A sociedade disse não! Tá certo. Afinal morrer de tiro é melhor que morrer de fome.
O problema é a política pública. Ou seja: não confiam no governo e preferem votar a favor da arma que mata. Preferem se submeterem as balas perdidas.
O brasileiro está cheio de repressão. A história confirma que a proibição no Brasil não funciona. Pelo contrário cria vícios nada toleráveis.
O Estatuto do Menor e do Adolescente é uma grande prova disso. Pior do que proibir o uso de arma de fogo é proibir um pai de educar o próprio filho.
Sêu Praxede ali da comunidade do Limpo Grande, já com seus cinqüenta e sete anos de idade, tinha lá um guri de treze pra quatorze anos. Rapa de tacho! Como não teve a oportunidade de estudar fazia questão de que todos os seus cabeçudinhos soubessem pelo menos assinar o próprio nome.
Assim que os bichinhos ganhavam certa altura fazia questão de mandá-los á escola. Sêu Praxede sempre cuidou dos filhos a sua maneira. Bons trabalhadores da terra. Plantam e vivem da própria roça. Foi assim com todos até o filho temporão.
Sempre tem aquele desmiolado. A ovelha negra da família. Pois sim, ainda acha quem incentiva dali, o infeliz segue o caminho da perdição e nunca mais encontra a paz e o sossego.
Sêu Praxede quando viu a rebeldia do filho menor danou a meter-lhe o cabo da enxada pelo pé da nuca a fim de retomar o juízo do rapaz. Alguém não concordou com os métodos antiquados usados pelo Sêu Praxede e denunciou o caso ao órgão responsável.
Coitado do Sêu Praxede foi cambiado para a delegacia como um bandido. Esse disparate foi uma afronta àquela humilde criatura que nunca sequer conhecia a porta de uma delegacia.
Na delegacia o Sêu Praxede se viu frente a frente com uma jovem delegada recém saída do banco da faculdade e sem nenhuma experiência no trato com pessoas daquela natureza.
A dona Delega rasgou o verbo da largura do queixo para aquele pobre senhor que ali permanecia curvado sem coragem de sequer erguer os olhos para ver o que acontecia ao seu redor. Tamanha era a vergonha.
Depois de rezar o rosário de culpa ao incrédulo homem que permanecia mudo sem sequer entender o que estava acontecendo ali, ela se deu por satisfeita. Explicou ao encabulado Sêu Praxede que ele não podia espancar o próprio filho com o cabo de uma enxada. Que o menino precisava de amor, carinho e respeito.
Disse que ás vezes uma boa conversa resolve mais que uma surra. Que o espancamento não leva a lugar algum. Então em seguida liberou o velho Praxede com a recomendação de que não viesse a espancar o menino novamente e fosse educado.
Bem, passou alguns dias e lá estava Sêu Praxede com uma trouxa de roupas nas costas querendo falar com a delegada. O pessoal dali da portaria logo queria saber o que estava acontecendo e ele foi logo dizendo que o assunto era entre ele e a doutora delegada.
A doutora então mandou que entrasse. Entrou ele e o menino que o acompanhava rebocado pelo braço. Diante da doutora Sêu Praxede retirou o velho chapéu de palha da cabeça e assentou o galo de briga em cima da escrivaninha.
Em seguida juntou o menino pelo braço e o entregou a doutora. Disse a ela: vim trazer ele pra você falar com jeito, com educação no ouvido dele. Quem sabe ele te escuta.
Explique pra ele tudo aquilo que você me disse. Ele está usando a tal da maconha. Nem sei o que é isso. Eu estava criando ele do jeito que papai com mamãe me criou. Você disse que eu estava errado.
Eu queria o melhor pra ele. Batia nele porque não queria que a polícia o espancasse um dia. Sei que se um dia a polícia pegar ele, ela não vai alisar o chifre dele.
Pé de galinha não mata pinto. Fui criado assim e aqui estou. Criei todos os meus filhos dessa maneira e não tem nenhum aleijado por causa disso. Mas você disse que está errado então faça o que você achar melhor. Fique com ele e convença-o a ser um homem de brio.
Sêu Praxede virou as costas e a delegada pulou no seu cangote. O senhor não pode deixá-lo aqui. Isso aqui é uma delegacia não um albergue. Não sei dona, lá na minha casa não tem mais lugar pra ele.
Bem, resumindo, o guri foi parar na instituição do menor carente e dali para as delinqüências juvenis das ruas. Dois anos depois estava estirado ali no Beco do Candeeiro, ao lado de mais dois companheiros com a boca cheia de formiga.
Foi por isso que a sociedade disse não! O Estado perdeu a habilidade de entender o real anseio da população. A comunidade vive frustrada com a medíocre política de segurança pública que o Estado oferece.
Sêu Praxede perdeu um filho, mas o Estado está perdendo o verdadeiro sentido de uma nação: Justiça!