novamente me entrego
à beleza do dia que morre
esta noite que chega
me leva dos ombros
cansaço e melancolia
ar fresco, nuvens mal escondendo
um céu estrelado, contente
da umidade da chuva
as plantinhas na varanda, invejosas,
me chamando
- também querem alegria
os cachorros, todos latem
- alguma cadela no cio
os enlouquece e eu rio
penso – se as fêmeas humanas
lançassem o cheiro do cio
no ar da noite que nasce
e os homens respondessem
com gritos de agonia
haveria menos silêncio
e muito mais poesia
II
essa noite a que me entrego,
úmida e quase fria,
acalma-me das emoções
que vivi durante o dia
aos poucos vou apagando
um eco de má palavra,
uma gratuita grosseria,
uma promessa perdida,
coisas que vão minando
a beleza de nosso dia
apago minhas rudezas
- ficam me perseguindo
e abraço a delicadeza
que a noite vai me trazendo.
Lua me atazanando,
não sabe se vai pra fora
ou se fica me lambendo.
ganha carinho e, faceira,
faz festa com o rabinho
da janela vejo a noite
e sei – na manhã seguinte
tudo começa de novo
sinto-me como o próprio dia
que renasce sempre, sempre
seja a noite quente ou fria.
|