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Artigos-->A Lapiseira (3º lugar UFSM) -- 19/11/2005 - 22:14 (Athos Ronaldo Miralha da Cunha) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos




A lapiseira

Athos Ronaldo Miralha da Cunha



Há alguns dias vasculhando umas gavetas esquecidas deparei-me com uma antiga lapiseira. Estava escondida e bem guardada, carente de mãos e de folhas para rabiscar. Tinha um bordô intenso e as partes metálicas desgastadas pelo tempo e pelo uso. Uma Pilot/0,5 made in japan.



Esse encontro foi ocasional, inesperado e trouxe melancólicas reminiscências. Foi a primeira e única lapiseira que usei em toda a minha carreira estudantil e profissional. Comprei ao ingressar no ensino médio em 1975, na extinta Livraria Evangélica que ficava em algum lugar da bucólica avenida Rio Branco. Essa lapiseira foi o principal instrumento no curso de Técnico em Edificações e, posteriormente, no curso de Engenharia Civil, nas execuções de projetos e nos intermináveis cálculos de Teoria das Estruturas.

Ao contemplar essa antiga lapiseira após um longo esquecimento no fundo da memória, rememoro, saudoso, os tempos de convívios com os colegas de curso da engenharia. E as recordações são insistentes.



Quem cursou engenharia sabe que a dedicação é, praticamente, exclusiva. Muitos estudos, cálculos, equações, projetos, passeatas e pastel no bar do baixinho. Longas esperas nos pontos de ônibus nos invernos inclementes, caronas, desenho, geometria, álgebra e pastel no bar do baixinho. Topografia, resistência dos materiais, cimento, argamassa, concreto e pastel no bar do baixinho. Assim sendo, percebemos a importância do pastel do bar do baixinho na formação dos engenheiros da década de 80. E tínhamos uma aposta: antes de concluirmos o curso, nós saborearíamos um pastel decente. E nós tentamos, em vão, mas tentamos.

Passados mais de vinte anos da conclusão do curso, onde estão os colegas e parceiros daquelas jornadas? Onde estão nossos sonhos acalentados no entra-e-sai das salas de aula; no vaivém dos corredores ou nos encontros fortuitos a sombra das frondosas árvores em frente ao Centro de Tecnologia? Onde está alojada, nos dias de hoje, a nossa saudável utopia, tão discutida nos encontros do DCE, nas assembléias e nas manifestações da resistência?



Onde foi parar o poema, redigido com essa velha lapiseira, num pedaço de papel manteiga e inspirado nos eternos olhos verdes da morena de São Borja? Ou seria de Uruguaiana? A memória é falha nesse momento.



Com essa lapiseira tracei paralelas nos projetos de arquitetura. Refiz os momentos positivos e calculei os esforços cortantes. Preenchi folhas e folhas de oficio calculando todas as integrais do Gran Ville.



Posso afirmar que, com essa lapiseira, fiz a parceria certa que culminou na inesquecível formatura em Engenharia Civil em julho de 1983, no antigo cinema Glória.

Foram anos de estudos. Uma busca incessante do conhecimento técnico. Não há remorsos. Não há arrependimentos. Não há uma recordação mal-resolvida e nem um esquecimento voluntário, apenas uma lembrança truncada por anos de ausência e apostas numa vida repleta de desafios, enganos e sucessos.

Hoje, ao reencontrá-la no fundo quase inatingível da gaveta do armário numa varanda esquecida e pouco visitada, revejo um passado profícuo em sonhos e desejos silenciosos e declarações sussurradas de uma paixão escondida na alma e dissimulada em pequenos gestos.

Estamos diante de um passado que não devolve os grandes amigos. Não provoca reencontros e camufla antigos e eternos amores. Então percebemos que o tempo avança sem misericórdia e resta-nos enxergarmos o passado sob o som da música “Time” de Pink Floyd: “Ticking away the moments that make up a dull day”.

Esta lapiseira passou por um descanso merecido. Talvez ainda faltem antigos projetos e reencontros com os cálculos. Ou, quem sabe, saudades das páginas repletas de integrais, derivadas e limites impossíveis. Pois essas páginas estão bem vívidas no distante início dos anos 80 num cantinho sagrado do nosso coração.

Após tantos anos da aquisição, numa manhã ensolarada da avenida Rio Branco, essa lapiseira é fonte de profunda inspiração e doce introspecção da nossa querida e sempre lembrada Universidade Federal de Santa Maria.



Como ainda guardava no seu bojo alguns nacos de grafites de outrora, essa lapiseira foi a parceria oportuna e principal protagonista, juntamente com uma folha de papel ofício, da elaboração das primeiras emotivas frases dessa crônica. Num conta-gotas de olhares umedecidos revejo antigos colegas.

E na tarde primaveril, após esse saudável encontro, coloquei a lapiseira no bolso de minha camisa e fomos passear, sob um pôr-do-sol avermelhado, como dois velhos amantes, contemplando as paralelas e quinas dos prédios da Boca do Monte.









Esta crônica obteve o terceiro lugar no III Concurso de crônicas “A UFSM na minha história”. 2005.

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