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Contos-->A vingança -- 15/05/2000 - 16:39 (Manoel Carlos Pinheiro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Alguns tocos ainda queimando. Restos de lanternas coloridas misturavam-se aos papéis brancos, de chumbinho estourado, pelo chão. Apesar do frio e da chuvinha fina, o menino madrugou. Fez um verdadeiro inventário da rua. Não conseguiu encontrar nada importante. Aproveitou para assar um milho na palha. Com um galho revirava a espiga. Distraído, recordava todas as brincadeiras da noite anterior. Fitando as brasas, pensou que, mais uns dois ou três anos, ele dançaria o toré.

De repente, o outro fez a maldade. Jogou o jumento, com latas d água para derrubá-lo. Tudo muito rápido. Nem teve tempo para pensar. Desequilibrado, impossível desviar-se do fogo. Cairia dentro da fogueira. Aproveitou o impulso e atirou-se. Voou acima das chamas, bateu com as mãos no chão e, tal um capoeirista, rodopiou no ar, caiu mais adiante. Torceu o pé e estatelou-se.

Nenhum ferimento grave. Ligeiras escoriações nas mãos e muita dor no tornozelo, o qual, imediatamente, começou a inchar. Enquanto aplicava gelo, apenas uma imagem, insistentemente, vinha-lhe à mente: o sorriso maldoso e satisfeito do menino de cara chupada, mais parecendo uma castanha-de-caju.

Ruminante. Sem poder jogar bola, rolar dentro de pneus, andar de patinete, contentava-se em ler gibis. E remoia a raiva surda. Tramava vinganças terríveis. Vontade de, no mínimo, esquartejar o covarde. Não seria fácil. Menor, mais magro, talvez levasse uma surra. Não importava.

É claro que sentia medo de apanhar. O que não o impedia de brigar. Não buscava o confronto, até mesmo o evitava. Até o limite. Mas quando não via alternativa, era um deus-nos-acuda. Só retomava a razão quando via o oponente sangrando. Nas poucas vezes que perdeu, ganhou o respeito de quem o derrotara, pois não desistia jamais. Mesmo apanhando, não parava de bater. Depois de apartado, ia lamber as feridas. Não guardava rancores. Na maioria das vezes, vitorioso, não tripudiava do perdedor. Fazia as pazes na primeira oportunidade.

Desta vez, sabia, era muito diferente. Mais que a covardia da agressão, o que o deixava furioso era a lembrança do sorriso. Tão logo ficou bom do tornozelo, passou a caçar o Cara-de-Castanha-Murcha. Primeiro na sua própria rua, na qual fora agredido. Depois nas ruas adjacentes. Cada vez ampliava o raio da região de caça. E nada. Na primeira semana, deixou as brincadeiras de lado. Piores férias escolares da vida. Caçava obsessivamente. Um mês e nada! Onde diabo se metera? Não mais o encontrou nem esqueceu.

Fazia quase um ano. Aprendera o significado da expressão "sede de vingança". Não havia um só dia sem que a lembrança do sorriso malvado o atormentasse.

Já deveria ter ido para casa jantar. De papo pro ar, contemplava o pôr-do-sol. Pouco antes, brincara no gramado junto ao córrego onde pastavam os animais. Toureara alguns carneiros, ensinando-os, para desespero dos donos, a darem marradas. Ficavam perigosos. Mas se realizava. Era o melhor toureiro. Fizera uma grande apresentação para uma platéia imaginária.

Já escurecia e, sozinho no pasto, resolvera voltar para casa. E o encontrou. Recolhendo o seu jumento. Sem testemunhas. Sem ninguém para apartar. Era bater ou apanhar muito. Antes de partir para cima, teve a decência de avisar. Esperou que o covarde se preparasse.

Batia e apanhava. Dois socos na boca do estômago quase o fizeram perder o ar. O soco no queixo o derrubara. Sangrava um pouco pelo canto da boca. Mas também desferira uns bons golpes. Quando caiu, rolou rápido para o lado e começou a usar os pés. Primeiro para impedir a aproximação, depois para desferir chutes certeiros. Dois terríveis: o primeiro na barriga e o outro, nos ovos, fez o Cara-de-Castanha-Murcha dobrar-se e gritar.

Conseguiu dominar e imobilizar o adversário. Nem o sangue espirrado o conteve. Era muita raiva. Daria uma verdadeira surra naquele safado. Foi quando, apesar da penumbra, seus olhares se encontraram. E viu, nos olhos do inimigo, o pavor. Instantaneamente, a raiva cedeu lugar à pena. Jamais perdoou o pobre diabo, mas não conseguia sentir rancor. Descobrira um novo sentimento: desprezo.

Manoel Carlos Pinheiro
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