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Cronicas-->A matemática e os sentimentos -- 01/01/2002 - 21:53 (Mauro de Oliveira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A matemática e os sentimentos


Com o pipocar dos últimos fogos, findos os estouros das champanhe, dos abraços e beijos com os familiares estou aqui para juntar as primeiras letras de 2002.
Durante todo o ano martelava-me a cabeça o velho problema da adolescência. Deveria seguir os caminho das letras ou dos números ? O exato, ou o subjetivo. O sentimento ou a razão. A poesia ou a equação.
Sempre fui um admirador profundo dos homens que criaram as máquinas. Sonhava um dia voar até os planetas mais distantes. Sabia que o homem mais cedo ou mais tarde estaria no espaço vendo as estrelas do tamanho da lua e seria tão fácil ir lá como pegar um bonde e ir para o colégio. Na minha mente de 12 anos, achava que no ano 2000, as naves espaciais cortariam os céus como os aviões que tanto apreciava, vê-los subir e descer no velho aeroporto dos Guararapes.
Por outro lado, lia os primeiros romances ao tempo em que me deleitava com os poetas sertanejos que mesmo sem frequentar uma escola, improvisavam versos ao som das violas nos grandes desafios que presenciei no sertão. Quando li o Crime do Padre Amaro de Eça de Queiroz, senti até onde um ser humano poderia criar estórias e personagens onde ele como um Deus determinava o começo e o fim de cada um. José Lins do Rego, em Os Cangaceiros, Menino de Engenho me transportava as férias felizes que passei no engenho de Tio Abelardo. Minhas primeiras leituras foram clandestinas e proibidas. Na época um adolescente não poderia ter acesso a livros dessa natureza. Lembro-me a bronca que papai me deu, quando descobriu que estava lendo O Cortiço de Aluizio Azevedo. E como foi fácil ele me pegar. Na hora do almoço perguntei-lhe e o que era "casa suspeita". - Onde você viu falar nisso ? - Em um livro - respondi-lhe já sabendo que estava frito. Dali em diante não tive mais como negar. Confessei tudo. O castigo foi uma semana sem sair de casa.
Gostava das letras, mas, juntas, prontas e acabadas. Detestava a gramática, análise lógica e a concordància. No meu lado esquerdo tinha a paixão pelas máquinas. Adorava consertar motores, bicicletas, motos, regular carburadores e tudo mais que se relacionasse com a mecànica. Para seguir Engenharia no entanto, teria que conviver com a matemática, álgebra, aquela mistura de letras com números que considerava tão ruim, como misturar comida doce com comida salgada. Por pouco não perdi um ano por causa da equação e dos teoremas de Pitágoras. Aquele terrível segundo ano ginasial, me fez desistir para sempre de Engenharia Mecànica. Parti para as letras, fiz o clássico e entrei na Faculdade de Direito. Paralelamente a matemática me perseguia e me persegue até hoje. Terminei fazendo um acordo com ela. Me sustenta que te suporto. Na adolescência da velhice as vontades se invertem. O que mais detestava é o que mais preciso, e o que era mais necessário tornou-se um hobby.
As vezes procuro na matemática um pouco de sentimento. Nada. Ela é fatal e implacável. Dois vezes dois são quatro, vezes oito são trinta e dois, dividido por dois é dezesseis e estamos conversados. Não há mais ou menos, não há solidariedade, amor, alegria ou tristeza. Tudo é exato, complexo e definitivo. Quando ela não sabe como chegar ao final mistura a letra N, e aí é que as coisas se complicam. Depois vem o ab elevado à x, raiz de não sei o que, sobre não sei que lá ao quadrado, e começa o fim do mundo. As vezes penso que os grandes matemáticos deveriam ser insensíveis a qualquer tipo de sentimento. Acho que todos eles nunca amaram a não ser seus próprios números. Nunca ouvi falar na esposa ou mãe de Pitágoras, Isac Newton, ou Einstein. A história não faz registro dos sentimentos a não ser da solidão que todos eles viveram.
Os grandes escritores no entanto, conseguiram misturar a matemática com os sentimentos, e sempre com resultados inexatos. Dividiram, o amor, subtraíram a felicidade, somaram o ódio, multiplicaram a paixão, e sempre sem resultados. Cada personagem vivem anos em apenas um livro ou um conto. Uma página pode ser o suficiente para apresentar todas as contas de uma vida. O bem e o mal, a alegria e a tristeza, podem ser impares ou pares, sem regras nem fórmulas.
Embora não sendo um escritor, sou um admirador profundo da engenharia das letras. Elas traduzem na sua inexatidão sentimentos profundos e contraditórios, que com números jamais teríamos um explicação.
É como me sinto nesta primeira madrugada de 2002. Triste e feliz.
Triste porque se foi mais um ano da minha vida. Feliz porque tenho a esperança de dias melhores.
Triste porque agora estou só. Feliz porque os meus filhos foram para alegria das ruas e da casa dos amigos para comemorar a passagem do novo ano.
Triste porque neste momento os hospitais estão repletos de doentes ou acidentados. Feliz porque não estou passando por essa provação.
Triste porque o nosso mundo já não comporta mais tanta injustiça social. Feliz porque ainda suporto mesmo impaciente a injustiça dos homens, embora não saiba por quanto tempo.
Feliz porque consegui chegar até aqui. Triste porque não sei se no próximo ano poderei escrever algumas palavras nesta madrugada alegre e cheia de felicidade.
Feliz porque posso lembrar com saudade os bons tempos que vivi. Triste porque não posso mesmo com a saudade começar tudo de novo.
Feliz porque tenho pai e mãe vivos. Triste porque eles já não têm a mesma saúde e vigor dos bons tempos da minha mocidade.
A matemática da vida é cruel e inversa, quanto mais soma o tempo que vivemos, mais subtrai o tempo nos resta, enquanto que a medida que adicionamos bons sentimentos, multiplicamos nossas qualidades e nos conformamos com a subtração do tempo que nos resta.
Mauro de Oliveira
01/01/2002
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