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Artigos-->Espelho, Espelho Meu -- 13/10/2005 - 14:15 (Ivan Guerrini) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
“Às vezes as pessoas são assim, enganadoras. Cantam as canções dos outros sem nem saber o que as mesmas dizem” (Carlos Castaneda em “A Erva do Diabo”)



Bom dia, espelho. Na verdade, anseio por um bom dia. Tive uma péssima noite, muito agitada e com sonhos horríveis. Imagine você que eu sonhei que eu estava perdendo meu poder na universidade, meu púlpito tão precioso. Coisa de louco, credo! Sonhei que eu não ocupava mais cargos que ocupo há vinte anos e que não podia mais falar como uma matraca nas reuniões, quando eu quisesse, da forma que quisesse e por cima da fala dos outros, como eu tanto gosto. Como pude sonhar uma bobagem dessas? Sonhei que uma voz grave e ecoante me dizia que ocupar sempre os mesmos lugares traz uma simbologia de estar estagnada na vida, atraída pela obstinação de não mudar. Que é isso, espelho meu? Pesadelo dos pesadelos? Sonhei que algumas pessoas, atrevidíssimas por sinal, ousavam perceber essas coisas e sacar que meu interesse pelas vírgulas era um disfarce para minha ignorância em assuntos mais profundos. Que absurdo! Quem deu esse poder a eles? A erva do diabo? Você pode me responder, espelho? Sonhei que o supra sumo da especialidade na ciência reducionista na qual me titulei com distinção e louvor, tendo usado tanto para doutrinar alunos, não estava mais na crista da onda, e que agora o paradigma é outro. Você pode imaginar o tamanho da “nhaca” de pesadelo, meu caro espelho? Num momento de terror do sonho, eu vi as pessoas começando a perceber nossas mais camufladas e sórdidas tramóias, aquelas que englobam os drásticos pareceres para a gentalha que nossa gang quer ferrar. A voz me falou de um tal de efeito bumerangue que me espreita e aos meus asseclas. Isso me encheu de pavor! É verdade, espelho? Pior, sonhei que meu apoio incondicional lá de cima já não podia me ajudar muito. Estou aflita, desesperada. Olha, espelho, sonhei até que vieram me dizer que minha atuação faz ressonância com os políticos corruptos só porque apoio alguns trambiques da nossa “tchurma”. A voz ainda falou que, em meio a tudo isso, eu sou muito inconveniente, deseducada e despótica. Tem idéia da afronta? Sonhei com assombrações também, meu querido espelho. É verdade, sonhei que essas assombrações eram bem parecidas com aquele tal de Jetson, ou melhor, Jefferson, sei lá, o cara do outro mundo. Aquele que fala sem medo, mesmo de olho inchado. Me diz, meu servo fiel, você acha que é possível existir pessoas que podem denunciar o que sempre fizemos nas caladas da noite? Que sonho medonho esse! Depois, ainda sonhei que alguns alunos também já estão sacando nossos movimentos escusos. Sonhei, olha o absurdo, que, em que pese minhas enfáticas pregações reducionistas, alguns desses alunos já estão falando de participar em congressos alternativos sobre complexidade e física quântica na saúde. Onde eles estão com a cabeça? Não sabem que isso tudo é bobagem das grandes, pura pseudociência como afirmam nossos comparsas? E os nossos congressos de ultra especialidades que os órgãos de fomento aprovam em bloco, onde ficam? Querem enterrar o feudal espírito cartesiano, nosso grande deus? Que audácia! Foi isso que me veio à cabeça quando acordei: que mundo é esse que meu sonho mostrou? Pensei, enquanto ainda na zona de transição para o concreto que eu adoro tanto: será que eu estou louca o suficiente para admitir que chegamos ao ponto que Capra chamou de mutação? Ou à massa crítica de Redfield? Será possível que aqueles colegas malucos teriam alguma razão? Recuso-me a crer! E aí? Você vai ficar aí me olhando desse jeito? Exijo uma resposta sua, agora! Diga-me: há alguém neste mundo mais admirável, mais esperta do que eu? Minha querida e infame rainha, para seu desespero a resposta é sim. Você e os prosélitos que conseguiu não reinam mais absolutos do que jeito que sempre fizeram. Os tempos mudaram. Mas há duas notícias em relação à fabula original que preciso lhe dizer, uma boa e outra ruim. A boa é que, como você está hoje, nem vai precisar da poção de asas de morcego e unhas de urubus para se transformar na bruxa malvada. A ruim é que, como no conto original, não vai adiantar nada você chamar o caçador para mudar os prenúncios do seu sonho.



(texto publicado originalmente no Jornal Campus & Cidade, UNESP, Campus de Botucatu, edição de agosto de 2005)
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