Toda ditadura é nefasta
Não sei bem por que, mas esse é um tema recorrente em meus escritos e discussões. Abomino as ditaduras e considero-as nefastas, todas elas.
Hoje, por exemplo, quando um velho amigo telefona para dar a notícia de que vai a Cuba, e que se encontrará com o escritor prêmio Nobel, Gabriel Garcia Marques e com o “chefe” eu, de pura maldade, pergunto se se trata do assassino, do ditador Fidel Castro, só para ver sua reação raivosa.
No íntimo, ele me vê como uma pessoa de “direita”, um reacionário, mas não diz nada disso, é elegante comigo, passa por cima.
O que acho incrível nessa questão é a distinção que a turma da esquerda faz com relação ao tipo de ditadura. Se elas são comandadas por comunistas, como no caso de Cuba, tudo bem. Não é bem uma ditadura, mas um movimento popular que instaurou no poder uma representação das massas, do proletariado, preocupado em elevar o nível de educação e melhorar a saúde do povo..
Se se trata de ditadura de direita, de natureza militar, por exemplo, como foi o caso de Pinochet, no Chile, ah! aí é outra coisa, trata-se de um regime autoritário, de força, a ser combatido e condenado com a maior veemência, contra o qual se organizam manifestações de toda ordem. Há até os que consideram a possibilidade de pegar em armas para derrubar o ditador!
Eu fico imaginando o seguinte cenário aqui na América do Sul para a atual situação da Venezuela.
No caso do presidente Hugo Chaves sentir-se ameaçado pelas forças conservadoras que o combatem e vier a dar um golpe para implantar um regime dominado por ele e por militares fiéis, como se posicionará a esquerda brasileira e latino-americana, ainda que a nova situação caracterize uma ditadura?
Alguém duvida de que receberá um apoio entusiasmado desse pessoal?
Figure-se, contudo, a hipótese inversa, ou seja, que as tais forças que hostilizam Chaves consigam derrubá-lo do poder e, por meios tortuosos, elejam um novo presidente, pretendendo manter um simulacro de democracia?
Alguém tem dúvida de que o “mundo virá abaixo” se isso acontecer, de que as organizações e partidos de esquerda farão de tudo para denunciar a quebra da institucional idade venezuelana?
Por que será que as ditaturas de esquerda são tão romantizadas, que aos olhos de muitos parecem melhor do que as ditaduras de direita, se no que verdadeiramente importa elas são absolutamente iguais?
Sabem qual costuma ser a conseqüência concreta de uma ditadura?
Primeiro, são suprimidos todos os direitos e liberdades individuais garantidos pela Constituição do país. Depois, são postos na ilegalidade os partidos políticos, menos o que dá sustentação ao ditador. A seguir, empastelam-se os jornais, ou se instala neles censura prévia, bem como nos outros meios de comunicação, TV inclusive, dissolve-se o Congresso Nacional e as Assembléias Estaduais, aprovam-se leis que impedem os tribunais de apreciar os atos da ditadura, quando não se aposentam juizes e ministros de instâncias superiores, prendem-se os adversários, muitos que são sumariamente eliminados, e por aí vai, com variações de intensidade, a depender da dureza do novo regime.
Se nos países onde se implantaram ditaduras de esquerda as coisas corressem de modo diferente eu até compreenderia a boa vontade que elas conseguem angariar das correntes ditas progressivas, em toda parte.
Mas, ao contrário do que seria de esperar, justamente as ditaduras comandadas por partidos de esquerda são muito mais duras, mais impiedosas e, em geral, muito mais duradouras, como é o caso, por exemplo, da China e de Cuba.
Na questão dos assassinatos e perseguição de inocentes a crônica dos regimes comunistas é ainda pior e o exemplo do que aconteceu na própria China, na União Soviética, na Coréia do Norte, na Albânia, para ficar nessa pequena relação, caracteriza um genocídio sem precedentes na humanidade.
Essa é a razão por que não contemporizo com ditaduras, não há jeito de tolerá-las, de romantizá-las!
A nossa própria experiência do regime militar de quase vinte anos deveria ser vista na verdadeira perspectiva do que significa uma ditadura: além de um governo repressivo que se instalou, das perseguições políticas, da adoção da tortura como forma de investigação, do sumário aniquilamento de pessoas, das cassações, da censura à imprensa e de tantas outras formas perversas usadas contra eventuais adversários, sofremos um atraso abissal em vários campos, a começar pela impossibilidade de fazer valer a cidadania, da institucionalização do respeito às leis.
Os que defendem as ditaduras de esquerda, os simpatizantes deveriam mudar-se para esses países ou, pelo menos, passar neles uma boa temporada, a fim de poder apreciar a boa vida que sua população desfruta...
Salvador, 2 de dezembro de 2005
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