MOLDURA VAZIA, MÃE AUSENTE
J.B.Xavier
Você, que me lê agora,
Perdoe as saudades e lembranças de um pobre viandante,
Extenuado de forças, já quase ao fim de sua jornada.
Um viandante
Que tem andado pela longa estrada da vida,
Muitas vezes caminhando sem rumo,
Outras vezes, indo depressa demais.
Um viajeiro
Que muitas vezes desejou mais do que concedeu,
Foi amado mais do que amou,
E outras tantas
Sorriu candidamente para o sorriso das crianças.
Um viajante
Que foi moldado nas mais duras forjas da vida,
E que, mesmo tentado,
Nunca se desviou de seus princípios,
Porque, ao final, seus princípios
São tudo o que ele tem.
Um viajante
Que, nas mais negras horas de solidão
Voltava a olhar a bússola dos conselhos
Que ouviu na infância.
São fracas as imagens,
Mas ainda baila na memória cansada,
Um menininho sentado na cama,
Ouvindo enlevado as orações que lhe eram ditadas,
As orientações
Que lhe eram cuidadosamente incutidas
Para que seu uso fosse lembrado pelo resto da vida.
Ainda estão frescas
As lembranças do café da manhã
Na mesa carinhosamente posta, me aguardando,
Quando eu, sonolentamente, ia pra a escola...
Ainda sinto os cheiros das deliciosas comidas,
E o burburinho dos jantares familiares
Ainda soa em meus ouvidos.
Custo a acreditar que os anos foram se amontoando
Sobre uma felicidade fugaz,
E, como montes de pedras,
Foram apagando os vestígios de uma infância feliz...
Mas, quando interrompo minha jornada, como agora,
Para tomar notas sobre meu percurso,
É inevitável que meus pensamentos deslizem
Para os verdes anos de minha juventude alvissareira,
Quando meu norte
Foi pouco a pouco sendo definido
E orientado para a retidão,
Para a honestidade e para o amor.
Ainda hoje cândidas palavras gorjeiam
Como suaves cânticos de pássaros,
E o hálito perfumado de um beijo de boa noite,
Ainda bafeja meu rosto
Com as asas diáfanas de uma linda borboleta.
E, com os conselhos do fim do dia,
As orações onde eu pedia amor para todas as criancinhas,
E o doce beijo de boa noite,
Eu dormia o sono dos anjos,
Sabendo que um amor maior que todos,
Velava por meu sono.
Você, que me lê agora,
Perdoe, portando, este viajante cansado.
E a lágrima teimosa que insiste em ganhar a liberdade,
E que, por ardente que seja,
Ainda fica muito distante
De todas as que ele terá que verter
Para suportar a ausência querida,
E por ter tentado traçar nestas linhas,
Ainda que toscamente,
O retrato de sua própria mãe....
* * *
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