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Contos-->História sobre quem? -- 10/03/2002 - 12:18 (Marcelo Rodrigues de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
História sobre quem?

Marcelo Rodrigues de Lima


Ele havia perdido toda à noite olhando velhos diários e fotografias. Estava nervoso. Tudo isso porque um velho amigo tinha lhe ligado há algumas horas atrás para contar que estava morrendo. O diagnóstico médico havia sido preciso. Tinha apenas mais alguns dias de vida.
O amigo doente queria um grande favor. Queria ir para a velha cidade onde cresceram. Tinham saído de lá logo após a formatura do colégio. Por coincidência ambos tinham parentes na mesma cidade grande, para onde se mudaram e até hoje moravam.
O estranho é que por quase dez anos eles não haviam se falado. Apenas algumas vezes, ou por morte de algum conhecido ou por alguma festa de aniversário. Unidos pelos extremos.
A questão é que ele queria sua companhia. Por isso estava olhando todas aquelas coisas velhas. Até o telefonema, estavam guardadas debaixo da escada. Saber que o amigo iria morrer fez com que lembrasse do passado, e como de muitas coisas não lembrava, acabou por olhar tudo aquilo. Mas mesmo assim sabia que não adiantaria. Havia esquecido o passado por completo, ou quase. Talvez se o amigo não tivesse lhe ligado , nunca mais se lembraria da vida que teve antes.
Ele não sabia como interpretar tudo aquilo. O amigo iria passar no dia seguinte, sábado, logo pela manhã para encontra-lo. Queria chegar o quanto antes. Foi até a geladeira e pegou uma garrafa de vinho que estava guardando para beber com a namorada no almoço de domingo. Voltou para a sala e com a TV sem som, em meio a todas aquelas tralhas, abriu e tomou a bebida, que a partir do segundo gole parecia mais água. Dormiu ali mesmo.
Antes que adormecesse, naquele estágio em que estamos um pouco acordados e um pouco dormindo, lembrou das palavras do amigo. Formam rápidas, simples e diretas. Não poderia ter sido diferente. Os discursos não são feitos para essas horas. E ele sabia que o amigo não iria fazer nenhum pela manhã, quando chegasse. Estava certo. Apenas tocou a campainha, esperou que abrissem a porta, disse o que usualmente se diz quando encontramos alguém pela manhã, e que não tenha dormido conosco e convidou que fossem logo.
Na estrada, Pedro dirigia. O outro apenas olhava pela janela. O motorista até agora não havia se perguntado por que justamente ele havia sido escolhido para aquela viagem. Por que o doente tinha ligado justamente para ele? E não se perguntaria. Existem coisas nas amizades, mesmo nas esquecidas, que não fazem sentido. Talvez se ele ao menos se lembrasse de fazer a pergunta, antes de faze-la, perguntaria se ela teria algum sentido. Talvez nem pensasse no sentido, questionaria se ela possuiria alguma importância.
O passageiro abriu o porta luvas, onde encontrou uma coleção de K7s e fingindo escolher, colocou qualquer coisa para tocar. No meio do caminho resolveram que deveriam parar em algum destes postos de gasolina grandes para tomarem café. Percorreram mais uns cinco quilômetros e viram um destes. Entraram, o que fez com que o frentista que estava lendo um caderno de esportes, se levantasse para atende-los. Logo sentou-se, já que viu que os dois eram conduzidos pelo carro para a frente do restaurante. Deve ter dito algumas palavras.
O motorista e o passageiro foram para o balcão. Os dois pediram a mesma coisa : café e alguns pãezinhos de queijo. O segundo, antes de provar, disse que iria ao banheiro e que voltava logo. O que ficou sentado olhava o café, queria esperar o amigo voltar para toma-lo juntos.

E assim termina a história. Nada mais a dizer sobre esses dois homens que estavam juntos em um posto de segunda no meio da estrada. Por que dizer mais? O que é que sabemos da vida de cada um para escrever? São só mais duas pessoas entre outras que por um motivo se unem novamente. Não sabemos por que o motorista estava tão triste, já que não se lembrava de quase nada do seu passado. Nem ao menos sabemos se o doente está doente mesmo. Talvez fosse uma grande mentira. Talvez, uma grande peça.
Mas para os que fazem questão de um final nas histórias, e não a sua própria, podemos dizer que o doente disse que ia ao banheiro mas na verdade foi ao carro pegar uma arma que havia escondido em meio aos K7s. Iria acabar com tudo ali mesmo. Podemos dizer que na verdade não existiam dois homens, mas sim um. E que tudo isso poderia ser descoberto com algum flash back que o futuro cadáver teria antes de dar um tiro na cabeça.
Escrever sobre duas pessoas que não conhecemos é mais complicado do que possamos imaginar e para ser bem sincero, não sei se acabaria tudo com um tiro na cabeça. Nem conheço o cidadão que quero fazer dar-se um tiro. Talvez os dois, se eu acho que na verdade são dois, poderiam chegar a cidade e em meio as velhas ruas e terrenos baldios onde brincavam de bola, tivessem lembranças gloriosas e o doente se fosse, deixando o outro com a vida mais feliz, já que a viagem que fez e que não entendia, agora lhe fizesse sentido. Teria encontrado o passado que havia esquecido, mesmo com um cadáver nos pés.
Também podemos dizer que depois o passageiro voltou do banheiro para começar a tomar café com seu amigo. Podemos dizer o que quisermos, não os conhecemos mesmo.
Mas de repente, a pessoa que estava escrevendo está história, sente-se surpreendido pela frase:
- Não acabou de escrever essa história ainda? Temos que pegar a estrada.
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