Nos bastidores dum teatro
Em acesa discussão
Após um longo serão
De deslumbrante aparato
Um violino mesquinho
Apoucava um cavaquinho
Com refinado mau trato.
Orgulhosamente ingrato
O erudito instrumento
Invejoso e avarento
Do cavaquinho sensato
Interpelava: caramba,
Pobre tosco, do teu samba
O mundo enjoa de farto.
És ridículo artefacto
Do trejeito popular
Que não consegue ofuscar
O meu prestígio intacto
De violino universal
Senhor e dono total
Da boa música de facto.
O cavaquinho no acto
Humilde e conciliador
Com dedilhado primor
Respondeu de imediato:
Sim, serás quase perfeito
Mas tens um grave defeito,
És vaidoso e insensato.
Além disso como és nato
De família de eleição
Não entendes a função
Do meu estilo pacato
E para mais agravar
Nem sequer sabes sambar
Com alegria e recato.
Guarda pois o teu dinheiro
E a presumida grandeza
Que eu prefiro a singeleza
Do meu amigo pandeiro;
Tu és dos deuses divino
E eu sou do povo em hino
Cavaquinho brasileiro!