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Artigos-->O QUE AS FACULDADES ENSINAM HOJE? -- 18/12/2005 - 19:04 (Lílian Maial) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O QUE AS FACULDADES ENSINAM HOJE?

®Lílian Maial





Há alguns dias, a pergunta de um amigo jornalista deixou-me uma pulga atrás da orelha. Ele criou uma situação fictícia, a respeito de uma médica que estaria atendendo em uma emergência, sozinha, diante de um paciente que chegara baleado, com lesões graves, trazido pela polícia, após ato de extrema violência contra duas crianças. Questionou-me ele, o amigo, se, caso a situação fosse real, eu atenderia aquele paciente com todos os recursos que possuía, para tentar salvar sua vida, ou se eu relutaria em atendê-lo, camuflando outras situações mais urgentes, ou se eu “faria justiça com as próprias mãos”.



Bem, o artigo fez sucesso e houve repercussões em várias mentes, tão acostumadas com a violência nos dias atuais.

Contudo, o que me deixou cismada foi a razão do questionamento sobre a circunstância médica. Na verdade, não era a Medicina que estava na berlinda, mas a ética, a moral, os valores humanos, além da baixa qualidade do ensino atual, e a falta de interesse na busca pelo aperfeiçoamento.



No referido artigo, comentei que todos os colegas que estudaram comigo, hoje são profissionais bem formados, com conceitos bem arraigados de vida, saúde, humanidade. Meu amigo, por outro lado, rebateu que aqueles não eram valores “ensináveis” nas faculdades, que teriam sido valores inatos. Eu fiquei muito lisonjeada, mas foi justamente isso o que me causou inquietação: então o que as faculdades ensinam hoje?



Tenho certeza que o ambiente institucional foi influência decisiva em minha formação. Posso ter meus valores pessoais, é certo, talvez até, segundo Platão e sua teoria do inatismo, eu apenas tivesse “redescoberto” o que já sabia. No entanto, embora não seja adepta ferrenha do empirismo, acredito que o meio influencie o produto final. Em outras palavras, se eu tivesse freqüentado uma faculdade, onde os valores não fossem ao encontro dos meus, certamente entraria em conflito, o que geraria insegurança e inconstância em minhas decisões e opiniões no âmbito da Medicina.



Posso afirmar, com convicção, que meus princípios foram ratificados pelo ensino ético, de valores humanitários, dignificação do homem, que a faculdade me contemplou, como aos meus colegas. Lembro-me que havia um compromisso mudo entre todos os estudantes, uma honra, uma dignidade de poder exercer a profissão, que não poderia ser baseada em atavismo, ou inatismo coletivo.



Mas, e aí? Por que isso, que me é tão natural e aflorado, foi questionado? O que mudou? Por que a missão do médico está sendo posta na berlinda? Crise mundial? Mudança dos tempos? Redirecionamento de foco? Ou uma queda do ensino, um cansaço de malhar em ferro frio, de ver a carreira mal valorizada, mal remunerada e, assim, passar, sem querer, um estado letárgico de insatisfação e de “tanto faz” para os alunos, em plena fase de formação de suas vidas, suas convicções e características futuras?



Ensinar não é só repassar matéria, mas, acima de tudo, repassar vivências, experiências, idéias, conceitos. Um professor infeliz em sua carreira, desvalorizado, reduzido a funcionário sem importância, não tem como passar adiante a nobreza da vida humana, quando sente que a dele não é reconhecida como de valor, mesmo que tenha um sentimento nobre de altruísmo e fé no homem.



Infelizmente, em nosso meio, isso virou um círculo vicioso, na medida em que o professor desmotivado não contagia o aluno ávido por importância. Um mestre sem a magnitude, sem a consciência magistral, não tem como repassar, através do brilho dos olhos, o que a boca fala mecanicamente.



Os currículos também estão cada vez menos apontando para o lado humanístico do ensino, e as técnicas e exames modernos, cada vez mais apuradas em afastar o profissional do paciente. Examina-se cada vez menos, toca-se cada vez menos, olha-se no olho cada vez menos, escuta-se cada vez menos, torna-se amigo da família cada vez menos. Por outro lado, pós-gradua-se cada vez mais, mecaniza-se cada vez mais, especializa-se em métodos de imagens cada vez mais. Hoje em dia, até para se diagnosticar diarréia em neném pede-se exame de sangue, ultrassonografia, raios X, ao invés de examinar e cheirar a fraldinha suja. Sim, porque grande parte dos germes que causam infecção intestinal em nenéns se pode diagnosticar olhando o cocô e sentindo o cheiro característico (já sei que muitos pretendentes abandonarão a idéia de fazer Medicina aqui – pena – mas médico tem que cheirar cocô sim).



Percebo, em muitos médicos mais jovens, a vontade de acertar sempre, de se especializar nas máquinas mais modernas, quando, na verdade, quase todos os diagnósticos poderiam ser realmente feitos ouvindo-se o paciente, olhando-se para ele e palpando-se seu corpo.

E aonde se aprende isso? Na faculdade, com certeza.

Aonde se forma o perfil do futuro profissional? Na faculdade, pode apostar.



É certo que o caráter de cada um já vem de berço, de formação familiar, mas o que vai nortear os estudos futuros e as características do exercício profissional daquele indivíduo – posso afirmar - é o apoio, o exemplo e o entusiasmo que ele recebe dos mestres.



E isso não deve ser apenas na Medicina, mas em todas as carreiras. Não acredito num futuro professor que aprenda a delícia de ensinar, caso tal satisfação não lhe tenha sido passada, por aquele professor desanimado com o contra-cheque no final do mês e as más condições de trabalho.

Não acredito num futuro advogado que descubra a beleza de se fazer justiça, quando seu professor tem que aceitar qualquer causa indigna, para manter o padrão de vida da família.



Sendo assim, o que falta? Por que a mudança?



Bem, se formos aqui divagar sobre todas as razões, teríamos que fazer uma revisão político-econômica-social do país, de maneira retroativa, por um longo período, o que não caberia aqui, mas podemos, em princípio, supor que as principais causas seriam: má remuneração e péssimas condições de trabalho, com o sucateamento do ensino desde as suas bases.



Não importa se o estudante será um futuro médico, professor, advogado, engenheiro, técnico, auxiliar de alguma coisa. O que importa é que ele tenha o brilho no olhar ao falar de sua profissão, aquele orgulho de ter conseguido se formar naquilo que escolheu, o sorriso largo ao escrever naturalmente sobre o que faz nas situações mais adversas, com a certeza de que fez o melhor. E isso, meus caros, é uma contaminação saudável de realização, que é transmitida prazerosamente pelos nossos mestres, que são o alicerce do nosso futuro, como são nossos pais, em relação às fundações profundas do nosso caráter.



O que precisamos, em cada profissão, é lutar para que o ensino melhore, para que os profissionais dedicados à formação de novos profissionais sejam melhor remunerados, mais valorizados, com reciclagem periódica, com checagem de métodos, com revisão dos currículos e adaptação às necessidades atuais e às mazelas da população.

De nada adianta um ensino em tempo integral, se é ceifado do professor o direito de reprovar ou repreender o aluno.

De nada servem instalações modernas e luxuosas, se o conteúdo é ultrapassado e inconsistente.

De nada adianta uma instituição cara, se seus mestres não ensinam o prazer de aprender.





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