A mamãe, para papai
Mamãe,
Há dez anos comemorávamos os 80 anos de papai. Naquela época ele estava consciente, com raciocínio perfeito e muito mais rijo que a sua idade. A poeira do tempo não foi generosa para com ele, anda esquecido e por vezes demonstrando tristeza. Seja pela pouca audição, seja pelo esquecimento. Costumo dizer que os dois se completam, como sempre foi a vida toda. Hoje mais do que antes, porque papai pensa através da tua cabeça e tu andas com os pés dele. O que falta em um tem no outro. Para nós filhos, ele continua o mesmo: Um grande pai. Um grande filho. Um grande irmão. Um grande amigo. Por ser tão grande em tudo, Deus o fez pequeno fisicamente, para mostrar a todos que os rodeiam, que se pode ser bom sem ser forte, ser honesto sem ser poderoso, ser rico sem ser milionário e ser feliz cultivando a fé e a própria felicidade. Sei que já ouvistes essas verdades de muita gente. Ainda hoje as portas costumam se abrir para "o filho de Clodoaldo" e quando alguém fala a respeito dele, nunca é o "pai de Alceu, Mauro ou Ana". Embora o tempo costume apagar a memória dos homens de bem, nós continuamos sendo com muito orgulho "o filho de Clodoaldo", para os amigos, parentes, ex-alunos e conhecidos, que não são poucos.
Não sei se ele entenderá nossas palavras, mas mesmo assim, achei em um poema de autor desconhecido, que fala em tudo aquilo que ele fez por nós:
Coisas que aprendi contigo.!!!
"Quando tu pensavas que eu não estava olhando, eu vi pegares o
primeiro desenho que fiz e prendê-lo na geladeira, e, imediatamente, eu
tive vontade de fazer outro para te."
"Quando tu pensavas que eu não estava olhando, vi dares comida a
um gato de rua, e eu aprendi que é legal tratar bem os animais."
"Quando tu pensavas que eu não estava olhando, vi fazeres meu bolo
favorito para mim e aprendi que as coisas pequenas podem ser as mais
especiais na nossa vida."
"Quando tu pensavas que eu não estava olhando, ouvi tu fazeres uma
oração, e aprendi que existe um Deus com quem eu posso sempre falar e
em quem eu posso sempre confiar."
"Quando tu pensavas que eu não estava olhando, vi tu fazeres comida
e levares para um amigo que estava doente, e aprendi que todos nós
temos que ajudar e tomar conta uns dos outros."
"Quando tu pensavas que eu não estava olhando, vi dando teu
tempo e teu dinheiro para ajudar as pessoas mais necessitadas e
aprendi que aqueles que têm alguma coisa devem ajudar quem nada tem."
"Quando tu pensavas que não estava olhando, senti tu me dando um
beijo de boa noite e me senti amado e seguro."
"Quando tu pensavas que não estava olhando, vi tomares conta
da nossa casa e de todos nós, e aprendi que nós temos que cuidar com
carinho daquilo que temos e das pessoas que gostamos."
"Quando tu pensavas que não estava olhando, vi como cumprias
com todas as suas responsabilidades, mesmo quando não estavas se sentindo
bem, e aprendi que tinha que ser responsável quando crescer."
"Quando tu pensavas que não estava olhando, vi lágrimas nos teus
olhos, e aprendi que, Ã s vezes, acontecem coisas que nos machucam,
mas que não tem nenhum problema a gente chorar."
"Quando tu pensavas que eu não estava olhando, foi quando aprendi a
maior parte das lições de vida que eu precisava para ser uma pessoa boa
e produtiva quando eu crescesse."
"Quando tu pensavas que eu não estava olhando, te olhava, e
queria te dizer: Obrigado por todas as coisas que eu vi e aprendi quando
tu pensavas que eu não estava te olhando!"
Hoje quando ele nem pensa que estou olhando, relembro com saudade, tudo o que este poema diz.
Hoje quando ele nem pensa que estou olhando, sinto uma imensa alegria quando fala algumas palavras, mesmo que não tenha nenhum significado para os presentes, e procuro continuar o diálogo respondendo o que ele deseja ouvir, só para continuidade dos seus pensamentos.
Hoje quando ele nem pensa que estou olhando, não canso de ver o seu olhar distante, e sinto um renascer a cada movimento e a cada gesto que ele faz.
Hoje quando ele nem pensa que estou pensando, ao mudar as suas roupas, penso quantas ele mudou em mim.
Ao preparar o seu prato, penso, quantos ele preparou para mim.
Ao levar o seu remédio, penso, quantas vezes ele fez isso para mim.
Hoje quando ele nem pensa que estou pensando, fico olhando-o silencioso e recordo quantas vezes, doente, do mesmo modo, pensou junto a mim, como o fazia com o meu avó, a minha avó e seus irmãos quando adoeciam.
Hoje quando ele nem pensa que estou pensando, recordo como ele me ajudou a corrigir os meus textos mal escritos, sugerindo modificações e incentivando minhas ideais literárias.
Hoje quando ele nem pensa que estou pensando, lembro o tempo em que era Juiz, cumprindo a lei e os horários estabelecidos, muito diferente da justiça de hoje. Lembro também como ele se dedicava a educação das crianças carentes e abandonadas, fundando escolas e ensinando em cada cidade que foi Juiz.
Hoje quando ele nem pensa que estou pensando, lembro do tempo em que nas sextas feiras saía, Ã s dez da noite, para entregar sopa aos pobres abandonados nas calçadas no Bairro do Recife. Da sua dedicação para com os velhinhos abrigados na Sociedade São Vicente de Paula, e como recordo da sua luta e perseverança para manter funcionando a OAF e a Escola Dom Bosco.
Hoje quando ele nem pensa que estou pensando, lembro quando deu a primeira sentença alternativa em Pernambuco, condenando uma mulher a se alfabetizar, proporcionando-lhe o ensinamento à s suas custas. Como mantinha o sigilo de seu voto, sem jamais pedir aos filhos que votasse em A ou B e muito menos fazer crítica ao nosso voto declarado.
Hoje quando ele nem pensa que estou pensando, eu penso tanto, lembro e relembro como é difícil ser um homem bom, justo, humilde, íntegro e culto, mesmo tendo o exemplo dentro de casa durante toda a vida.
Pai, como é duro ter a responsabilidade de ser teu filho !
Pai, o presente que eu desejaria te dar nos teus 90 anos, era ter o poder e o direito de começarmos tudo de novo.
Mauro de Oliveira
02/01//2002
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