Suplemento Megazine do jornal "O Globo", 27 de setembro de 2005
Crise política a cada dia mais explosiva, uma palavra de ordem anda nas bocas de um grupo de estudantes: é “Fora...”. Pensou em Lula? Nada disso. O grito é “Fora todos” e representa bem o que pensam seus criadores, os membros da Conlute. A Coordenação Nacional de Luta dos Estudantes realizou seu primeiro encontro, no Fundão, em maio do ano passado, com 1.500 participantes. Mas a recém-nascida organização já quer se tornar uma entidade para fazer frente à quase septuagenária União Nacional dos Estudantes.
— Queremos ajudar a construir uma democracia. Essa que está aí não é a nossa democracia. Acreditamos no socialismo e na revolução, mas Cuba, por exemplo, não é uma referência para nós. Estamos indignados com tudo o que está acontecendo. Daí o “Fora todos” — diz Júlia Eberhardt, de 25 anos, uma das “organizadoras” da Conlute. — Sou organizadora... Nós não queremos ter um presidente. Não queremos personalizar o movimento numa só pessoa.
Júlia era da diretoria executiva da UNE até janeiro deste ano, quando ela e outros integrantes do PSTU decidiram romper com a UNE e com a Ubes. Na época o embrião da Conlute já existia, mas a idéia de criar, pela primeira vez desde há muito tempo, uma entidade estudantil alternativa à UNE ainda não havia sido tomada.
— A insatisfação dos estudantes é tanta que, na última plenária que fizemos, apareceram sete teses de por que deveríamos romper com a UNE — conta Roberta C. Maiani, de 24 anos, do Centro Acadêmico do curso de história da UFRJ.
Mas se a Conlute também tem integrantes ligados a um partido político — não só ao PSTU, mas a outros movimentos como a Organização Marxista Proletária, a Liga Estratégia Revolucionária e outros — qual é a diferença da organização para a UNE?
— A UNE perdeu o contato com os estudantes, com a sala de aula. Há tempos já existe uma burocratização. A UNE passou a ser conhecida dos estudantes por causa da carteirinha. Quando passou a integrar o governo Lula, ficou pior — diz Julia.
A Conlute quer dar mais peso às “necessidades cotidianas dos estudantes”, sem deixar de discutir a situação política e econômica nacional.
— As entidades precisam estar ativas diante de problemas como a biblioteca do IFCS, que ficou fechada por dois anos e meio. Agora estamos lutando por um bandejão na UFRJ — diz Pamela Kopp, de 21 anos, também do CA de história da UFRJ.
Integrante da UNE quando a entidade foi reconstruída em 1979, o coordenador do curso de história da UFRJ, Carlos Ziller, admite que já discutiu com os alunos por causa da Conlute.
— O que eles estão fazendo é partidarizar demais o movimento. Estão brigando com as forças políticas que estão no poder, mas é precipitada uma dissidência porque o governo é passageiro — diz o professor, contando que acredita só ter ocorrido situação parecida na UNE nos anos 50. — Mas na época a dissidência era de direita e chegou ao poder.
Ziller diz que a UNE foi mais forte quando os estudantes estavam unidos em torno de causas como o combate à ditadura e a redemocratização.
— Depois surgiram outros atores, como os operários nas greves do ABC em 1982, e a atenção se voltou para outros grupos. Nos anos 90, com o “Fora Collor”, houve um surto de fortalecimento da UNE. Mas hoje a situação nacional é muito confusa. A corrupção não é novidade na República e a crise não é o suficiente para reproduzir aquelas reações — diz Ziller, que acha normal o aparecimento de uma organização como a Conlute. — Se não existissem movimentos como esse, seria estranho.
Mas se a UNE é considerada governista desde que o PT chegou ao poder por que o rompimento só ocorreu recentemente? A resposta é Reforma Universitária.
— Quando o governo lançou o primeiro texto da Reforma Universitária, os diretores da UNE que não eram do PCdoB discordaram de todos os itens. A reforma é a privatização do ensino. Mas o grupo do PCdoB marcou “aprovar” em vários pontos do documento e “avaliar” — conta Julia, que trancou a matrícula de pedagogia na UFRJ.
Apesar de participarem da Conlute entidades como os DCEs da UFRJ, da Rural, da Federal de Goiás e da Estadual de Maringá, além de centros acadêmicos e grêmios, Julia diz que é difícil fazer frente à UNE:
— A UNE tem quase 70 anos, os congressos reúnem milhares de pessoas... É difícil competir.
Rio, 27 de setembro de 2005
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MEGAZINE
O protesto que partiu
A Conlute não se trata de um racha da UNE. A afirmação é da assessoria de imprensa da entidade, que explica que os membros da Conlute representam um partido, o PSTU, enquanto cerca de “15 forças políticas continuam fazendo parte da UNE”. A assessoria acrescentou que o Congresso da UNE, entre 29 de junho e 1 de julho, em Goiás, reuniu 15 mil pessoas e que a Conlute tentou realizar um evento paralelo, mas não conseguiu por falta de quórum. O presidente da UNE, Gustavo Petta, não retornou as ligações da Megazine e não opinou sobre a Conlute.
Organizadora da Conlute, Julia Eberhardt diz que, apesar de membros da coordenação serem do PSTU, a futura entidade é baseada nos diretórios estudantis, centros acadêmicos e grêmios. Para ela, as notícias de que a UNE recebeu R$ 1,1 milhão do governo este ano e que estudantes viajaram em um Boeing 707 da FAB só reforçaram o que todos sabiam:
— A UNE está distante dos estudantes — diz Julia, lembrando a participação da entidade na manifestação pró-Lula em agosto, em Brasília.
Pesquisador do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, Américo Freire diz que o surgimento de uma entidade que se opõe à UNE não é um fenômeno isolado do movimento estudantil:
— É normal os integrantes dessas organizações serem ligados a partidos. É assim no mundo todo — diz Américo.
Para o pesquisador, a UNE e os sindicatos foram importantíssimos durante a reconstrução da democracia, mas depois disso a tendência tem sido um refluxo dos movimentos sociais:
— Em conjunturas mais críticas os movimentos sociais ficam unidos para combater o mesmo inimigo — explica o professor.
Na opinião de Américo, tanto a UNE como a CUT ficaram mais próximas do governo, o que desagradou os grupos mais à esquerda.
— A esquerda se sentiu isolada e está respondendo assim — completa Américo.
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Rio, 27 de setembro de 2005
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A CONLUTE
O QUE É: - Ainda não é uma entidade, mas tornar-se uma é o objetivo de seus integrantes. Os universitários dizem que a Coordenação Nacional de Luta dos Estudantes “articula as lutas” que estão acontecendo nos DCEs, centros acadêmicos e grêmios estudantis.
HIERARQUIA: - Os integrantes não acreditam em eleger um presidente para não “personalizar” o movimento. “São as entidades que estão na base e que representam a Conlute”, explica Roberta C. Maiani, de 24 anos.
AÇÕES: - A Conlute já organizou dois encontros. Um na Ilha do Fundão, em maio de 2004, com 1.500 participantes. E outro no Fórum Social Mundial, em janeiro deste ano, em Porto Alegre, com 1.200 pessoas.
QUEM SÃO: - A maioria dos participantes é ligada ao PSTU e o grupo optou por ter o Rio de Janeiro como base principal.