(Tom estridulante de som de clarins).
(O coro entoa):
_Glória a Deus! Deus está aqui!
_As graças são benditas!
(A legião de anjos com batinas alvinhas de debruns dourados).
Lindas luminárias.
Lustres multicoloridos.
Vitrais que lampejam o céu.
O altar flamejante.
O púlpito adornado.
Vasos de flores em todos os recantos.
(Entram os presbíteros vestidos a caráter)
(Os fiéis fazem uma interminável salva e palmas).
-Nós vos abençoamos em nome de Deus Nosso Senhor Todo Poderoso!
-Aqui é a casa do Senhor onde todos serão ungidos. Deus seja louvado!
-Aqui é o Paraíso. Daqui todos sairão sem mácula... se se arrependerem dos pecados!
(Os cantos, os acordes de piano, os sons do clarim ecoam pelo templo).
(As tarjas douradas, o coro entoando cantos de louvor e o olor dos perfumes dão uma sensação de se estar no céu).
"É aqui o Paraíso. Deus está presente invocado por seus emissários: os pastores".
UMA HORA, DUAS HORAS TRÊS HORAS E O PANO SE FECHA. ACABA O ESPETÁCULO.
O HOMEM RETORNA À SUA REALIDADE.
(Chega em casa. Abre a porta do barraco)
(A favela, a palafita, o mocambo caindo aos pedaços como sempre).
O CÉU ABERTO AO ESGOTO. OS RATOS CORRENDO EM BUSCA DE LIXO. OS URUBUS EM VÔOS RASANTES ORIENTADOS PELO CHEIRO NAUSEABUNDO.
_E a oferta que eu dei? - murmura acabrunhado - E a bênção que o pastor invocou com a mão posta em minha cabeça? Ele prometeu que eu não voltaria ao inferno!
VAI À COZINHA E VÊ PANELAS VAZIAS.
OS RATOS CORRENDO SOBRE O BARRACO DETERIORADO.
O ESGOTO ESCORRENDO EM SUA PORTA.
OS FILHOS REMELENTOS CHORANDO COM A FALTA DO LEITE.
(Com a mão sobre o coração, desesperado):
_Cadê Deus que vislumbrei agorinha no templo.
_Estou outra vez no inferno. Aquele céu é momentâneo!
_O céu é somente lá dentro do templo, mas não posso morar lá!
_Moro num inferno de onde jamais sairei!