O A. B. C. da Venda, canto recolhido por Alfredo do Vale Cabral no final do Século XIX na Bahia, é uma sátira do povo (do escravo, muito provavelmente) à sociedade da época. O canto, por sua estrutura, sugere um batuque. Fica evidente a manifestação da “raia miúda” zombando das “pessoas de bem”, cujas mazelas não escapam à critica popular. Curiosamente o “i” e o “u” não fazem parte desse abecedário, enquanto que o “s” ressurge na última estrofe para encerrar o canto. Também na última estrofe aparece o “til”, e parece denunciar a existência de uma categoria de pessoas excluídas, sem direito a usufruir da venda; leia-se aí, da vida.
A. B. C. DA VENDA
As gentes que vimos
De todas as classes:
Entram com disfarces
Na venda.
Beatas também,
Sempre confessadas,
Vão dar embigadas
Na venda.
Caixeiros e amos
Por contas erradas,
Jogam às murradas
Na venda.
Doutores de banca,
E outros “charás”
Formam “provarás”
Na venda.
Escrivães e escreventes
Com seus ajudantes
São firmes, constantes
Na venda.
Frades infinitos
E moços donatos,
Alimpam sapatos
Na venda.
Ganhadores sós
Não podem beber
O que há a vender
Na venda.
Homens e mulheres
Velhos e meninos
Repicam os sinos
Na venda.
Jaquetas, casacas,
Timões e capotes
Só não bebem em potes
Na venda.
Lacaios, marujos,
Sem escapar um,
Vão beber o “bumbum”
Na venda.
Meleiros chapados,
São os sujeitinhos
Que beijam os bentinhos
Na venda.
Não fiquem de parte
Os procuradores,
Que também fazem favores
Na venda.
Oradores vimos
Que finda a função
Repetem o sermão
Na venda.
Piratas e clérigos,
Frades minoristas,
Também são coristas
Na venda.
Quartéis e conventos
Lojas, escritórios,
Têm seus purgatórios
Na venda.
Roceiros, feitores
E tudo dos matos,
São mais do que ratos
Na venda.
Soldados então,
Só levam a fama:
Todos fazem lama
Na venda.
Tolos e sabidos
Té os inocentes
Nascem-lhes os dentes
Na venda.
Viúvos, casados,
Solteiros e tudo:
Ninguém fica mudo
Na venda.
Xixi b.u.a.
Que afeta de sério
Também fica ébrio
Na venda.
Zumbi, lobisomem
E outros fadários
Of’recem rosários
Na venda.
Só o pobre “til”
Por ser pequenino,
Fica num cantinho
Na venda.
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Para conferir: Alfredo do Vale Cabral, Achegas ao estudo do Folclore Brasileiro - José Calasans Brandão da Silva (Org.) – MEC-DAC-FUNARTE- Companhia de defesa do Folclore Brasileiro, 1978.
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ACESSE:
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http://orlandobatista.uniblog.com.br
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