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Artigos-->O ROMANCE DO NEGO -- 15/11/2005 - 10:34 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O ROMANCE DO NEGO-DADO



Francisco Miguel de Moura*



Existe na língua portuguesa uma expressão assim: Ele é muito dado, ela é muito dada! Significa que a pessoa é cordial, faz amizade com facilidade. O romance do nego-dado não é nada disto. Nego-dado é uma expressão que o romancista Alaor Barbosa cunhou, com origem na classe do povo, para dizer que o negrinho ainda pequeno foi dado para ser criado por outra pessoa que não seus pais ou parentes, normalmente um padrinho ou madrinha. Nego-dado é aquele que ficou agregado a uma família de gente bem, para servir, trabalhar de graça. Não é nem adotado nem comprado. É pior, é dado. Como coisa (ou gente) que é dada não tem valor. Nego-dado é assim.

“Memórias do nego-dado Bertolino d’Abadia” é o nome do romance de Alaor Barbosa. Tipo: romance memória. Uma personagem criada e bem criada, parte da sua imaginação, parte apanhada na sua vivência de interior. Trata-se de um romance regionalista. E como tal, onde se lê a língua, o vocabulário, as histórias do povo, através de um personagem principal: Bertolino d’Abadia. Regionalismo revigorado. Da região central do Brasil, precisamente Goiás.

Enquanto tem muito doutor e candidato a doutor dizendo por aí que o romance regionalista morreu, que o romance brasileiro tem que ser como o europeu, isto é, universal, Alaor Barbosa, contista de “papouco”, escritor que merece o maior respeito de nossa gente porque está escrevendo o Brasil de hoje, vai renovando o regionalismo. Novo regionalismo em que a alma do personagem aflora aqui e acolá, por sua linguagem, por suas ações. Universal é ser original dentro da tradição. E a tradição brasileira é ser da terra, regionalíssimo. A aldeia é que faz a universalidade do artista quando este realmente tem tutano, talento, seriedade e faz um trabalho diuturno. Tudo como Alaor Barbosa. A história é boa, uma biografia de um nego-dado, contada por ele mesmo, cheia de peripécias, de vaivéns, lambanças.

Sim, mas o romance?

Já sei, vocês querem que eu reconte a história de Bertolino de Abadia, que Alaor Barbosa contou tão bem. Não, não vou contá-la. É só ler. Nada melhor que lê-lo a partir de seus contos e agora este belo “Memórias do nego-dado Bertolino d’Abadia”. Quem não leu Alaor Barbosa, quem não leu Moura Lima de “Serra dos Pilões, este do Estado do Tocantins, não pode dizer que não existe mais o Regionalismo, que o romance regionalista morreu. Porque, além deles, há muitos e muitos outros por estes brasis. Nós acreditamos até que o romance americano, não somente o brasileiro, é por excelência regionalista.

Bertolino não é um personagem, é um monumento. Sua vida, sua pele, sua obra, sua gente, suas façanhas. Esse monumento só foi possível ser montado com a plena consciência de escritores como Euclides da Cunha, Mário de Andrade, Guimarães Rosa e tantos outros, aos quais se junta Alaor Barbosa. A desenvoltura com que tece a história de Bertolino e de Goiás é impressionante, num estilo que parece muito natural. Mas essa afirmação só ocorre aos que não participam diretamente da arte da escrita. Ele é trabalho de muitos anos na busca do mais verdadeiro termo, da melhor forma de dizer o que tem pra dizer: a verdade dos fatos e a verdade dos sentimentos. Embora o leitor pressinta, algumas páginas lidas, que o comportamento do personagem é gabola, por incrível continuará a acreditar nele, a gostar dele e de suas jactâncias. Vejamos este trecho: “Minha sorte com mulher começou bem cedo. Eu menino ainda. No duro mesmo a primeira foi a Josefina. Já contei: minha madrinha Chiquinha viu e me mandou embora pra casa da Dona Bernardina. Quase toda mulher com quem eu me envolvia me trazia problema. Pois eu não tive até de sair de Imbaúbas por causa de rabo-de-saia? Pobre, grande demais, desajeitado, bruto e meio bagunceiro, considerado descabeceado em ganhar e mais ainda em segurar dinheiro, em questão de agradar mulher eu não posso reclamar da vida. Mas, torno a dizer, quase que só aqui em Imbaúbas. No Rio de Janeiro, não. Em quase todas as outras cidades, também não. De São Paulo eu não tenho queixa.” (P. 241).

Do primeiro capítulo é este trechinho: “Minha mãe parou de trabalhar na casa do Doutor Torres, que tinha se mudado pra Minas Gerais, e mudou o lugar de lavar a roupa do povo rico daqui de-baixo para a casa dela. (...) Virava-mexia, nós não saíamos da Rua da Pedra. Ali ela ficou o resto da vida. Eu gostava daquela rua. Nasci nela. A casa era de tijolos. Lugar bom. Um terreno bem grande. O quintal afundava até o corgo.” (P.9/10).

O romance vale por tudo o que se apreende e se goza, do vocabulário às expressões. Não tem similar, mesmo em Goiás. Mas cadê a crítica? Que pena, só querem saber de guerras, de filmes de terror, de droga, de dinheiro. E depois advogam um mundo ético. O mundo ético está na beleza da arte. É ler poesia e romance como este de Alaor Barbosa, pra não morrer de raiva.



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*Francisco Miguel de Moura é membro da Academia Piauiense de Letras e do Conselho Estadual de Cultura, mora em Teresina (CEP:64049-650 – Av. Juiz João Almeida, 1750) e e-mail: franciscomigueldemoura@superig.com.br

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