respeito do caso, pois viria a pesar seriamente na balança dos acontecimentos. Que ficasse na paz do Senhor!



Nesse meio tempo, ufano do sucesso do primeiro trabalho, Epaminondas pôs-se a preparar o texto do segundo, tendo imaginado cena em que dava continuidade ao drama da personagem inicial. Pensou em fazer o espírito do pai do assassino vir em busca do acusador para detratá-lo, imaginando que poderia estabelecer diálogo, incorporando as duas entidades simultaneamente.

No dia marcado para a sessão, foi-lhe atribuída a missão da prece de abertura, a qual realizou com o ar mais compungido, o espírito mais compenetrado, dando certo vibrato à voz, na ânsia da contaminação da sensibilidade dos circunstantes pela sua figura de respeitabilidade espiritual. Quando, entretanto, era chegada a hora de sua participação, não conseguiu lembrar-se do texto preparado. De novo compareceu o mesmo espírito, trazido, naturalmente, pelos organizadores espirituais da sessão, o qual, pensando estar agindo livremente e sem conhecer a necessidade intelectual do médium de apresentar o novo drama, lhe sugeriu algo totalmente diverso. Julgando estar tendo idéias novas, não se apercebeu da presença do espírito e, convidado por ele, desfechou para a platéia nova chuva de tolices, em que certa Maricotinha, pessoa conhecida de muitos, teria abandonado uma filha que morrera ainda infante e que viera reclamar agora o direito a novo nascimento. Desconhecia o pobre médium que existia tal criatura e que era pessoa absolutamente séria, incapaz de ter participado de qualquer ato escuso. Mais ainda: não sabia que as pessoas que se assentavam à mesa mantinham ótimo relacionamento com aquela figura humilde e trabalhadora, que, embora tivesse chegado adulta e só à cidade, jamais tivera dado oportunidade a qualquer mexerico.

Após a sessão, as pessoas começaram a cochichar às ocultas, desconfiadas de que a santa pessoa pudesse não ser tão santa assim, dando crédito total à manifestação mediúnica.

O nosso orientador não se perturbou, amparado que estava por seu protetor e amigo, mas desconfiou de que a notícia correria e que, uma hora ou outra, chegaria ao conhecimento da pessoa que fora levianamente citada.

Os detratores da doutrina, ao tomarem conhecimento do fato, correram à investigação da vida pregressa da personagem apontada. Uns diziam conhecer-lhe a família, outros que sempre tinham tido as suas desconfianças, terceiros propuseram-se a perlustrar os ínvios caminhos burocráticos para levantar a origem e a história da malfadada adventícia. Foi assim que, por intermédio do ufanoso político, a cidade toda se pôs de prontidão para atacar a honra da pobre mulher.



Os dias se passaram e chegou a oportunidade da nova sessão. Epaminondas apresentou-se como de hábito, trazendo versão ampliada da historieta que não tivera ocasião de aproveitar. Nova manifestação, novo agravo. O mesmo espírito impediu-o de reproduzir a história, desconhecendo os preparativos, e induziu-o a inventar de improviso nova situação constrangedora para outra pessoa da população. Dada a ênfase e a seriedade com que se comportava o prestigiado senhor, não se duvidava de que suas palavras contivessem as mais legítimas observações a respeito do infortunado alvo de sua crítica.

Para resumir, repetiram-se os casos em mais cinco oportunidades, até que a murmuração da cidade chegou aos ouvidos dos atingidos. Sua reação não se fez esperar. Desconhecendo a circunstância da presença do espírito embusteiro, atribuíram as falsidades ao médium, que decaiu em popularidade, perdendo totalmente o crédito diante da população. Os jornais foram procurados e, sensacionalistamente, anunciaram os engodos e a malversação do poderio público do nosso Epaminondas. Tudo pareceu esclarecer-se, quando se descobriu que tinha oportunidade de acesso a todos os nomes dos habitantes da cidade, através de sua assessoria, capaz de lhe proporcionar os informes de idade, procedência, origem, cor, condição social etc., que tinham proporcionado verossimilhança às narrativas.

O pobre mistificador fora vítima de dupla mistificação: do espírito embusteiro e dos próprios eleitores. Não é preciso dizer que intentou defender-se, tendo sido bem pior a emenda que o soneto, pois caiu em sua própria armadilha, querendo justificar-se, dizendo ter, realmente, preparado as histórias, mas que, no último momento da sessão, obtivera comunicações absolutamente verdadeiras, só que falsas em seus dizeres. Complicou-se todo e foi derrotado nas urnas. Nunca mais se reelegeu.



Eis que entra em cena o bom Juvenal, o nosso amigo médium que mantivera sigilo absoluto da comunicação de seu orientador. Vendo a desolação em que imergira Epaminondas e tendo confrontado a sua versão dos fatos com a fornecida pelo plano espiritual, após observar que houvera sinceridade na retratação, compenetrou-se de que era chegado o momento do auxílio. Foi à procura do amigo e expôs-lhe, minuciosamente, o plano espiritual.

Realmente, a vida desmoronara pela incúria no tratamento dos temas sérios da existência. Oportunidades não lhe haviam faltado mas não soubera aproveitar-se delas, nem no plano material nem no espiritual. Poderia ter realizado muito pelo povo e não o fizera, conforme Epaminondas reconhecia, desesperançado. Poderia ter trabalhado pelos irmãos no etéreo, mas preferira mistificar. Quebrara-se o cristal, rompera-se o papel, vazara toda a água; Epaminondas parecia uma bola murcha.

Foi aí que lhe assaltou a idéia de que poderia ter sido ajudado pelo plano espiritual:

— Meu bom Juvenal, perguntou ele, por que os amigos da espiritualidade, conhecedores de minhas intenções, não obstaram que perpetrasse as alucinações no sagrado ambiente das manifestações mediúnicas?

Com a autoridade de quem tinha conversado com o orientador, Juvenal expôs-lhe à minúcia o plano dos instrutores.

— Caro amigo, você jamais ludibriaria os espíritos de luz que guiam os trabalhos socorristas. Isto lhe parece claro, pois não? Mas você talvez induzisse os encarnados a crer em suas encenações. Ora, os amigos da espiritualidade não interferem nos atos de vontade realizados no pleno domínio do livre-arbítrio. Quanto a mim, tendo, desde logo, desconfiado de que sua atitude não condizia com as diretrizes evangélicas, consultei o meu orientador e obtive resposta para minhas dúvidas. Que cada qual fizesse o mesmo. Devo até supor que muitos o tenham feito e conseguido a mesma resposta. No que se refere aos que deram oportunidade a que o escândalo se estabelecesse, sofreram forte abalo diante de sua impensada atitude, recebendo as lições que mereciam. Nada se perde no plano da espiritualidade. Até mesmo o espírito que o aborreceu sofreu a desdita de ter de admitir que não agiu segundo determinação própria, pois se viu às mãos dos instrutores, acabando por reconhecer que agira sob influenciação deles, percebendo que só teria a ganhar, inteligente que é, se norteasse o procedimento pelas orientações dos irmãos de luz. Hoje está internado em casa de saúde espiritual. Quanto a você, meu caro Epaminondas, recebeu dura e severa lição, à altura de sua necessidade. Creio que jamais na vida você se importará somente com as aparências mas procurará pautar os atos pelos ensinos do Senhor.



Deveras, o restante da vida de nosso Epaminondas decorreu na tranqüilidade de profundo resguardo espiritual, no recesso do lar, onde estabeleceu sede de centro desconhecido de ajuda material aos infortunados. Distribuiu os seus haveres pelos centros espíritas, mantendo o mais absoluto anonimato. Ao mesmo tempo, perlustrou todos os livros edificantes de sua biblioteca, enriquecendo-a constantemente com novas publicações. Tornou-se um filósofo do espiritismo.

Adoeceu e morreu como o melhor dos cristãos, ignorado e pobre, mas pronto para receber das forças espirituais novos encargos com que possa resgatar o muito que ficou devendo.

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