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Artigos-->UM RIO EM CHICO MIGUEL-ENSAIO -- 13/01/2006 - 13:16 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Chico, voce tem autoirização para fazer correções e qualquer tipo de

modificação do texto. um abraço

Deolinda Marques.









UM RIO EM CHICO MIGUEL

























































DEOLINDA MARIA DE SOUSA MARQUES

BOCAINA - PI / 2005



















































UM RIO EM CHICO MIGUEL

Uma Leitura de Universo das Águas, Bar Carnaúba e Quinteto em Mi (m), de

Francisco Miguel de Moura































Por: Deolinda Maria de Sousa Marques



























Bocaina - PI / 2005







































DEDICATÓRIA



Dedico este trabalho a todas as pessoas que, como eu e Chico Miguel, tomaram

banho de Rio na infância e ainda sentem na pele adulta a sensação e o prazer

do líquido lavando a alma.





















































ÍNDICE





Apresentação..................................................................................04



Universo Poético: três obras que se completam e se explicam......05



Ler Chico Miguel: um desafio

fascinante......................................10



Francisco Miguel de Moura: re-conhecida-mente.........................16



Forma Poética: um rio cantado, visto e impregnado.....................19



Um rio em Chico

Miguel.............................................................23



Bibliografia

utilizada...................................................................28









































































APRESENTAÇÃO





Este trabalho tem como propósito fazer uma leitura de três títulos da obra

poética do piauiense Francisco Miguel de Moura: Universo das Águas ( 1979),

Bar Carnaúba (1983) e Quinteto em Mi(m) (1986), enfocando o seu aspecto

lexical, isto é, verificando a recorrência do vocábulo "rio" e demais

palavras do mesmo campo léxico-semântico. Propomo-nos ainda fazer uma

análise reflexiva, mesmo que incipiente, sobre o significado do léxico usado

nas três obras , bem como a importância do Rio na obra poética e na vida do

autor ( 1 ).







































( 1 ) No decorrer deste trabalho utilizaremos as abreviaturas UA ( para

Universo das Águas ), BC ( para Bar Carnaúba ) e QEM ( para Quinteto em Mi

(m) ), seguidas do número da página, para as citações.









































UNIVERSO POÉTICO: três obras que se completam e se explicam (1)





1 - UNIVERSO DAS ÁGUAS



Das três obras em estudo, o Universo das Águas é o livro mais moderno e

irreverente, sem nenhuma dúvida.

Publicado pela Editora Grupo/Cirandinha, em 1979, traz uma capa muito

colorida, de Lucimar Uchoa, e condizente com o título da obra, que é o

mesmo de um dos poemas ( como é comum às obras poéticas ), que se encontra

na segunda parte do livro ( p. 48 ). O livro traz ainda uma lista das "obras

do autor", entre publicadas, participações em antologias e inéditas ( no

início do livro ) e um capítulo à parte _ "chico e os outros" _ com

depoimentos e comentários sobre a produção de Chico Miguel (publicados em

jornais de vários Estados do Brasil), de autoria de grandes nomes da crítica

nacional, como: O . G. rego de Carvalho e Rejane Machado, o que demonstra a

dimensão já atingida pelo grande poeta piauiense. O índice ( no final do

livro ) contém apenas a indicação da página das cinco partes que compõem a

obra: heranças, experimento com as palavras, sinais dos tempos, os continhos

e chico e os outros, sendo que a última parte é o capítulo de crítica sobre

o autor.

Como já mencionamos, o caráter moderno e irreverente da obra ( que daria uma

análise à parte de grandes proporções ) se dá pelo infringimento total de

uma norma gramatical básica - a inexistência total e absoluta do uso de

maiúsculas ( até mesmo o nome do autor é grafado com inicial minúscula ) - e

pela inclusão de páginas pretas, contendo poemas inquestionavelmente

concretistas, que encabeçam cada parte do livro. A irreverência visual da

obra se completa por trazer ( não uma foto) uma caricatura do poeta,

desenhada por alguém que assina como "ferdinand".

A forma poemática apresentada pelo autor é a mais variada possível, sendo a

maioria poemas curtos, compostos de versos brancos e livres, bem como

apresenta os mais diversos tipos de estrofação. A obra é extremamente

óptica, visual, sobretudo os poemas "dialética do possível" ( p. 11 ) - uma

taça formada basicamente pelas palavras sim e não ; "perfeição-imperfeição"

( p. 45 ) - pirâmide formada com a própria palavra pirâmide; "profundidade"

( p. 63 ) - um poema síntese, que utiliza os três elementos: terra, água,

nada, resumindo tudo; e "desencontros-desencantos" ( p. 97 ) - poema no qual

são utilizados apenas asteriscos ( * ) e sinais de adição ( + ), formando

quatro taças: uma em pé, uma emborcada, uma deitada e uma quebrada. Esse

aspecto da obra demonstra uma forte influência da poesia concreta dos irmãos

Campos e Pignatari.





















Diríamos que este é o livro mais enigmático, cuja leitura só se completa com

o conhecimento de pelo menos parte da obra poética do autor.



2 - BAR CARNAÚBA



Lançado ao mercado livreiro em 1983 pela Editora da UFPI, o Bar Carnaúba:

ex-Santo de Casa, que recebeu o Prêmio Especial "Odilo Costa Filho" ( 2º.

Lugar da Academia Piauiense de Letras ) , em 1981, é apresentado com capa

desenhada por Eduardo de Sousa Carvalho e ilustrações de Franklin Morais

Moura. Presenteia ainda o leitor com uma bela fotografia do poeta ( arte de

Fernando Muller ) e com o "Soneto para Chico Miguel", de Hardi Filho, que

prefacia a coletânea de forma também poética. O livro é dedicado "aos

cronistas piauizeiros, com amor e humildade" e traz na capa final ( por

dentro ) uma relação das "obras do autor". Esta relação comprova a longa

caminhada já feita pelo poeta, ao relacionar nas suas publicações quatro

livros de poesia e dois de crítica literária. Relaciona ainda três obras

inéditas: um romance ( Os estigmas ) e um livro de contos ( Eu e meu amigo

Charles Brown ), que foram publicados posteriormente; e um livro de poemas (

Arfogo ), de cuja publicação não tenho notícias.

O livro tem como título o mesmo do poema que abre a obra e se organiza em

partes temáticas. Embora não traga índice ( o que dificulta o seu manuseio

), averiguamos a estrutura do livro e constatamos que ele está dividido em

quatro partes, todas iniciadas por uma ilustração e encabeçadas com

epígrafes de grandes poetas.

A primeira parte - A terra - tem como epígrafe o segundo quarteto do (

talvez mais conhecido poema da Literatura Piauiense) soneto "Saudade", de Da

Costa e Silva, e contém onze poemas, todos dedicados à terra piauiense, aos

costumes e às recordações da infância. É esta parte do livro que serve como

base e elemento de comprovação para o aspecto que enfocamos nesta análise: a

presença do Rio na obra e na vida de Chico Miguel.

A segunda parte - A família - traz apenas sete poemas, dedicados ao pai, à

mãe, a uma irmã e a um filho ( em memória ), aos filhos e à esposa. Esta

parte do livro revela o conceito de família vivenciado pelo poeta, bem como

a importância desse suporte social e afetivo na sua vida; especialmente o da

esposa _ Mécia _ ( a quem dois poemas são dedicados ). A epígrafe não

poderia ser de outro, senão do nosso poeta maior _ Carlos Drummond de

Andrade: "O retrato não me responde, / ele me fita e se contempla / nos meus

olhos empoeirados.".

A terceira parte - Os amigos - é composta por quatorze poemas, quase todos

dedicados ao seu ciclo de amizade, que é composto na sua maioria por poetas

e escritores, como: Hardi Filho, Herculano Morais, Menezes y Morais,

Rubervam du Nascimento, Deusdeth Nunes. Com epígrafe de Ferreira



















Gullar, esta parte apresenta também um caráter metapoético, uma vez que traz

profundas reflexões sobre a poesia e o próprio fazer poético, como o poema

"Pelos Caminhos da Poesia"( p. 63 ). O aspecto saudosista da obra se mostra

sobretudo nos poemas "Momento romântico" ( p. 67 ) - dedicado à primeira

namorada - e "Ingênuo" (p. 70 ) - dedicado à filha que não teve.

A obra se completa com "Outros Poemas", encabeçados com epígrafe de Fernando

Pessoa. Esta parte contém dezoito poemas de temática variada, sendo que

chama a atenção a seqüência de poemas "Piração", numerados de 1 a 5.

Diríamos que, das três obras analisadas, esta é a única que tem caráter

tradicional, revelando que é a produção inicial de um poeta que corre

(cresce) como um rio, até atingir o mar, e se transforma em estrela, em

universo poético de águas puras e cristalinas.



3 - QUINTETO EM MI(M)



Lançado fora do Piauí ( em São Paulo ) pela Editora do Escritor, em 1986, o

Quinteto em Mi(m) revela um escritor, muito mais amadurecido, que já

conquistou espaço no cenário nacional. Na capa, a caricatura do poeta, de

autoria de Sinézio Alves ( datada de 1985 ), e o título do livro, cujo jogo

morfo-semântico feito pelo uso do parêntese, apontando para uma dupla

leitura, demonstram "de cara" as novas perspectivas da obra e a consciência

criadora do poeta ( que brinca com as palavras ), já percebidas e exaltadas

por Luz e Silva em prefácio ao livro: "a consciência nasce do ato de criar".

Como os demais, o livro traz uma lista das obras "do autor"( desta vez já

bastante ampliada, principalmente através de participações em antologias,

revistas, dicionário e concursos, até mesmo fora do Brasil) e apresenta como

ainda inédito o romance Laços do Poder, apontando também os rumos da nova

safra do escritor que começa a enveredar pelos caminhos da literatura

social.

Como introdução, o livro traz o poema "A Casa" que demonstra um imenso

desencanto do poeta em relação ao passar do tempo:

"Meu tempo de voar se foi:

_ caminho para dentro até o fundo

como quem caminha ao sol-posto"( p. 7 ).

Está dividido também em cinco partes: QUINTETO EM MI(M), HERANÇAS, SONETOS

DA PAIXÃO, EPIGRAMAS e RENASCENÇA. Todas as partes, bem como a contra-capa,

são acompanhadas de epígrafes ( que são extratos de versos dos seus próprios

poemas desse livro ), sendo que desta vez o livro traz índice ( no final )

com a indicação da página de todos os poemas. Contém ainda comentários de

Magalhães da Costa e de Hardi Filho ( em orelhas ) sobre o livro publicado

anteriormente _ Bar Carnaúba _ e, no verso da capa final, um soneto do

autor,





















intitulado "Eu sei que vou ficando", que não está inserido no corpo da obra.

A primeira parte - QUINTETO EM MI(M) - é composta de seis poemas numerados

com palavras - de "UM" a "CINCO", sendo que o último tem como título apenas

um "eme" entre parênteses e uma interrogação: "( m )?" ( p. 17 ). Estranho,

não ?

A segunda parte - HERANÇAS - também é composta por cinco poemas títulados

com a palavra poema e o número também em palavras : "POEMA UM"..."POEMA

CINCO".

A terceira parte - SONETOS DA PAIXÃO - , diferentemente das outras, traz

epígrafe com autoria de Vinicius de Morais e um subtítulo "Um conto

universal do amor". Contém quatorze poemas, cujos títulos ( em palavras )

são numerais ordinais: "PRIMEIRO" até "DÉCIMO QUARTO". Nesta, todos os

poemas têm o mesmo aspecto formal. São "falsos" sonetos, compostos por

quatorze versos decassílabos brancos, que formam estrofe única. É também a

parte mais lírica e musical da obra.

A quarta parte - EPIGRAMAS - é formada por dezenove poemas, sendo que dez

deles trazem como título a palavra epigrama e o número em algarismo:

EPIGRAMA 1 .... EPIGRAMA 10. Os outros poemas são todos titulados com

palavras, mas seguem as mesmas características dos demais: são bem curtos,

com estrofes de três ou quatro versos, na sua maioria. É nesta parte que o

autor trabalha mais com jogos morfo-semânticos e recursos como: uso de

maiúsculas e parênteses, repetição de letras ( fonemas ) formando eco,

onomatopéias, quebra e prolongamento de palavras, como recursos expressivos

e sonoros.

A última parte - RENASCENÇA - é a que contém maior número de poemas ( trinta

), titulados como os demais ( o título todo em maiúscula ), bem como é a que

possui maior variedade formal e temática. Apresenta desde poemas longos,

como "POEMAS SEM NOMES" ( p. 91 - 94 ), "meia paródia", como ele próprio o

denomina ( "VOU-ME EMBORA PARA MIM" p. 77 ), a poemas de feição concretista,

como: "JOGUINHO INOCENTE" ( p. 96 ), "ESPELHO" ( p. 97 ), "SIN/AIS"(p. 98 )

e "SONHO" (p. 99); sendo este último composto pelas letras ( p - m - s ),

pelo algarismo zero ( 0 ), por sinais gráficos ( _ ? ! / $ ) e pela palavra

diábô, prolongada pela repetição do o á e do ô, formando um

quadrado-desenho. Traz ainda poemas cuja temática social demonstra o seu

amadurecimento, não apenas lingüístico e poético, mas também o crescimento

político do escritor em sua função social.

Diríamos que as três obras se completam e se explicam, uma vez que, para

termos uma melhor compreensão de cada uma delas, é necessário que façamos

uma leitura das três de forma comparativa, para que possamos perceber a

trajetória percorrida por Chico Miguel e o seu crescimento poético ao longo

do tempo.











(1) No decorrer de todo este trabalho, todas as citações e referências serão

da "edição príncipe" das obras:

Universo das Águas. Teresina: Cirandinha, 1979.

Quinteto em Mi(m). São Paulo: Editora do Escritor, 1986.

Bar Carnaúba: ex-Santo de Casa. Teresina: Editora da UFPI, 1983.





LER CHICO MIGUEL: um desafio fascinante





Por que ler Chico Miguel ?

Como leitora ávida, é uma pergunta que sempre me faço: por que lemos

determinados autores, outros não ?

Sabemos que a questão da leitura na Brasil é um problema muito mais sério e

profundo do que um simples questionamento acerca das preferências

individuais. O índice de analfabetismo, a falta de incentivo e a não

concepção da leitura como uma das mais primitivas e primordiais formas de

aquisição do conhecimento, contribuem determinantemente para que os

brasileiros sejam incluídos entre os povos que menos lêem nos países ditos

"civilizados". Assim sendo, os leitores regulares ( que lêem regularmente )

desta nação representam uma parcela mínima da sociedade, que é vista como

elite intelectual.

Se tão poucos lêem, menos ainda são os que são lidos. Muitos dos que

escrevem têm consciência desse fato e da difícil tarefa de conquistar,

dentre aquela minoria, o seu leitor. Chico Miguel é um dos que têm essa

consciência. Basta ver o recado-crônica dirigido ao "leitor", que vem como

prefácio do seu livro E a vida se fez crônica (1), publicado em 1996, no

qual declara:



"Há muito tempo fui um caça-leitor. Depois me arrependi da graça. Os

conterrâneos não nos lêem como ingenuamente pensamos. Quando o fazem é para

cobrança de elogios. Que contradição. Às vezes nem leram nosso livro e já

cobram um "muito obrigado" por antecipação". ( p. 13 ).



Vale ressaltar que a crônica ( pois é assim que o próprio autor a nomeia ),

como um todo, é uma profunda reflexão - que merece ser lida na íntegra -

sobre a importância da leitura e sobre o papel social do leitor e do

escritor, seja este poeta ou ficcionista, uma vez que os dois papéis se

completam. A criação de uma obra só é concluída com a leitura. E Chico

Miguel tem consciência disso.

Já no meu caso, meu caro Chico, tornei-me sua leitora não por obrigação,

muito menos para receber um "muito obrigado", uma vez que não o conhecia

pessoalmente. Mas, talvez, por ser do interior e por ter uma imensa

"necessidade de comunicação". Tenho consciência disso pela minha própria

história de leitura.

Eu diria que a minha história como leitora do grande poeta Francisco Miguel

de Moura começou muito antes do primeiro contato com sua obra.

Em 1968, quando tinha apenas 10 anos, morava na comunidade Lagoa Grande -

Bocaina e dava ainda meus primeiros passos a caminho do

















conhecimento, tive a rara oportunidade de assistir a uma Cantoria de Viola,

no dia 23 de junho, na residência do Sr. Miguel João Rodrigues, na

localidade Cachoeira ( vizinha à nossa ), em comemoração ao aniversário de

seu pai, João Rodrigues ( conhecido como João Pequeno ), com a participação

do inesquecível mestre do repente Miguel Guarani. Devido a minha idade,

tenho poucas lembranças desse fato. Recordo-me tão somente que a divulgação

daquela Cantoria causou muita expectativa por se saber que Miguel Guarani

era um homem muito inteligente e um grande cantador de viola. Naquela época

eu ainda não era uma admiradora do repente e da Cantoria de Viola, como sou

hoje. Mesmo assim me interessei também em ir àquele evento; com certeza

muito mais pela carência de diversão naquele pequeno interior. Apesar de não

entender nada de literatura e da minha pouca idade, deu para perceber que

Miguel Guarani era um mestre do repente, sobretudo pela reação dos adultos e

entendidos no assunto.

Alguns anos depois ( em 1976 ) quando já fazia parte do tão almejado grupo

de "coroas" da Escola Normal, tomei conhecimento, através de minha

professora de História do Piauí ( Acho que esse não era bem o nome da

disciplina, mas lembro que estudávamos tudo sobre o Piauí ) - D. Darci de

Deus, de que havia um escritor de Francisco Santos, chamado Francisco Miguel

de Moura, a quem se fazia referência como "o filho de Miguel Guarani".

Conhecedora dessa informação, o meu primeiro pensamento foi a confirmação da

sabedoria popular expressa no tão conhecido provérbio: "Filho de peixe,

peixinho".

Naquela época já havia descoberto o mundo encantado da leitura , mas a

falta de dinheiro para comprar livros ( e isso não é uma falsa desculpa! ) e

até mesmo de livros para ser comprados ( tendo em vista que Picos não

dispunha - como ainda hoje - de Livrarias ) dificultavam-me a realização do

ato sublime da leitura. Entretanto, nada me impedia de ler. A Escola Normal

Oficial de Picos contava - diferentemente de hoje - com uma imensa ( eu, na

época, a considerava assim ) biblioteca que, mesmo sendo rigorosamente

controlada pela Diretora _ D. Zizi Balduíno, na pessoa da bibliotecária, nos

possibilitava o contato com a literatura e as demais áreas do conhecimento;

como também, eu vivia à caça de livros emprestados das amigas.

Mas não era da minha história de leitura que pretendia falar. Se enveredei

por esse caminho é porque ela está estritamente associada à minha história

como leitora apaixonada de Chico Miguel.

Todas as dificuldades mencionadas retardaram o meu contato com a obra de

Francisco Miguel de Moura. Somente em 1979, quando já trabalhava como

professora e ganhava o meu "suado dinheirinho", é que comprei, na Livraria

Educativa (2), do amigo Erivan Lima, o meu primeiro livro de Chico Miguel:

Universo das Águas .

Naquela ocasião, fiz uma primeira leitura do livro e, lembro-me de

















que, o que mais me chamou a atenção no livro foi o título "Universo das

Águas" (?) e a capa, de Lucimar Uchoa, que consta de uma ilustração (

pintura ? ) de um universo de água, povoado por peixes e conchas. O título e

a capa causam realmente uma impressão prévia de que o livro está ensopado de

água límpida e fresca, de que trata unicamente de líquidos e de que seu

conteúdo é um oceano imenso.

Confesso que, na época, senti um pouco de frustração. Vi pouca água naquele

pote... não deu para matar a sede da adolescente tardia que, com certeza,

precisava de outras águas para irrigar suas fantasias. Ou talvez tenha

achado a água um tanto salgada... Mas o livro foi guardado com muito

carinho.

No ano seguinte ( 1980 ), comprei ( também na Livraria Educativa ) o seu

livro Piauí: terra, história e literatura (3), do qual participa com a

crônica "A ordem", apresenta e organiza uma coletânea de contos e crônicas

de autores piauienses. Quando li, chamou-me a atenção a sua postura crítica

e contundente ao fazer um balanço da história cultural do Piauí.

Quase dez anos depois ( 1987), ganhei de presente do meu amigo Gilson Chagas

( de quem sou também grande admiradora ) o livro de poesia Bar Carnaúba .

Este, li-o de uma sentada e já não senti o mesmo impacto de quando li o

Universo das Águas. Composto de poemas que, segundo nos informa Hardi Filho

(4), "o Autor deliberadamente ia desconsiderando no tempo, por razões de

foro íntimo", o livro tem conteúdo leve e, apesar do subtítulo irreverente

"ex-Santo de Casa", extremamente lírico. Dividido em quatro partes

intituladas A terra, A família, Aos amigos e Outros poemas,

conseqüentemente, o livro cheira à chuva, à terra molhada, ao suor do povo

nordestino, ao sabão das lavadeiras, ao alho e à cebola do Rio Guaribas de

outrora. E com aquela poesia a minha identificação foi total. No entanto, já

naquela primeira leitura, eu pude constatar ( e isso depois me causou um

certo espanto ao saber que outros leitores maiores, como por exemplo

Magalhães da Costa (5), observaram o mesmo fato ) que, o imenso universo de

águas do livro anterior era resultado de um rio que "move turbinas de beleza

e de saudade".

Depois de Bar Carnaúba, mesmo tendo sido publicados em 1986, o Quinteto em

Mi(m) e Eu e meu Amigo Charles Brown (6) só me chegaram às mãos em 1990,

ambos também comprados na Livraria Educativa, em Picos. Li os dois, mas

comentarei tão somente o Quinteto em Mi(m), para não me afastar muito do

caminho e do lugar ( objetivo ) a que pretendo chegar. Naquela época, o meu

Curso de Letras e as minhas leituras de outros grandes poetas já me

permitiam deliciar-me com a poesia e o universo de água, sertão e vida da

obra de Chico Miguel. Lembrei-me do Universo das Águas. Aquela imensidão de

água ( refiro-me à poesia árida e impenetrável ) que me provocou vertigem,

tonteira, em 1979, já não tinha a mesma força de



















uma grande correnteza me arrastando para um abismo indecifrável. Fiz uma

rápida associação e, intuitivamente, constatei que as águas daquele universo

formavam um "curso natural", que se deslocava ( para mim, invertendo a ordem

da natureza ) de um nível mais baixo para outro mais alto, formando um

"grande rio". Ou era ao contrário: todos os rios, principalmente o da

infância, formaram um universo de águas, suor, lágrimas, sangue... ? E foi

neste momento de epifania que decidi reler Universo das Águas, Bar Carnaúba

e Quinteto em mi(m) com o propósito de observar a influência e recorrência

do item lexical Rio na poesia de Francisco Miguel de Moura. A re-leitura,

com esse objetivo específico, foi realizada em 1991 e muitas observações

foram anotadas, rascunhadas... O trabalho foi deixado de lado por pura falta

de tempo.



Há anos venho acompanhando de longe a vida literária de Francisco Miguel de

Moura através dos artigos publicados nos jornais de circulação aqui no

Piauí. Sempre que encontro alguma publicação, leio e recorto. O mesmo tem

feito a minha irmã Kindow, que repassa todos os recortes dela para mim.

Dentre eles, tenho arquivados: "Sete dias em Cuba (1)"; "Moura Lima e seu

"veredão""; " Monteiro Lobato"; "Mudanças exigem mudanças"; "Todas as

mulheres do mundo"; "A dança do ventre"; "A mulher e a poesia";

"Conversas entre escritores"; "O Piauhy (2)"; "Língua vivinha da silva";

"A mais suave revolução"; " A fama é própria para artistas e dançarinos",

"Desejos e prognósticos", "Solidão, solitude", "Fontes Ibiapina, um nome

esquecido", "O melhor amigo do homem". (7)

Em 1999, recebi de Francisco Miguel de Moura, por intermédio do meu amigo e

também grande poeta Ozildo Batista de Barros, o ensaio Castro Alves e a

Poesia Dramática (8) e o livro de contos Por que Petrônio não ganhou o céu

(9). Fiquei deslumbrada com o presente, sobretudo porque o segundo livro

citado contém dedicatória, acompanhada de autógrafo:



"A Deolinda Maria de Sousa Marques, estes brinquedos de um intelectual

desocupado."



A gentileza do intelectual, que pra mim também é ídolo, e a leitura dessas

duas obras reacenderam-me o desejo de revisitar a obra literária de Chico

Miguel e, sobretudo, de retomar e concluir a leitura que havia iniciado há

oito anos atrás.

Incentivada e cobrada por Ozildo Batista, dei continuidade à leitura da obra

de Chico Miguel, desta vez enveredando-me também pela ficção,

pronunciamentos, estudos críticos e crônicas. Li, todos emprestados por

Ozildo, os romances: Os Estigmas (10), Laços do Poder (11) e Ternura (12);

os livros de poesias: Pedra em Sobressalto (13), Poemas ou/tonais (14),























Poemas Traduzidos (15) e Poesia in completa (16); as crônicas de E a vida se

fez crônica; os livros-folhetos Chico Miguel na Academia (27) e Um

depoimento Pós-moderno (28), que contém pronunciamentos do escritor

acadêmico; e o ensaio teórico Linguagem e Comunicação em O. G. Rego de

Carvalho (19).

Ressinto-me por nunca ter lido sua obra de estréia - Areias .

A amizade de Ozildo continuou me rendendo bons frutos. Através dele recebi,

em maio de 2001, o mais novo livro de poesia de Chico Miguel, também com

dedicatória e autógrafo ( o que pra mim era sempre um orgulho imenso):

Vir@gens (20). É claro que o devorei em poucas horas.

Em julho de 2003, estava no Centro de Convenções, em Teresina, participando

do I SALIPI - I Salão de Livro do Piauí, quando avistei Francisco Miguel de

Moura participando do "Bate-Papo Literário" ( conhecia-o por fotos ). Não

tive dúvidas ! Esperei o bate-papo terminar e fui cumprimentá-lo.

Apresentei-me como "Deolinda, amiga de Ozildo" e ele logo me identificou.

Perguntou-me se eu havia recebido os livros e prometeu-me outros. Imaginem a

minha felicidade !

Em outubro do mesmo ano tive a grata satisfação de recebê-lo na Escola

Normal Oficial de Picos ( onde trabalho como professora ) e de apresentá-lo

como o palestrante-estrela da I Jornada Cultural da ENOP. Ocasião em que

adquiri ( todos autografados e com simpáticas dedicatórias ) os livros

Sonetos Escolhidos (21) - poesia, Rebelião das Almas (22) - crônicas e

Literatura do Piauí (23) - historiografia da literatura piauiense .

Atualmente, como todos os seus leitores, aguardo com ansiedade o tão

anunciado D. Xicote. Negar é impossível ! Sou leitora e fã !

Depois de percorrer esse vasto universo literário, posso afirmar com plena

convicção: ler a obra de Francisco Miguel de Moura é um desafio, no mínimo,

fascinante !





NOTAS:



(1) E a vida se fez crônica. Teresina: Gráfica e Editora Júnior Ltda., 1996,

p. 13.

(2) A Livraria Educativa prestou inegável serviço cultural à cidade de Picos

e microrregião do final da década de 70 a meados dos anos 80 ( século

passado). Hoje já não mais existe.

(3) Piauí: Terra, História e Literatura. São Paulo: Editora do Escritor,

1980.

(4) Informação, significativamente esclarecedora para a compreensão da obra,

que se encontra em artigo publicado no Jornal "O Dia, em 25 de setembro de

1983, e transcrita em orelhas do livro Quinteto em Mi(m). São Paulo: Editora

do Escritor, 1986.



















(5) Artigo publicado no Jornal da Manhã, em 29 de julho de 1984 e transcrito

em orelhas do livro Quinteto em Mi(m), do qual só tive conhecimento em 1990.

(6) Eu e meu amigo Charles Brown. Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1986.

(7) Os artigos foram recortados e guardados sem indicação das datas e dos

Jornais nos quais foram publicados.

(8) Castro Alves e a poesia dramática . Teresina: Academia Piauiense de

Letras - APL ( Cadernos "Cultura e Sociedade") , 1998.

(9) Por que Petrônio não ganhou o céu. Teresina: Cirandinha, 1999.

(10) Os Estigmas. São Paulo: Editora do Escritor, 1984.

(11) Laços de Poder. Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1991.

(12) Ternura. Teresina: Editora da UFPI, 1993.

(13) Pedra em Sobressalto. Rio de Janeiro: Edições Pongetti, 1974.

(14) Poemas Ou/tonais. Teresina: Gráfica e Editora Júnior Ltda., 1991.

(15) Poemas traduzidos. Teresina: Gráfica e Editora Júnior Ltda., 1993.

(16) Poesia in completa. Edição da Fundação Cultural Mons. Chaves: Teresina,

1977.

(17) Chico Miguel na Academia: Discursos Acadêmicos. Teresina: Edições

Cirandinha, 1993.

(18) Um depoimento pós-moderno. Teresina: Edições Cirandinha, 1989.

(19) Linguagem e comunicação em O . G. Rego de Carvalho. 2ª. Ed. Teresina:

EDUFPI, 1977.

(20) Vir@gens. Rio de Janeiro: Galo Branco, 2001.

(21) Sonetos Escolhidos. Rio de Janeiro: Galo Branco, 2003.

(22) Rebelião das Almas. Teresina: APL, 2001.

(23) Literatura do Piauí: 1859 - 1999. Teresina: APL/Banco do Nordeste,

2001.





























































FRANCISCO MIGUEL DE MOURA: re-conhecida-mente







Perguntei "Por que ler a obra do Sr. Francisco Miguel de Moura ?" e dei uma

resposta que, para muitos, pode parecer estritamente particular, individual

e subjetiva, ao afirmar que é um desafio, no mínimo, fascinante. Entretanto,

pode-se comprovar que esse desafio não foi enfrentado tão somente por mim.

Muitos outros, leitores e leitoras, viveram a mesma aventura, mergulharam no

mesmo universo da poesia e palmilharam a terra árida da prosa social de

Chico Miguel.

Desde a sua estréia, em 1966, com o livro de poemas Areias, a trajetória

literária do Sr. Francisco Miguel de Moura tem sido acompanhada por leitores

comuns, amigos, escritores, jornalistas, bem como pela fina flor da crítica

literária. Incontáveis artigos, comentários, ensaios e estudos críticos têm

sido dedicados ( e publicados ) à obra deste escritor eclético: poeta,

romancista, contista, cronista, ensaísta e crítico de renome. Assim sendo,

qualquer pretensão de escrever sobre a obra deste piauiense não passa de uma

ousadia ou de apenas uma leitura a mais, em meio a rica produção já

existente, acerca de sua obra. Resta pouco o que saudar, elogiar, observar,

comentar, uma vez que tudo isso já foi feito por um seleto grupo de leitores

e críticos.

O seu livro Areias, mesmo sendo a estréia do poeta, não ficou no anonimato.

Encontramos comentários elogiosos, na capa do romance Pedra em Sobressalto

(1), de Pessoa de Morais



"Encontrei, através de seus poemas, uma sensibilidade, uma perscrutação de

certos traços das coisas, com alguns laivos de transfiguração literária que

me fizeram pensar, com seriedade, nisso: nas potencialidades que possui para

a literatura".



e de Amaline Issa:



"Areias foi uma imposição de todo um momento, e eram aqueles os seus meios,

então lhe peço que sobretudo o ame, ame-o muito mais, agora que maior em

sentir e expressão que, afinal, a um homem como você o tempo só terá

acrescido".



Até mesmo o romancista O. G. Rego de Carvalho, rompendo o silêncio de não

escrever sobre livros alheios, comenta o ensaio dedicado à sua obra,

iniciando com uma referência ao primeiro livro de Chico Miguel. Numa postura

crítica e sincera, o autor de Rio Subterrâneo afirma que o livro não lhe

agradou muito por considerá-lo "entre romântico e moderno" e faz uma severa

crítica aos acrósticos e aos recursos parodísticos. Entretanto, embora a

reconheça como obra "incipiente", O. G. Rego afirma (2):

















"Já em Areias vi suas potencialidades reconhecidas também por Pessoa de

Morais e que se revelariam maduramente no livro de ensaios..."



Entretanto, como afirma M. Paulo Nunes em orelhas do livro Linguagem e

Comunicação em O. G. Rego de Carvalho (3), "os grandes escritores, para

adquirirem maior notoriedade, sempre contaram com um crítico de renome para

projetarem as qualidades maiores da obra realizada". E, por ironia do

destino, é Francisco Miguel de Moura quem projeta a obra de O. G. Rego de

Carvalho no cenário da crítica literária com uma análise profunda e

completa, mas, ao mesmo tempo, se projeta como ensaísta, tendo em vista a

carência de bons críticos literários ( no Piauí ) e a sua intensa

colaboração na imprensa local e de outros Estados. Como afirma Maria do

Carmo Martins Lopes (4), embora a poesia seja a sua maior produção, a

crítica literária _ "também seu terreno de boa safra" _ é que lhe dá o

reconhecimento ( até fora do país ) do próprio O . G. Rego de Carvalho, que

confessa:

"De todas as análises que se fizeram no Piauí sobre minha ficção, nenhuma me

parece mais atual e correta que este conjunto de ensaios de Francisco Miguel

de Moura. Aqui não encontrei mistificação nem truques. Este é um livro claro

e sincero. Daí porque sempre o leio com agrado."(5)



O Poeta Chico, do Piauí, como o nomeia Eduardo Maffei (6), prossegue sua

trajetória e ganha notoriedade poética. São também do renomado romancista

histórico as palavras apropriadas e sinceras, ao comentar o Universo das

Águas:

"Nele me reencontrei com o fascínio das "Sete Cidades", com Isaías, com

Ranulfo, e também com Sócrates, o mundo do feitiço do sentimento amargo que

tive na infância ao tomar conhecimento do "beco das mulheres", em Itu. Nessa

poesia a gente encontra a mesma rua que existe e existiu em todas as cidades

do mundo, em todos os tempos. ( ...) A poesia dá alma às palavras e nas de

Chico a gente a encontra."



Convocado para a "seleção dos melhores" por Magalhães da Costa

(7), Chico continua publicando poesia e sendo saudado e elogiado por muitos

a nível nacional e, por ocasião da publicação do Bar Carnaúba, recebe o

comentário sincero de Hardi Filho (8), que não é apenas o amigo, mas o poeta

e homem sensível que consegue perceber de imediato a essência da poesia:

"... neste Bar Carnaúba revela a sua verdadeira personalidade de homem

simples, estreitamente ligado à sua terra e ao seu povo. Vale dizer que o

Autor, sem descair da posição que ocupa no cenário da nossa poesia, com

recato e autenticidade mostra as jóias do seu lavor mais íntimo, e, por isso

mesmo, mais humanas. Assim cresce um poeta na admiração de sua gente."



O tempo muda, mudam-se as mentalidades.

Em entrevista à LITERATURA: Revista do Escritor Brasileiro (9), Chico Miguel

afirma que "em relação à qualidade a literatura do Piauí vai

















bem" e cita, não a sua opinião, pois a modéstia não lhe permite, mas, as

opiniões de O . G. Rego de Carvalho, que o inclui entre os três maiores

poetas do Piauí, e de Moura Lima, romancista e contista tocantinense, que o

"coloca entre os três melhores romancistas do Estado"- Piauí.

Confesso que considero difícil e até perigoso estabelecer uma lista de ordem

classificatória, uma vez que sempre vão estar em jogo os gostos e

preferências de cada um. Não digo também que haja consenso e unanimidade

entre os críticos e leitores. Até porque, como afirmam alguns, toda

unanimidade é burra. Mas não tenho dúvidas, e posso afirmar com toda

convicção, que Francisco Miguel de Moura necessariamente deverá ser citado

tanto ao lado dos melhores poetas piauienses vivos ( H. Dobal e Hardi Filho

), como no rol dos mais renomados romancistas ( O . G. Rego de Carvalho,

Assis Brasil e Fontes Ibiapina ). Só não arriscarei uma ordem hierárquica

porque poderá parecer subjetiva ( e até suspeita ), uma vez que hoje já me

considero amiga de Chico.

Lamento, sobretudo, por a obra de Francisco Miguel de Moura ainda não ter

sido estudada como deveria e merece, como ele próprio reconhece: "Penso até

que a crítica está dormindo com relação a muitos escritores novos." (10).

Essa tarefa é nossa !





NOTAS:





(1) Os fragmentos de comentários de Pessoa de Morais e Amaline Issa foram

publicados na última capa de Pedra em Sobressalto, 1974.

(2) Declarações feitas no artigo "Um Poeta Sofrido", em 1976, publicado na

última parte - chico e os outros - do livro Universo das Águas, 1979, p.

113.

(3) In: MOURA, Francisco Miguel. Linguagem e comunicação em O . G. Rego de

Carvalho. 2ª. Ed. Teresina: EDUFPI, 1977.

(4) LOPES, Maria do Carmo Martins. Francisco Miguel de Moura: Um canto de

amor à terra e ao homem. Teresina: UFPI, 2000, p. 35.

(5) O fragmento foi publicado no verso da capa final do livro Linguagem e

comunicação em O . G. Rego de Carvalho.

(6) Encontrei o artigo "O Poeta Chico, do Piauí" em encarte que acompanha o

livro Quinteto em Mi(m), 1986.

(7) In: Jornal da Manhã, de 29 de julho de 1984.

(8) In: Jornal "O Dia", em 25 de setembro de 1983.

(9) Entrevista concedida a Nilto Maciel, publicada in: LITERATURA: Revista

do Escritor Brasileiro. Nº. 26 . Ano XIII - Janeiro/junho, 2004, com o

título "Francisco Miguel de Moura: em minha terra me sinto feliz", pp. 5 -

16.

(10) In: LITERATURA: Revista do Escritor Brasileiro. Nº. 26 . Ano XIII -

Janeiro/junho, 2004, p. 14.























FORMA POÉTICA: um rio cantado, visto e impregnado





Através de uma leitura atenta e minuciosa , podemos comprovar a nossa

hipótese inicial: "serenamente corre como o rio" ( BC, p. 15 ) por todos os

sertões, várzeas e vazantes, a obra poética de Chico Miguel . Esse fato pode

ser comprovado por meio dos seguintes dados:

1 - reiteração do vocábulo rio;

2 - emprego de vários outros vocábulos desse mesmo campo léxico-semântico;

3 - repetição dos vocábulos do campo semântico dos líquidos, em seu conceito

usual e pela assonância e visualização em outras palavras;

4 - incidência de poemas abordando o tema rio e seus componentes semânticos;

5 - utilização de vocábulos do campo semântico dos líquidos que expressam o

lado árido e negativo da vida.



Após várias leituras, fizemos o levantamento e classificação do inventário

léxico das três obras em estudo e podemos constatar que o item lexical

"rio" é repetido 36 ( trinta e seis ) vezes em seu conceito usual ( singular

ou plural ):

"Rio. ( s . m. ) 1. Curso de água natural que se desloca de nível mais alto

para nível mais baixo, até desaguar no mar, num lago ou noutro rio. 2 .

Aquilo que corre como um rio. 3 . Grande porção de líquido".(1).



Segundo Maria Luiza Ramos (1), embora Roman Ingarden afirme que o material

escrito e/ou tipográfico não forma um elemento da obra literária e considere

o aspecto óptico "irrelevante", a obra literária é linguagem escrita ( uma

vez que é cada dia mais rara a literatura oral ), logo, uma descrição

fenomenológica, não deve esquecer o registro do elemento material da

palavra, tendo em vista que "o extrato óptico é o primeiro fator de

percepção de uma obra impressa" ( p. 59) e o que proporciona logo uma

intuição sobre o seu conteúdo.

Comungando o pensamento de Luiza Ramos, observamos que, além da reiteração

do vocábulo "rio" no seu conceito usual, encontramos o referido termo

repetido várias vezes, em seu aspecto óptico, nos mais diversos vocábulos,

tais como: casório, próprio, necessário, funcionário, martírio, salário,

frios, mistérios, brios, cemitério, sério, lírio, inventário, monetário,

dicionário, delírios, murmúrios, anterior, promissórios, bem como em

palavras de sonoridade próxima, como: fio e cio.

A reiteração visual ocorre também por meio do jogo mórfico-





















sonoro, como o uso do verbo "rir", na primeira pessoa do singular do

presente do indicativo: eu "rio" ( "chorar não choro, rir também não rio" -

QEM, p. 14 e "Não rio / não choro / não canto... " - QEM, p. 45 ), que é

reforçado pela aliteração do fonema / r/, isto é, a repetição da consoante

"r" através da sua família silábica: ra - re - ri - ro -ru - "descia a re,

ri, ro, rua" ( QEM, p. 48 ) ri, rir, rima, "arre irra, urra"( BC, p. 80);

principalmente ro e ri, em: miro, admiro, inteiro, rói, primeiro, líricos,

origem, ricos, sorri, rictos, riso, perigo, ferido, ferino, sorriso, "rindo,

rindo , rindo" (BC, p. 108). Observa-se ainda que as letras que formam o

vocábulo "rio" ( r - i - o ) são vistas em forma anagrama em quase todas as

palavras.

No entanto, a representação do "universo das águas" não se dá apenas pela

reiteração do vocábulo "rio". Ocorre também pela recorrência de um vasto

léxico do campo semântico dos líquidos ou a ele associado, que na sua

maioria também são repetidos várias vezes, pertencente às mais diversas

categorias gramaticais, tais como: nomes ( foz, banho, pote, oceano,

aquarius, banhistas, bebedouro, nado, gota, ponte, cais, riacho, canoas,

cacimba, cachoeiras, fonte, praia(s), dilúvio, açude, barco, ondas, peixes,

poço, caudal, poças, correntes, algas, lago, gelo, afogado(s), chuva,

nuvens, inverno, ilha, mar, água ); verbos - em vários tempos, pessoas e

modos ( beber, molhar, banhar, afogar, nadar, saciar, chover, mergulhar,

lavar, boiar, afundar, derreter, desaguar ); adjetivos - predicativos (

líquidos, suados, molhados, desaguados, afogados ) e do advérbio

diluvianamente.

Alguns desses vocábulos encontram-se repetidos várias vezes em seu sentido

usual, como também por meio da assonância em outras palavras. Destacam-se

com um índice maior de recorrência os seguintes itens lexicais:

--------------------------------------------------------------------

Vocábulo número de vezes usado nas três obras

--------------------------------------------------------------------

Rio(s) 36

Água(s) 28

Mar(es) 24

Chuva (s) 16

Peixe(s) 9

Afogado(s) 9

Sede 9

Ilha(s) 8

Barco 6

Gota 5

Cacimba 4

Nuvem 4























Os vocábulos "água(s)", "mar(es) e "ilha(s)", além de serem encontrados

várias vezes em seu sentido usual, são reiterados também em outras palavras

ou expressões. Vejamos:

1 - "Água - ( s . f. ) 1 . líquido incolor, inodoro, essencial à vida. 2 . a

parte líquida do globo terrestre. 3 . chuva " - é utilizado vinte e oito

vezes em seu conceito usual e em expressões como "galinha d água", "cabaça

d água", "pingo d água", e reaparece morfologicamente em "deságua",

"desaguado", e sonoramente em "mágoas" e "léguas".

2 - "Mar - ( s . m . ) 1 . A massa de águas salgadas do globo terrestre;

oceano. 2 . cada uma das porções em que está dividido o oceano" - foi

empregado vinte quatro vezes em seu sentido usual e, morfologicamente, nos

vocábulos: "estrela do mar" e "estrela-do-mar". Pode ainda ser percebido em

seu aspecto óptico nos termos "amarrado(a)" ( 13 x ), "amar" ( 4 x ),

"amarração" ( 3 x ), "a - mar - ação" ( 3 x ), "amargo(a)" ( 2 x ), amarrar,

desamar, demarca e clamar.

3 - "Ilha - ( s . f . )Terra menos extensa que os continentes e cercada de

água por todos os lados" - aparece oito vezes , bem como é também reiterada

de forma visual e sonora nas palavras: "filha", "brilha", "trilhas",

"maravilha" e "guerrilha".

Como um título de livro e o aspecto visual não bastam para provar que a

obra poética de Chico Miguel é um universo de águas, a temática é também

abordada com freqüência nos outros dois livros em estudo : Bar Carnaúba e

Quinteto em Mi(m). Pode-se comprovar isso através de vários poemas dedicados

ao rio e/ou que envolvem ( desde seus títulos ) o mundo dos líquidos, tais

como: "Rio Geral", "Meu outro rio" e "Mar e cantar e morte" ( em Bar

Carnaúba ); "A gota de fel", "O afogado", "Chuva e solidão", "Universo das

águas" e "Amarração" - dedicado ao porto marítimo do Piauí ( em Universo

das Águas ). O Quinteto em mi(m) traz também vários poemas que abordam o

mundo das águas (só não está expresso nos títulos), como o "POEMA CINCO" no

qual o poeta revela uma angústia, utilizando como imagens o rio, o mar , os

peixes:

"O rio e

as águas em pântano.



O mar e

as ondas em morte.



Batráquios se engolem

Na água, na terra.



Nem peixes se mirem

no ôntico espelho." ( QEM, p, 25 )





















Percebemos também que o rio de águas claras da infância permanece na vida

adulta do poeta, totalmente transformado num rio de lágrimas, poluído pela

angústia dos problemas sociais. Esse rio pode ser visto através da

utilização poética de várias palavras do campo léxico-semântico dos líquidos

que contêm uma conotação negativa de decadência, carência, angústia, dor,

sofrimento, como: afogado (repetido 9 vezes), sede ( repetido 9 vezes ),

suar, suor, suado, chorar, secante, secura, secar, descer, lágrima, sangue,

lama, lodo, choro, esgoto, seca, afogar, suados, afundar, derreter.

Esse universo vocabular expressa a angústia do poeta adulto

"morte: encontro-me

de abertos braços

na lama"

( UA, p. 49)

"Afogo-me neste uísque de gelo"

( UA, p. 31 ),

bem como revela a sua desilusão, o desencanto da vida:

" o afogado é um anarquista:

nadar para que mais ? "

( UA, p. 28 )

Desencanto esse que também é visto ( daí a importância do aspecto óptico

para a compreensão da obra ) no poema "desencontros-desencantos"( UA, p. 97)

por meio da imagem da taça emborcada, deitada e quebrada.

De posse desses dados podemos passar a um nível mais profundo de análise,

isto é, uma reflexão semântica do vocábulo "rio" como elemento biográfico

na obra poética e na vida do autor.





(1) RAMOS, Maria Luiza. Fenomenologia da Obra Literária. 3ª. ed. Rio de

Janeiro: Forense-Universitária, 1974.















































UM RIO EM CHICO MIGUEL





"Como bebe na flor um colibri"( BC, p. 27 ), bebemos do oceano poético de

Chico Miguel e descobrimos o "universo das águas" de um "rio que aqui

passa"; "rio que engole gente", mas "permanece/ murmurando baixinho" (BC,

pp.18, 19 e 20 ).

Há quem possa atribuir "este rio que não é rio/ é um bração do mar" à vida

urbana do poeta convivendo com as praias, o mar... ou à grandeza desses

temas consagrados na literatura. No entanto, por ter bebido do mesmo

líquido, sabemos que a nascente dessa fonte não é bem essa. Antes de mim,

falou tão sabiamente o imortal escritor Fernando Sabino, através do

narrador- personagem de O Grande Mentecapto (1): "Só quem passa a infância

junto a um rio pode saber o que o rio significa para ele".

O filho de Miguel Guarani passou a infância junto a um rio: o Rio Riachão.

Rio esse que é lembrado biograficamente no poema "A dança do passado"

"A igreja olhava para o norte.

Antiga, de 1918.

Rio Riachão."

( BC, p. 31 ),

bem como no poema "Página de saudade e dor" ( BC, pp. 54-57), no qual o

poeta evoca liricamente várias lembranças da infância, todas associadas à

utilidade do rio ( cacimbas e bebedouros onde o gado bravo bebia) e à lida

diária de sua mãe, caminhando para as vazantes, cuidando dos canteiros ( de

alho e cebola), carregando cabaça d água na cabeça.

Já em "Recordações de Picos" (BC, p. 27), é o jovem poeta quem fica na

dúvida ("Não sei se diga "), mas declara saudosamente que da "fase mais

amiga" de sua vida "guarda o velho Guaribas seus amores".

Assim como aquele, outros grandes rios que banham o Piauí ( Paraníba, Poti e

Piauí ), bem como o porto marítimo de Amarração e a sua praia mais bela -

Pedra do Sal - são lembrados pelo poeta:



"Parnaíba e Poti, líquidas mágoas

- O Piauí danado, sem correr."

(BC, p. 26)



"Volto a fita dos meus sonhos,

ponho-me no âmago Poti/Parnaíba,

bem onde as águas se irmanam escuras"

( BC, p. 28)



Neste "mar alto", "serenamente corre um rio" ( BC, p. 15 ), que é















molhado pelas lembranças do poeta e retratado, sobretudo, no poema "Meu

outro rio" (BC, 21), no qual o vocábulo "rio(s)" é utilizado nove vezes,

como também as palavras cacimba ( três vezes), riacho e mar ( duas vezes

cada uma ). Nele, o poeta evoca saudosamente as brincadeiras do tempo de

criança: "quando nos banhávamos no açude/ nus, e brincando de galinha

d água"( QEM, p. 33); "banho de cuia e de cacimba"( BC, p. 21 ) e as

fantasias infantis: sereias, cabeça de cuia, estrela do mar; e, concluindo,

confessa seus sentimentos com o verso: "Ai que saudade arretada, minha

gente". Desse riacho de lembranças escorrem também as inúmeras utilidades do

"rio da vida" para homens, animais e peixes, como: lavar roupas, dar água ao

gado, cultivar plantações, saciar a sede, tomar banho,:

"Olhar as lavadeiras

e as roupas brancas / paz"

( BC, p. 18 )



"Do gado brabo que vinha beber no rio

magro, nas cacimbas e bebedouros"

( BC, p. 55)



"Mãe cuidava dos canteiros,

..........................................

cabaça d água na cabeça"

( BC, p. 56 )



"Se a sede lhe vinha,, bebia

na fonte lavava o rosto"

( UA, p. 103)



"Minha mãe, estou com sede.

Vai, filha, beber na fonte"

( QEM, p. 51 )



Mas, muitas águas rolaram debaixo da ponte. Hoje, tudo isso são pingos de

lembranças da infância que se transformaram num mar imenso de águas salgadas

que levam o poeta para o "fundo da lama" de um presente adulto:

"Meu sonho fez tibum

no poço da estrada

que não era rio

nem fio de esperança"

(QEM, p. 15 )



"O sol está no fundo

( a dor está no fundo),

a ciência está no fundo,





















tudo está no fundo

boiando, perdido."

( BC, p. 104 )



A representação pessimista da vida se expressa pela utilização reiterada de

palavras do campo semântico dos líquidos que carregam em si uma conotação

negativa ( sobretudo em Universo das Águas ) e pela adjetivação que repassa

uma qualificação do mundo de forma extremamente negativista. Basta ver

expressões como "corrente frágil", "água amarga", "água de dor", "banho

frio", "olhos de água", "a foz ( das lágrimas)", "rio escuro", "gota-fel",

"bebe revoltas", "mergulha no fundo", que caracterizam o desencanto do poeta

que se joga no mar-alto e se sente um banhista afogado, entregue aos peixes.

Essa tristeza, tão belamente retratada pela metáfora "Ah, o céu chove um

pote de tristeza" (QEM, p. 38), se acentua pela quase obsessão do poeta pela

expressão no fundo, que representa na sua obra, não o final de uma cratera

qualquer, mas o fundo da água, o "fundo do poço". Também reafirmam essa

idéia a reiteração dos termos afogar, afundar e afogado. Entretanto, é a

significativa onomatopéia "tibum", utilizada no verso "Meu sonho fez tibum",

que representa a melhor imagem sonora e visual do homem que, não apenas

mergulha, afunda na "água mais dura no peito / água furando o

coração-pedra"( UA, p. 16 )

O desencanto da vida - " o rio da vida / seco / o rio da morte / cheio"(

QEM, p. 45 ) - frente aos problemas sociais vivenciados pelo poeta, tais

como a falta de chuva e de terra

"Quando o rio lá secou

aves mirraram, cantos

pararam, olhos de espanto.

Tombaram corações"

( QEM, p. 15 )



"espera a chuva com sabor de praga,

e nem sabe onde é que vai plantar"

( UA, p. 72 ),

afogam o poeta na "corrente frágil" dos seus "olhos molhados" de águas,

lágrimas, mágoas, formando cachoeiras e transformando-se em "rios grandes

correndo para o mar"( BC, p. 21 ). Mar de angústia ( "Chorar não choro, rir

não rio" QEM, p. 41 ) que o poeta revela através da consciência política



"a gota é quem me lava

a gota é quem me lasca"

( UA, p. 25 )

e da denúncia social:

" - a terra, latifúndio de secas"

( QEM, p. 54 )

Essa "água de dor" atravessa a ponte que liga ( ou divide ? ) ricos e

pobres, deságua, não em praias, lagos ou ilhas isoladas, mas sim em outros

rios,

Este rio, hen-hen, é outro rio

Que recebe outros rios e meu rio"

( BC, p. 21 )

formando um grande mar: a consciência do poeta.

De tanto beber "esta água amarga", o poeta afoga-se no lodo da sociedade,

fica na dúvida ("beber ou não beber / is the question" - BC, p. 96 ) e se

angustia:

"quero me entregar"

"nem fel me deram de beber"

"a sede me aporrinha"

( UA, p. 21 )

"- a ilha não é minha" (QEM, p. 16 )

" Basta de banho no ( eu ) morto" ( QEM, p. 76 ).



Vendo-se impossibilitado de praticar qualquer ação, o poeta se sente afogado

e expressa essa falta de liberdade no poema "Das coisas simples" ( QEM, p.

90 ), no qual usa o vocábulo amarrado(a) doze vezes e fecha o poema com o

verso: "Nada liberdade nada", cujo jogo de palavra dá margem a uma dupla

leitura: nada, como verbo nadar ou como pronome indefinido.

O poeta "se molha, se banha ( sua ? )" ( QEM, 62 ) e se permite até

confessar um desejo:

"Quero morrer de mar

onde os rios vão parar"

(BC, p. 100)



Mas eis que de repente, como a chuva que molha o sertão, "Ah ! este rio

escuro"( UA, p. 13 ) se transforma em "lago claro / e o verde da ilha / o

grito do afogado / e o sol que brilha" ( UA, p. 27 ) e devolve ao poeta o

sentido da vida:



"Eis que de repente a solidão deságua" (QEM, p. 75 )

"Mas o rio eis que perdura" (UA, p. 18 )



Esse rio de amargura é também rio de saudades. Saudade da infância que é

transformada em três livros e confessada através do quarteto do poema

"Saudade", do poeta piauiense Da Costa e Silva, que foi utilizado como

epígrafe da primeira parte do livro Bar carnaúba:



"Saudade! Olhar de minha mãe rezando,

E o pranto lento deslizando em fio...

Saudade ! Amor de minha terra... o rio

Cantigas de águas claras soluçando."



Saciados pelas águas límpidas e cristalinas, como as chuvas que embebem na

terra seca, correm pelos vales e formam riachos e rios e, pelos

mergulhos dados nas imensas águas da obra do poeta, concluímos que,

serenamente corre um rio em Chico Miguel. Contrariando o que ele próprio

afirmou ( "Quem se sacia esquece" - QEM, p. 94 ), o poeta adulto não

esqueceu o rio da infância; o Rio Riachão de "branco banco de areia" no

verão e nas noites de lua cheia, metaforicamente comparado a um "branco

colar de contas" (BC, p. 15). Pois, não é apenas o Universo das Águas que

contém peixes e sereias. Os outros dois livros, apesar de trazerem títulos

bem enxutos ( Bar Carnaúba e Quinteto em mi(m) ) também estão ensopados

desse líquido maravilhoso que mata tanto a sede no nosso dia-a-dia: a

poesia. Consideramos ainda que esse Rio, que percorre a sua obra poética,

tem como nascente primeira ( e talvez única ) a infância vivida junto ao Rio

Riachão e a sua sensibilidade poética. Como ele próprio afirma: "eu me

banhei na corrente / que vinha de mim mesmo"( UA, p. 25 ).

Em resumo, concluímos que a profundidade desse oceano, que é a sua obra,

comprova que o filho de Miguel Guarani, hoje, já não é apenas peixinho. É

uma grande estrela-do-mar no universo de águas poéticas piauiense.



(1) SABINO, Fernando. O Grande Mentecapto. 13ª. ed. Rio de Janeiro: Record,

1981, pp.12 e 13.





















































































BIBLIOGRAFIA UTILIZADA:





CANDIDO, Antônio. Na sala de aula: caderno de análise literária. 3ª. ed. São

Paulo: Ática, 1989.



COHEN, Jean. Estrutura da linguagem poética. São Paulo: Cultrix, 1987.



FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa

2ª. ed. 31ª. imp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.



GOLDSTEIN, Norma. Versos, sons , ritmos. 6ª. ed. São Paulo: Ática, 1990.



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