Da criança
maria da graça almeida
Criança é surpresa, é descoberta. Não se abate pelo tédio, não se oculta em segredos, nem tem razão para o remorso. Permite-se ousar, por isso pratica os sonhos, com a mesma serenidade com que adormece.
Quando não sabe, inventa; quando não pode, imagina; quando desconhece, descobre.
Aquilo que, para nós- os já saturados de realidade - é absurdo, para ela é normal, natural. Suas possibilidades ainda não foram poluídas ou influenciadas pela racionalidade humana, nem pela indocilidade urbana, ou pela crueldade social.
Ao ouvir alguém se afirmando impaciente com crianças, sinto um profundo estranhamento. Para lidarmos com elas não é preciso ter paciência, só o amor é necessário. A paciência é imprescindível no trato com adultos já embrutecidos por pré-conceitos, formulações neurotizadas, anorexia da ideologia, intolerância com a vida, com o próximo e, sobretudo, consigo mesmo.
Aos três anos, Felipe, filho único, queria um irmão. Remexeu o armário das panelas. Colocou-as no chão e, com a colher-de-pau, acreditava cozinhar.
Compenetrado, explicou à mãe:
- Vou fazer um irmãozinho.
Empreendia a batalha para a realização do desejo, uma ação positiva, advinda da certeza do querer: eu quero e faço, não espero por ninguém. Eu quero e consigo, ou, dou-me o direito e a oportunidade de tentar.
Ainda que não tenha verbalizado o pensamento, sua ação, por si , veemente, proferiu o discurso.
Se, para conquistar seus objetivos, os adultos arremetessem-se à luta, por certo as realizações estariam mais presentes em suas vidas.
O equívoco da manobra não invalida a tentativa e nem frustra o manobreiro, uma vez que, a cada experimento, saímos reforçados nos propósitos e sentimos plena a nossa determinação.
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