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Artigos-->Dr. Miguel e "seu" banco -- 15/10/2005 - 17:45 (Paulo Maciel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Dr. Miguel e seu banco (*)





Sua mente e seu espírito não conheciam horizontes.

No afã de modernizar o banco, de alcançar altos níveis de eficiência e produtividade, ele introduzia as melhores técnicas disponíveis, inclusive gerenciais, e experimentava máquinas e equipamentos recém lançados no mercado nacional.

Ao lado da expansão física da empresa, que perseguiu denodadamente, sua grande preocupação era com o estabelecimento de padrões éticos e morais na condução dos negócios da instituição.

Nesse sentido, fixou políticas e diretrizes inspiradas em elevados princípios para moldar todas as atividades do Banco. Jamais perseguiu o "lucro a qualquer preço", que julgava um conceito imoral e continha as atitudes gananciosas dos agentes, preocupado com o mau exemplo e a satisfação dos clientes.

Pode parecer extraordinário aos que não o conheceram que, cinco décadas depois de haver assumido a direção do Banco Econômico, e vinte e quatro anos após sua morte, a presença de Miguel Calmon seja tão nítida àqueles que conviveram com ele, ou que trabalharam sob seu comando, como é o meu caso.

Mas, esse é um fato absolutamente natural, pois dr. Miguel, mais do que um facho de luz na escuridão, que era o meio empresarial brasileiro, iluminou o caminho de muita gente e enriqueceu a vida e os valores dos que estiveram a seu lado.

Suas realizações à frente do banco são simplesmente notáveis sob qualquer ângulo que se aprecie.

Ao ascender à presidência, além da matriz, em Salvador, o banco possuía duas agências no interior da Bahia -Vitória da Conquista e São Félix - instaladas por seu pai, Góes Calmon, em 1930.

Quando a morte veio afastá-lo do seu posto, deixou o banco com uma rede de mais de oitenta agências, em nove estados, a metade delas plantada na Bahia.

Inovador, espírito inquieto, pioneiro em muitas iniciativas, foi suficientemente audaz para inaugurar no país a fase das incorporações bancárias, promovendo a absorção de um banco paulista de porte médio pelo seu então modesto Banco Econômico da Bahia, nos idos de 1954.

Além do ineditismo da operação, causou sensação nos meios financeiros a ousadia do banqueiro baiano, que pretendia, por esse meio, alavancar o crescimento de seu banco.

Não ficou por aí, contudo, sua ação nesse mercado: nos dez anos subseqüentes absorveu outros três bancos, com sedes em Maceió, Recife e Rio de Janeiro, respectivamente.

Sempre soube que o maior interesse da vida de dr. Miguel era o Banco Econômico, mesmo quando eu não passava de um jovem bancário que exercia suas atividades muito longe da presidência.

Todavia, não era necessário trabalhar com ele ou sequer conhecê-lo para saber disso. Todo mundo sabia e comentava a respeito, sobretudo para destacar os exemplos de parcimônia e austeridade que marcavam sua gestão.

Sua vida confundia-se com a do banco, e tudo o que ele fazia visava a prosperidade, o crescimento da organização.

Seus estudos, suas leituras, suas viagens, a troca da cátedra na Escola Politécnica da Universidade da Bahia (de Materiais de Construção para Organização Industrial), tudo era feito com a intenção de servir ao seu banco.

Tantos anos na sua direção - quase trinta - e ele jamais foi um banqueiro convencional. Além de não apreciar as atividades de concessão de empréstimos - que delegava aos escalões gerenciais - impedia que os demais diretores também tivessem competência nessa questão.

Entendia que ele e seus companheiros deveriam exercer funções de administração superior e não de administração de crédito.

Aliás, toda vez que emprestou dinheiro, emprestou mal: é que suas decisões nessa área geralmente beneficiavam prefeituras do interior e órgãos do governo estadual e destinavam-se à realização de obras e melhoria de serviços públicos.

Frequentemente, tais financiamentos eram feitos através de contratos de empréstimos em conta corrente, a prazo longo e juros baixos.

Não foi um banqueiro convencional porque foi, antes de tudo, um banqueiro de verdade.

Sem dispor de quadros profissionais no seu pequeno banco para apoiar a extraordinária expansão da rede de agências, foi um apóstolo no trabalho de formação dos homens que recrutava no interior, entre comerciantes e fazendeiros, para a gerência dessas filiais.

Através de reuniões periódicas, de palestras, cursos, manuais, cartas e bilhetes pessoais, que dirigia a esses improvisados gerentes, cuidava de doutriná-los a respeito do conceito e das técnicas do crédito bancário, pretendendo transformar cada um deles no "banqueiro de sua comunidade", como gostava de defini-los.

A propósito, lembro-me de que numa dessas reuniões um gerente levantou-se e disse a ele:

- "Dr. Miguel, eu acho que se emprestar muito dinheiro às pessoas elas vão ficar ricas".

Ao que ele prontamente respondeu, traçando o exato conceito de crédito do banco:

- "Nossa principal responsabilidade consiste em enriquecer as pessoas certas, aquelas que são capazes de enriquecer o país, criando empresas, gerando empregos e pagando impostos".

Se seu desempenho na criação e no aprimoramento dos serviços bancários foi fora do comum, sua performance como administrador foi, simplesmente, extraordinária!

Sob sua direção, o banco instalou serviço mecanizado, com máquinas IBM (hollerit). Isto, em 1951 e na Bahia!

Adotou programação visual avançada para todos os formulários e impressos do banco, criou cheque especial ("cheque garantido"), agência com drive in para que os clientes pudessem ser atendidos dentro de seus automóveis e uma agência feminina. Utilizou, em caráter permanente, os serviços de agência de propaganda e foi um precursor do crédito direto ao consumidor, através do plano de empréstimos parcelados a pessoas físicas, em até 10 prestações mensais.

Não obstante tudo isso, suas realizações como administrador são inimagináveis, para a época, e ainda hoje poucos são os empresários capazes de rivalizar com ele, mesmo quanto ao uso de técnicas agora consideradas modernas.

O próprio Ricardo Semler, conhecido por suas experiências renovadoras no mundo empresarial, terá coisas a aprender com dr . Miguel.

Para começar, e sem entrar em pormenores, vou descrever o que encontrei no banco, ao ingressar como auxiliar de escritório, em 1953.

Em primeiro lugar, uma grande surpresa: fui selecionado através de testes psicológicos - de inteligência, personalidade, aptidões e habilidades. Desde 1951 o banco contava com os serviços de uma psicóloga, a mesma, aliás, que se aposentou em abril passado, com quarenta anos de serviço!

No próprio local de trabalho, à Praça da Inglaterra, dispúnhamos de restaurante, a preços subsidiados, cooperativa de consumo, salão de jogos, gabinetes médico e dentário e biblioteca.

À beira mar, em Amaralina, e também a preços acessíveis, desfrutávamos de uma Colônia de Férias.

A depender do tempo de serviço podíamos contar com empréstimos simples e financiamentos para aquisição de casa própria e automóveis, a juros de 12% a.a., tabela Price. E todos já estávamos protegidos com seguros de vida em grupo e plano de complementação de aposentadoria, não contributório.

Poucos meses depois de admitido ao serviço do banco eu tinha a possibilidade de fazer duas coisas que me davam grande prazer: jogar futebol no seu time principal e publicar meus escritos num jornal interno - um house organ - que não sofria qualquer espécie de censura.

E, ao fim do meu primeiro semestre de trabalho recebi, a título de gratificação de balanço, mais de um mês de salário, em conseqüência de favorável avaliação de desempenho feita por meu chefe.

Tratava-se de um sistema de participação nos lucros da empresa que destinava vinte por cento desses aos empregados.

Todo esse vasto elenco de políticas de recursos humanos, voltado à valorização e ao reconhecimento da dignidade das pessoas, que serviam à organização, havia sido implantado por esse extraordinário Miguel Calmon que, para fugir à moda do paternalismo então vigente, adotou o sistema de co-participação no custeio dos benefícios e serviços e tratou de estabelecer critérios impessoais para sua concessão.

Essa é a face humana, social desse homem reservado e severo consigo próprio e com os outros, mas não é a que reflete suas características de administrador.

Nessa condição, ele foi mesmo um brilhante organizador e um insuperável realizador, habilidades que raramente se encontram reunidas numa só pessoa. I

E, coisa incomum nos dirigentes de empresa ainda hoje: embora possuísse em alto grau capacidade criativa, jamais deixou de ter ao seu lado, na condição de assistentes pessoais, homens brilhantes, talentosos, que o municiassem de novas e o ajudassem a

desenvolver e implantar projetos no banco.

Dos cinco assessores especiais que contratou em regime de tempo integral, um alemão, três que trouxe do Rio de Janeiro e o último, baiano, conheci e trabalhei com todos, menos com o primeiro, que já havia deixado o banco antes do meu ingresso.

Dr. Miguel sabia, como ninguém, utilizar todo o potencial de seus assessores e mantê-los permanentemente ocupados com numerosos projetos.

Essas pessoas não podiam ser especialistas e, efetivamente não eram, já que lhes cabia estudar e elaborar planos sobre todos os campos de interesse da presidência.

Quanto aos especialistas, ele não abria mão de seus serviços nas áreas de estatística, oontabilidade, psicologia, documentação, treinamento, desenho e jurídica. O banco possuía todos esses profissionais em seus quadros, além dos bancários de carreira, que dirigiam os demais serviços.

Desde o começo de sua gestão, ele condenou o sistema de tradição oral e fez com que todo o processo administrativo e operacional do banco fosse consolidado através de manuais de serviços e normas escritas.

Para esse efeito e zelando também pelos aspectos formais da organização, por várias vezes contratou empresas de consultoria.

Em pelo menos duas oportunidades, empregou os serviços do "Escritório Técnico João Carlos Vital", do Rio de Janeiro, e implantou projetos importantíssimos para a vida do banco, de autoria dessa empresa.

Ademais, em outros momentos, serviu-se de profissionais externos, a exemplo de professores brasileiros e americanos da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, consultores em educação, da O.E.A. e outros técnicos brasileiros, notadamente nas especialidades de treinamento e recursos humanos, com o objetivo de receber subsídios e idéias relacionadas com o desenvolvimento de pessoas e a racionalização dos serviços do banco.

Embora seja praticamente impossível destacar as contribuições mais importantes de dr. Miguel ao banco, sempre corro o risco de cometer uma injustiça ao apontar as duas que reputo superiores a todas as demais: a construção do espírito da empresa, mediante

a transmissão de seu código de valores e a formação dos quadros do banco.

Quanto a esse último aspecto, suas ações resultavam da convicção de que nenhuma empresa pode aspirar a perpetuidade e a excelência se não contar com um corpo de dirigentes e funcionários qualificados, motivados e com potencial para um desenvolvimento ilimitado.

Para alcançar esse objetivo ele comprometia recursos aparentemente incompatíveis com a capacidade de investimento do banco.

Embora não seja minha intenção relacionar todas as experiências que realizou nesse campo devo mencionar aquelas que marcadamente se distinguiram por sua repercussão e avanço técnico.

É nesse contexto, por exemplo, que se explica o fato de o banco, desde fins dos anos quarenta, haver-se filiado ao American Banking Association e" American Management Association, preciosas entidades americanas de apoio aos bancos e empresas dos Estados Unidos.

O objetivo de dr. Miguel com tal providência era receber catálogos de publicações e literatura técnica, editadas por aqueles institutos sobre assuntos bancários e de administração em geral, para sua leitura e dos demais executivos, material que se traduzia previamente para o português, já que quase ninguém possuía o conhecimento da língua inglesa.

Na década de cinqüenta ele montou um Departamento de Treinamento, inicialmente organizado e dirigido por um versátil funcionário de carreira e seu discípulo dileto, mas depois chefiado por famoso educador do Rio de Janeiro que se encontrava na Bahia

para criar o curso de administração pública na Escola de Administração da Universidade Federal e para conceber e dirigir o Instituto de Serviços Públicos.

Data dessa época, também, a criação de uma biblioteca especializada em assuntos bancários, comerciais, econômico-financeiros, jurídicos e de administração de empresas, organizada por documentarista de renome, advinda do Serviço de Documentação do ltamarati.

Através de especialistas e do Departamento de Treinamento estimulou a produção de inúmeros cursos destinados ao aperfeiçoamento de funcionários, notadamente caixas e chefes.

Apoiou a criação de uma Agência-Escola, um centro de simulação das operações de uma pequena agência bancária e aprovou a construção de um curso de formação de gerentes para o desenvolvimento de futuros administradores do banco.

Suas investidas mais avançadas nessa área consistiram no encaminhamento de jovens promissores para a realização de cursos especiais nas escolas de administração mantidas pela Fundação Getúlio Vargas, no Rio e em São Paulo, e para universidades e

estágios em bancos americanos. Nesse caso, a escolha recaia nos altos executivos do banco a quem ele esperava passar o comando da instituição.

O efeito prático dessas iniciativas veio a revelar-se nos anos setenta quando essas pessoas, sob uma nova presidência, e convocadas para um ambicioso projeto de expansão, responderam de modo eficaz ao desafio de transformar o banco num dos grandes conglomerados financeiros do país.

Acerca do esforço de dr. Miguel em moldar a empresa à sua imagem, ele foi, felizmente, bem sucedido: sua alma vive para sempre no espírito e na memória do Banco Econômico, o seu banco.

Junho de 1991



___________________________

(*) Prefácio do livro “Miguel Calmon

Sobrinho e sua Época”,de José Calasans



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