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Contos-->A Coruja, o Anarquista e o Pintassilgo -- 15/03/2002 - 00:54 (Mauro de Oliveira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A Coruja, o Anarquista e o Pintassilgo


Passava das duas da manhã quando a Coruja saiu do seu ninho para um vôo até o terraço da casa do velho anarquista. Vez por outra ia olhar o velho, pousada na grade do terraço que ficava em frente a janela do escritório. Admirava muito a escrita no computador, e ouvia as vezes o velho lendo baixinho aquilo que escrevia. Hoje porém sua visita não era para o velho. Era para o morador de uma gaiola que chorava o dia todo, prejudicando assim o seu sono diurno.
Há duas semanas que o Pintassilgo fora trazido do interior pelo pai do namorado de Isa, filha do velho, como presente de aniversário. No dia que chegou o pessoal da casa fez uma verdadeira festa, menos o velho. – Quando chegou a noite, a filha disse: Olha pai! o novo habitante da nossa casa. – O velho com a cara amarrada respondeu: Só faltava essa agora! um passarinho nesta casa.- Nem olhou para o Pintassilgo. No fim daquela semana, sábado, o velho estava tomando um wisch no terraço e perguntou para filha: Isa, você gostaria de ficar presa numa casa o resto de sua vida, com comida a vontade, mas sem o direito de passar do portão ? – Não pai. – Então por que não soltas o passarinho ? – Pai, o Pingo (nome que lhe atribuiu) está muito feliz e logo vai cantar. Se eu soltá-lo, não está acostumado com a cidade, ai morre. – Isa ! esse pobre vai morrer de desgosto dentro dessa gaiola, e o máximo que ele poderá fazer, é chorar. E muito.
A Coruja pousou na grade bem perto da gaiola do Pintassilgo. Hei ! Pintassilgo ! Acorde ! Vamos conversar. – O Pintassilgo acordou e disse: Boa noite D. Coruja. – Boa noite – respondeu a Coruja se aproximando mais da gaiola. – Como estais ? venho acompanhando teu martírio desde que chegastes. É uma pena tu tão moço e já está preso. Moro ali no pé de cajá da casa do tarado. - O que é tarado ? perguntou Pingo. - Tarado são pessoas de má índole que fazem do sexo a coisa mais importante da vida. Não respeitam ninguém e usam até da força para obter os prazeres da carne. O pessoal da rua o chamam de tarado, porque desde que ele veio morar aqui, não passa uma mulher, menina ou moça que ele não dê uma cantada. Por isso ele foi escanteado pelos moradores da região. Ele é casado com uma mulher horrorosa que vive trancada dentro de casa. Tem um filho com uns vinte e tantos anos que é viciado em drogas, e por essa razão já foi visitado pela Polícia diversas vezes. Moro lá porque a casa é rodeada de fruteiras formando uma copa bem densa, diminuindo assim o perigo dos curiosos e predadores. Lá também mora um casal de Sanhaçu e um casal de Bem-te-vi. Vez por outra aparecem os Pardais encrenqueiros, mas nós os expulsamos. Mas, fala-me de você Pintassilgo. Como fostes apanhado ? És daqui ou do interior ?
D. Coruja minha vida acabou-se no meu primeiro vôo. Nasci com mais dois irmãos. Ficamos no ninho com a mãe, até o maldito dia do primeiro vôo. Minha mãe recomendou que não fossemos para longe, nem procurássemos comida em lugar fácil. Foi só o que fizemos. Voamos muito tempo. Ficamos entusiasmados com a sensação de liberdade, ver os outros animais lá embaixo, os rios, as pessoas. Quando cansamos, resolvemos pousar numa arvore perto de uma casa. Logo avistamos uma gaiola pequena, muito menor que esta, e cheia de xerem . Pousamos dentro dela. Imediatamente ficamos trancados.
A tarde um homem veio nos pegar e nos levou para um quarto escuro embaixo da casa dele. Lá encontramos muitos passarinhos, todos presos em gaiolas de todos os tamanhos. Um Canário nos informou que ficávamos no escuro para amansar e cantar. Depois seriamos vendidos nas feiras e na cidade grande. Toda vez que um cantava qualquer coisa era trancado numa gaiola maior. Quando começava a cantar bonito, era transferido para o terraço da casa do homem em um gaiola maior e melhor. Passado alguns dias iam embora para ser vendidos. Como estávamos os três, na gaiolinha pequena, meus dois irmãos logo adoeceram de tristeza que nem se levantavam mais. O homem veio, tirou os dois, e torceu o pescoço na minha frente, acabando assim de matar o resto da minha família.
Passado algum tempo comecei a chorar, o homem pensou que meu choro fosse canto e me levou direto para o terraço numa gaiola que dava até para passear. Quando vi o sol meus olhos quase não abriam, passei alguns dias com os olhos fechados, abrindo-os somente ao cair da tarde. O homem ao ver meus olhos fechados, jogava água. Pouco à pouco, fui me acostumando com a claridade até que pude ver toda a paisagem. Em frente ao terraço tinha uma jaqueira onde muitos pássaros pousavam e saiam. Nenhum se atrevia a vir até a minha gaiola. Depois descobri. Havia em cima dela uma arapuca igual a que eu caí no dia em que fui preso.
Certo dia, o homem me colocou na gaiola pequena de novo, embrulhou com um papel e me levou. Não vi mais nada até chegar a esta casa. Como cheguei a noite pouco vi ao meu redor. No dia seguinte, reparei que havia no terraço um Papagaio em uma gaiola aberta. Na verdade acordei com seus gritos infernais. Vez por outra ele zombava de mim e na nossa língua falava que nunca eu sairia desta gaiola. Quando o sol batia em minha gaiola, a minha nova dona, uma tal de Isa, veio até ela, colocou xerem, alpista e água. Depois ficou me olhando e disse: - Canta Pingo! Canta Pingo !- Voei como um louco, batendo contra as grades da gaiola até ela ir embora. Depois vi as duas cachorrinhas, tão pequenas que pensei que eram recém nascidas. Logo depois percebi que eram anãs. Onde eu nasci, nunca havia visto cachorros tão miudinhos. Coisas da cidade. Agora já conheço todos. D. Vilma a dona da casa, Roberto e Lucas irmãos de Isa e o velho antipático, que vive reclamando dos filhos. De vez em quando ele fica olhando para mim, calado, mas sinto que ele está querendo me dizer alguma coisa.
Converso muito com uma Lavadeira e um Beija - Flor que sempre vêm a minha gaiola. Eles me falaram que não entendem a minha prisão. Disseram-me que os ocupantes da casa colocam uma jarrinha pendurada na palmeira com água e açúcar e uma panelinha cheia de alpista e xerém para eles beber e comer. Nunca nenhum deles tentou fazer mal aos passarinhos que freqüentam a casa, inclusive os Pardais. Por isso, logo que me conheceram, perguntaram se havia feito algum mal à família. Contei-lhes a minha estória e ficamos amigos. Até o Sanhaçu e o casal de Bem-te-vi já vieram falar comigo.
Os dias passam e minha tristeza aumenta. Sinto muita saudade de meus irmãos e da minha mãe. Passo quase todo o dia voando e batendo nas grades da gaiola para ver se elas quebram. Não tem jeito. As vezes fico com o bico ferido e sem vontade de comer. Então, cansado começo a chorar. Quando Isa me ver chorando, fica sorridente, me elogia e pensa que estou cantando. Não tem a menor idéia do meu sofrimento. Ai! D. Coruja, não agüento mais! Vou começar a chorar!
Chore Pintassilgo !chore ! Os homens choram e só conseguem as lágrimas. Quando nós choramos compomos uma música, coisa que só alguns homens conseguem fazer. A música fala por todas as palavras e exprime todos os sentimentos: a dor, a saudade, a alegria, o amor e o ódio. Leva lágrimas aos olhos dos homens, sem que seja pronunciada nenhuma palavra, além da alegria para o que estão tristes e saudade para os que estão velhos. Por falar em velho, você está muito enganado com o dono da casa. Ele tem aquela cara de zangado mas está tramando para lhe soltar. Ele é um velho anarquista e detesta o egoísmo. Por isso ele vive reclamando de tudo e de todos. Costuma ficar até a madrugada escrevendo no computador, mandando carta para Deus e o mundo e usando uma tal de internet para enviar os seus escritos, principalmente criticando os políticos e o governo.
O Pintassilgo parou de chorar e perguntou: O que é anarquista? – Anarquista, segundo o velho, são pessoas favoráveis a uma doutrina criada 3000 A/C, chamada ANARQUISMO, cuja palavra vem do idioma Grego, an que quer dizer: SEM, e Arckos que quer dizer: GOVERNO. – D. Coruja e o que é Governo ? – Governo, é a forma de um pequeno número de homens mandar na maioria, impondo regras, direitos e deveres. - D. Coruja, e o que é político ? – Segundo o velho, político é um desonesto que deu certo. Ou seja, eles são eleitos pelo povo para fazer o bem de todos. A verdade no entanto é outra. Para se elegerem eles prometem, mentem, criticam uns aos outros e quando chegam ao poder, fazem o que criticaram, esquecem as promessas e roubam o povo. No começo todos são bons. Quando sentem o gosto do poder, começam as falcatruas, se juntam com os antigos inimigos, mudam de opinião, castigam o povo com impostos absurdos e ainda fazem propaganda de obras que nunca existiram. Quando as obras existem, custaram vinte vezes mais do que era necessário. A diferença entre o valor real e o valor gasto, eles chamam de propina e dividem entre aqueles que estão no poder e os fazedores de obra, que são chamados de empreiteiros. Aqui e ali quando um político recebe menos que o outro, começam a denunciar, e o resultado são os escândalos financeiros que eles costumam chamar de crise política. Ai quem era honesto vira ladrão e quem era ladrão vira honesto. Quem era inimigo torna-se amigo e quem era amigo torna-se inimigo. Criam uma tal de CPI, que o velho chama de Comissão Parlamentar de Ilusão e os criadores chamam de Comissão Parlamentar de Inquérito. Pior é que o velho está certo. Finda a CPI, ninguém é condenado a devolver o que roubou, nem vai preso. Perde apenas o mandato para se candidatar novamente oito anos depois, quando todo mundo já esqueceu. Por isso, o velho que é seguidor de Bakunin, anarquista do século IXX, que tinha como lema o seguinte: “Aquele que colocar a mão em mim para governar, é um tirano e considero meu inimigo”. - ai o velho completou: Não vote, não pague imposto, não seja cúmplice da corrupção, ame a sua liberdade.
D. Coruja ! – interrompeu o Pintassilgo. – Minha mãe me dizia que as corujas eram pacientes, inteligentes, mas eu não sabia que chegava a tanto. Diga-me, a senhora consegue conversar com o velho ? – Claro, algumas pessoas conseguem conversar com os animais através do pensamento e dos sentimentos. Vou lhe contar como comecei a falar com ele. Há muito tempo que observava o velho de longe, varando a madrugada, escrevendo ou lendo no escritório. Um dia, resolvi me aproximar e cheguei até esta grade. Quando pousei, ele assustou-se mas não reagiu. Ficou me olhando por longos minutos e disse: Ninguém vai acreditar quando disser que uma Coruja veio ler os meus escritos. Ainda bem que você é mansa, curiosa e livre como eu. Estais me entendendo ? – respondi-lhe; claro que sim – então ele sorriu e disse: quando quiseres podes vir me fazer companhia. Gosto das madrugadas e você também. Portanto poderás ser a minha fonte de inspiração. – Desde esse dia nos encontramos e conversamos sobre todos assuntos. Ele escreve os textos e ler para mim. Com isso aprendi muito, sobre o mundo, os homens e os políticos.
Desde que chegastes que ele trama a tua liberdade. O que ele não quer é obrigar a filha a soltá-lo, porque acha que assim estará podando a liberdade dela. Ele quer convencê-la de que está agindo com egoísmo. De acordo com o que ele me falou, os criadores de pássaros não são pessoas ruins, pois alimentam e dão remédio aos bichinhos que cria. O problema deles é o sentimento de posse que é uma forma de egoísmo disfarçado. Em suma eles se acham no direito de determinar o que os pássaros devem querer. Não acham que os pássaros tem o direito de escolher a própria vida, porque são irracionais. Irracionais diz o velho, são eles que pensam que o passarinho está cantando, quando na verdade está chorando. Irracionais, porque nenhum criador gostaria de ficar preso o resto da vida mesmo com todo o conforto do mundo moderno, mas acha que um pássaro depois de algum tempo se acostuma, porque fica quieto na gaiola até morrer . Irracionais e contraditórios, porque dizem gostar dos pássaros e alguns até choram quando um consegue fugir. Quando se gosta de alguém, não se priva a liberdade que é maior dádiva que Deus deu aos homens. O fato de alimentá-los com a melhor comida, não é gostar, mas uma questão de vida ou morte, pois assim acontecendo eles perderão a posse. Outro dia o velho disse a filha: Se queres a tua liberdade, respeitas a dos outros. Na hora em que avanças na liberdade dos outros estarás perdendo o direito a tua. Sou advogado do Pintassilgo e exijo que seja libertado. Se não for, eu mesmo farei justiça. – A filha ficou com a cara emburrada e sumiu da sala.
Como vês Pintassilgo, o velho não é tão ruim quanto parece. Acima de tudo ele é um homem justo. Quanto a Isa, ele me contou que certa vez ela tirou uma formiga da bacia do aparelho para não morrer afogada. Veja que contradição, salvar um animal que lhe faz mal, porque estava com pena dele, e ao mesmo tempo prender um animal que ela diz tanto gostar e nunca lhe ameaçou em nada. Pode ! São as contradições dos humanos, meu amigo.
Te preparas meu amigo, o velho disse que ia dar uma de político. Vai inventar uma estória para filha, mentindo e prometendo. Para isso vai ser necessário a sua colaboração. Ele vai dizer a filha que você só canta quando ele (o velho ) está no terraço. Que quando ela aparece, você pára de cantar. Então prestes muita atenção. Quando velho estiver no terraço cantes( chores). Se Isa aparecer, pares de cantar (chorar ). Ele vai prometer a ela que se isso não acontecer, não fará mais nada para libertá-lo. Ë só promessa, por que se ela não atender , vai pedir a um menino de rua que roube a gaiola e lhe solte perto da casa do tarado. Para ter a certeza ele vai corromper o menino com algum dinheiro, do mesmo jeito que o governo, o empreiteiro e o político. Ele acha que dessa maneira não está errado, por isso ele é a favor dos sonegadores que dão emprego. Afirma que está baseado na compensação oculta, do Direito Canônico, que diz: Se alguém te entrega alguma coisa para repassar a quem te deve, podes te apropriar da tua parte independente da autorização do devedor. Ele me falou que 30% do que o governo arrecada é para cobrir os buracos da corrupção e dos roubos, por isso todo dia está inventando um imposto novo. Ora, se o governo não cria emprego, todos aqueles que dão emprego podem reter 30% do imposto à pagar independente de aviso ou autorização. Como te falei anteriormente, o velho é justo, lógico e organizado, pois além de propalar as suas idéias, escreve e grava tudo no computador. Diz que assim tudo será lembrado na posteridade.
Antes de ir embora Pintassilgo, quero te avisar que já estou ajeitando um lugar lá no pé de cajá para quando chegares. Lá poderás conhecer os outros amigos que não visitam este terraço, mas que são pássaros de boa índole e te protegerão dos Pardais, até conseguires seguir tua vida com as próprias asas.
Durante os dias seguintes, o Pintassilgo seguiu os conselhos da Coruja fielmente. Quando Isa se aproximava da gaiola, imediatamente parava de cantar. A princípio Isa não notou, mas após dois dias de coincidências começou a se apavorar. Colocou mais comida, frutas e nada. Nem cantava, e só comia essencial.
Nas madrugadas a Coruja conversava com o velho, dizendo que o plano estava a todo vapor. Como o velho saía de manhã e só chegava à noite, não deu para acompanhar a evolução do plano. Tudo no entanto estava planejado para o próximo sábado, dia em que tanto o velho como Isa , estariam em casa durante o dia.
O Papagaio que fingia está dormindo, ouvia atentamente a conversa entre o velho e a Coruja. Como sua gaiola era aberta e ele vivia solto, a passarinhada pousava sempre lá para meio dedo de prosa e comer o que ele jogava fora. Várias vezes a Coruja o repreendeu pelo desperdício da comida. No princípio ele não deixava nenhum pássaro encostar. Com o tempo, a Lavadeira que é muito respeitada por todos os pássaros, começou a aconselhar o Papagaio a deixar que os outros também pudesse aproveitar a comida que ele jogava fora. Aos poucos, a passarinhada já estava comendo até na vasilha do Papagaio. Em suma era uma festa para os pássaros e um deleite para o velho. Por conta disso o velho deitava-se na rede logo abaixo da gaiola e alisava a cabeça do Louro( Papagagaio) – Lourinho! Lourinho! – chamava o velho. Então ele vinha ficava de cabeça para baixo pendurado na gaiola e o velho o acariciava. Quando velho parava, ele falava lourinho! lourinho! bem baixinho e bem dengoso até que o velho voltasse a coça-lo novamente. Pois bem, o Papagaio ao saber do plano da Coruja e do velho, começou a falar para todos os pássaros que freqüentavam a sua gaiola. Em pouco tempo, todos já sabiam e a solidariedade veio à cavalo. Em dois dias o ninho do Pintassilgo já estava pronto ao lado do da Coruja. Até os Pardais que não eram de ajudar ninguém colaboraram a pedido do Bem-te-vi e do Sanhaçu.
Na quinta feira a noite logo após o jantar, o velho perguntou a Isa como ia o Pingo. Ela disse que ele estava doente e por isso não estava cantando. – É tristeza!- gritou o velho. – É praga de pai !– respondeu Isa. – então o velho disse que tinha conversado com a Coruja e que ela o havia dito que Pingo estava fazendo greve de fome para ser libertado. Isa, riu muito na cara do pai e disse que no sábado iria mostrar que Pingo voltaria a cantar. O velho lembrou-lhe a aposta. Se não cantar na tua frente tu o libertas conforme acertamos . Se cantar quando eu estiver no terraço, também vai soltá-lo. Só permanecerá preso se cantar na tua presença. Certo! – Certo- respondeu Isa.
Na sexta feira, quando a Coruja chegou na grade o velho estava escrevendo uma crônica a respeito da implosão do PFL. Falou a Coruja que embora não votasse em ninguém, estava sentindo o cheiro de baixaria na campanha presidencial. Primeiro achou estranho que o TSE, tivesse verticalizado as coligações dos partidos, justamente na hora em que o partido do governo precisava inibir as composições estaduais e municipais dos partidos grandes, para assim receber o apoio de todos. Essa normatização na verdade, deveria ter saído em 1996, mas na época o governo não necessitava, porque os três partidos grandes mamavam juntos nos ministérios e demais escalões. Com os sucessivos escândalos de corrupção na sustentação da base governista, e a imposição de um candidato pulha, os partidos começaram a se dividir e a lançar pré candidatos, uns para fazer chantagem e outros para impor candidato próprio. O governo atento a insubordinação dos puxa-sacos oficiais, encomendou ao TSE uma norma que estava engavetada desde 1994. O velho sempre foi favorável a partidos fortes, coligações verticalizadas e fidelidade partidária. Para ele isso evitaria a compra de votos, troca de favores e leilão de cargos que o governo sempre faz para aprovar emendas constitucionais, medidas provisórias etc., cujas contas terminam sendo pagas pelo contribuinte. O estranho foi a hora, tardia, porem com os ingredientes necessários para podar os sonhos dos coligados e pequenos partidos, mesmo aqueles que não tenham candidatos mas precisam tirar uma casquinha no próximo governo. Além dessa medida, havia uma necessidade de eliminar a subida nas pesquisas de uma senhora “marquetizada”, cujo marido sempre foi recordista olímpico de navegação no mar da corrupção. As investigações a respeito do dito senhor estavam em banho-maria, tendo em vista que ele fazia parte da camarilha governamental. “Aos amigos tudo, aos inimigos a lei. “ ‘Os amigos não tem defeitos, os inimigos não têm qualidade” disse o velho que o era lema do governador Agamenon Magalhães, cria de Getulio Vargas durante o “Estado Novo” e que ficou encrostado nos cérebros de todos os políticos que se apropriaram do poder até o presente.
Segundo o velho, que já foi auditor durante 38 anos, nenhum político por mais fama de honesto que tenha, não resistirá a uma fiscalização do imposto de Renda feita por ele. Não seria agora que o PFL no poder há mais de 40 anos, sempre em cima do muro, além de altivo cão fiel “colaboracionista” da “redentora”, iria escapar da ira de seus antigos adversários. O caráter dos políticos é feito chumbo, duro, cinzento e pesado, mais não agüenta um calor que se derrete todo. Os inimigos de hoje, são os amigos de amanhã, e os honestos de hoje são os corruptos de amanhã. Para completar a desgraça da “candidata”, o marido ex-marido, tinha um dinheirinho no escritório no dia em que a Federal foi lá para pegar uns documentos do processo do Escândalo da Sudam. A origem da grana foi “mentida, desmentida e rementida sete vezes”. Por fim, o ex atual confessou que era dinheiro para campanha da presidência. Quando a ordem veio lá de cima para botar o processo para moer, nunca imaginaram que iria dar tão certo. O pê fê lê entrou em parafuso e agora querem processar Deus e o mundo por arapongagem. Querem até uma CPI para cassar um deputado empreiteiro filho da ditadura. Estão ameaçando não votar a prorrogação da CPMF no prazo necessário para dar continuidade ao assalto no bolso do contribuinte. Esse país é uma graça ! Roubaram, assaltaram e ludibriaram o povo, abriram o processo para dizer que estavam agindo contra a corrupção e depois jogaram debaixo do tapete. Quando a divisão do poder ficou ameaçada, levantaram o tapete e jogaram a sujeira na boca do povo. Isso eles chamam de ditadura, abalo da democracia, política suja e querem processar quem inventou a armação. Eu acho é pouco ! quero é ficar uns dias sem ser roubado. Por mim quero mesmo é que eles se explodam, danem-se, e que “vão arder nos mármores do inferno”. – A coruja interrompeu o velho e disse: quando eu morrer quero reencarnar como um homem anarquista - Coruja! Ninguém reencarna ! Quando os pássaros morrem vão para o céu, junto de São Francisco de Assis. Quando os homens morrem também vão para o céu junto de Deus. Mas quando os políticos morrem vão para o inferno, mas todos como eleitores. Ah!, Ah! – riu o velho. – A Coruja ouvia atentamente as palavras do velho, quando percebeu que o dia ai amanhecendo. Pediu licença para ir embora, sem contudo esquecer de lembrar que amanhã seria o grande dia e prova final para libertação do Pintassilgo. – O velho parou suas escritas e também se recolheu. – Até mais tarde Coruja, disse o velho desligando o computador.
No sábado o velho acordou um pouco tarde, já que tinha ido dormir com dia claro. Depois de tomar um gole de café seguiu para o terraço e sentou-se defronte da gaiola do Pintassilgo. Piscou o olho para o pássaro, que logo começou a cantar. Logo os pássaros da região começaram a pousar no jardim. Alguns o velho nunca havia visto por ali. Lavadeiras, Sanhaçus, beija-flor, Pardais e até um cinzento que o velho nem sabia o seus nome. A medida que a família ia chegando no terraço, se espantava com a quantidade dos pássaros. Pingo cantava insistentemente e era acompanhado pelos outros. De repente ouve um silencio total. Isa chegou ao terraço. Então velho disse para filha: Viu! Pingo parou de cantar! – Não! Pai ! foi coincidência. – Saia do terraço que ele voltará a cantar. – disse o velho. – Isa obedeceu. Quando saiu Pingo começou a cantar de novo. Ela voltou de repente e Pingo parou. Saiu novamente, e Pingo voltou a cantar. Quando voltou pela terceira vez, Pingo parou. Aí o velho disse: Cumpra a sua promessa minha filha! Liberte o Pingo! Estamos esperando ! - Debulhada em lágrimas, Isa abriu a porta da gaiola e ficou esperando a saída. Pingo foi até a porta, olhou para o céu e cantou alguns instantes. Depois, depois deu seu primeiro vôo em liberdade direto para o pé de cajá onde a Coruja o esperava. Os pássaros que estavam no jardim seguiram o mesmo caminho. No terraço o silencio foi total. Isa ainda chorando perguntou: Pai, tu falas mesmo com a Coruja ? – Falo minha filha, e combinei tudo com ela. Para lhe provar, deixe a gaiola ai, que ainda hoje, Pingo vai voltar para cantar em cima dela, porém nunca mais, dentro dela. Antes do almoço, Pingo voltou. Pousou na gaiola, cantou alguns minutos na presença de Isa e do velho e depois voltou para o pé de cajá.
Mauro de Oliveira
14/03/2002

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