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Artigos-->FERNANDO PESSOA E GEORGE STEINER (Uma polémica no Fórum) -- 18/09/2005 - 07:58 (Daniel Cristal) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
----- Mensagem original -----

De: Vera Mussi

Para: a.miramar@clix.pt

Enviado: domingo, 4 de Setembro de 2005 18:54

Assunto: REPASSO MAGNÍFICO TEXTO APRESENTADO NO
FÓRUM DOS MESTRES APRENDIZES
por - ARMANDO FIGUEIREDO - CONFIRAM ! -*** copiado e colado por VERA MUSSI

SÓ ISSO ! ( UM RABISCO MEU , MUITO MEU .... PARA VOCÊ QUE ESTÁ LENDO ESSA MENSAGEM ) um domingo feliz ! BJS vera



Mensagem: 10

Data: Sun, 4 Sep 2005 11:39:23 +0100

De: "ArmandoFigueiredo"

Assunto: POESIAS DE ÁLVARO DE CAMPOS



POESIAS DE ÁLVARO DE CAMPOS



*



Mestre, meu mestre querido,

Coração do meu corpo intelectual e inteiro!

Vida da origem da minha inspiração!

Mestre, que é feito de ti nesta forma de vida?



Não cuidaste se morrerias, se viverias, nem de ti nem de nada,

Alma abstracta e visual até aos ossos.

Atenção maravilhosa ao mundo exterior sempre múltiplo,

Refúgio das saudades de todos os deuses antigos,

Espírito humano da terra materna,

Flor acima do dilúvio da inteligência subjectiva...



Mestre, meu mestre!

Na angústia sensacionalista de todos os dias sentidos,

Na mágoa quotidiana das matemáticas de ser,

Eu, escrevo de tudo como um pó de todos os ventos,

Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe de mim!



Meu mestre e meu guia!

A quem nenhuma coisa feriu, nem doeu, nem perturbou,

Seguro como um sol fazendo o seu dia involuntariamente,

Natural como um dia mostrando tudo,

Meu mestre, meu coração não aprendeu a tua serenidade.

Meu coração não aprendeu nada.

Meu coração não é nada,

Meu coração está perdido.



Mestre, só seria como tu se tivesse sido tu.

Que triste seria como tu se tivesse sido tu.

Que triste a grande hora alegre em que primeiro te ouvi!

Depois tudo é cansaço neste mundo subjectivado,

Tudo é esforço neste mundo onde se querem coisas,

Tudo é mentira neste mundo onde se pensam coisas,

Tudo é outra coisa neste mundo onde tudo se sente.

Depois, tenho sido como um mendigo deixado ao relento

Pela indiferença de toda a vila.

Depois, tenho sido como as ervas arrancadas,

Deixadas aos molhos em alinhamentos sem sentido.

Depois, tenho sido eu, sim eu, por minha desgraça,

E eu por minha desgraça, não sou eu nem outro nem ninguém.

Depois, mas porque é que ensinaste a clareza da vista,

Se não me podias ensinar a ter alma com que a ver clara?

Porque é que me chamaste para o alto dos montes

Se eu, criança das cidades do vale, não sabia respirar?

Porque é que me deste a tua alma se eu não sabia que fazer dela

Como quem está carregado de ouro num deserto,

Ou canta com voz divina entre ruínas?

Porque é que me acordaste para a sensação e a nova alma,

Se eu não saberei sentir, se a minha alma é de sempre a minha?



Prouvera ao Deus ignoto que eu ficasse sempre aquele

Poeta decadente, estupidamente pretensioso,

Que poderia ao menos vir a agradar,

E não surgisse em mim a pavorosa ciência de ver.

Para que me tornaste eu? Deixasses-me ser humano!



Feliz o homem marçano,

Que tem a sua tarefa quotidiana normal, tão leve ainda que pesada,

Que tem a sua vida usual,

Para quem o prazer é prazer e o recreio é recreio,

Que dorme sono,

Que come comida,

Que bebe bebida, e por isso tem alegria.



A calma que tinhas, deste-ma, e foi-me inquietação.

Libertaste-me, mas o destino humano é ser escravo.

Acordaste-me, mas o sentido de ser humano é dormir.



*



in Fernando Pessoa antologia poética (Ulisseia Ed.)





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Subject: Re: REPASSO MAGNÍFICO TEXTO APRESENTADO NO
FÓRUM DOS MESTRES APRENDIZES
por - ARMANDO FIGUEIREDO - CONFIRAM ! -*** copiado e colado por VERA MUSSI



Querida amiga Vera Mussi,

o seu gesto surpreendeu-me. A sua sensibilidade é extraordinária por destacar esta poesia como aqui fez. Esta poesia não é facilmente inteligível, nem sei se todos os que a lêem, a entenderão. Estou convencido que não, isto é, não entenderão em todas as suas múltiplas dimensões e formas. Esta poesia é uma das mais belas pela profundidade do pensamento de Fernando Pessoa. É algo dúbia também, pois não explicita quem é seu mestre, porém para quem o analisa bem, todos os mestres são o seu mestre; contudo para sê-lo, é preciso traí-lo(s).

Na relação entre discípulo e mestre, há três formas ou estruturas para descrever essa relação, segundo um dos maiores pensadores do nosso tempo George Steiner (ele cita Fernando Pessoa, mas não nesta poesia): a autodestruidora na dependência servil, a traidora pelo desrespeito, e a erótica (com sentido de troca, osmose e aprendizagem mútua). É um drama que afecta os grandes criadores, física e psicologicamente.

Alguns discípulos são incapazes de viver após a morte dos seus mestres; Platão abandona Sócrates na hora da morte deste, Wagner desrespeitará o seu «magister» Fausto; e na relação pelo «eros», lembremos Alcibíades e Sócrates, Heloísa e Abelardo, Arendt e Heidegger.

O caso de Judas é dúbio; não era ele o discípulo que mais amava Cristo? E mesmo assim traiu-o apenas por interesse egoísta e vão; todavia, este caso não se encontra na dimensão dos casos retrocitados.

Hei-de voltar ao assunto.

Armando Figueiredo



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----- Mensagem original -----

De: Vera Mussi

Para: a.miramar@clix.pt

Enviado: domingo, 4 de Setembro de 2005 23:

Assunto: Armando Figueiredo - retribuindo especial atenção - Vera Muss

Prezado Armando , pretendo assimilar o seu comentário abrangente e para mim veio acrescentar muito !

Sou Leitora atenta sempre que Fernando Pessoa " aparece " à minha frente ! rsrsrs

Rara a oportunidade que tenho de ler todos os textos do Fórum .

Mas tive a oportunidade feliz de " pegar " essa riqueza literária .

Vale dizer que , esse MESTRE que o poeta Pessoa questiona em todos os versos , abriu-me os " olhos de ver " e os "ouvidos de ouvir " !!!!

Tocou-me a essência , onde o Espírito imortal se torna indestrutível .

Perdoa-me se estou abusando de sua boa vontade , insistindo nesse aspecto espiritual , onde o VERDADEIRO MESTRE , está "acima " de nós ,

humanos , demasiado humanos !!!



É bom acrescentar que suas valiosas ponderações servirão para um " estudo ", ora tão propício aos que possuem a alma sensível , como as nossas de POETAS !



Abaixo fiz uma simples RELEITURA dos trechos que me prenderam a atenção .

Em cada verso ,rimado ou não ,existe algo que traz à LUZ o objeto dos meus questionamentos !

Resta sempre algo mais a ser buscado ,

Esse é o eterno aprendizado !



Muito grata pela atenção e deferência pessoal .

Abraços

Vera



Concordo in totum :



Esta poesia é uma das mais belas pela profundidade do pensamento de Fernando Pessoa. É algo dúbia também, pois não explicita quem é seu mestre.





Mestre, meu mestre querido,

Coração do meu corpo intelectual e inteiro!

Vida da origem da minha inspiração!

Mestre, que é feito de ti nesta forma de vida?



Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe de mim!





Meu mestre, meu coração não aprendeu a tua serenidade.

Meu coração não aprendeu nada.

Meu coração não é nada,

Meu coração está perdido.



Tudo é esforço neste mundo onde se querem coisas,

Tudo é mentira neste mundo onde se pensam coisas,

Tudo é outra coisa neste mundo onde tudo se sente.





Porque é que me acordaste para a sensação e a nova alma,

Se eu não saberei sentir, se a minha alma é de sempre a minha?

A calma que tinhas, deste-ma, e foi-me inquietação.

Libertaste-me, mas o destino humano é ser escravo.

Acordaste-me, mas o sentido de ser humano é dormir.





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[o_forum_dos_mestres_aprendizes] Fw: Armando Figueiredo - retribuindo especial atenção - Vera Mussi



Estou seguindo a discussão literária de ambos e espero pela continuidade.

Um tema empolgante, rico e profundo. Apesar de estar dentro da área literária, abarca muito mais . É intenso no sentido ético, psico-social (relacionamentos)pedagógico, religioso, e mais ainda outras tantas áreas, se formos seguindo em frente na medida da profundidade. Já uma vez discutindo entre amigos esta poesia, falamos que ela bem dizia do "preparo"para a vida, ofertado pelos mestres que passam seus conhecimentos, com seus subjectivismo e vivências. Absorvemos isso e passamos em frente mas também vivemos o que aprendemos. Estamos todos preparados igualmente para tais vivências?

Esta foi a questão que ficou no ar.

Agradeceria se recebesse os comentários que ambos trocam e se sentirem que não estou sendo inoportuna.

Abraços

Theca Angel



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Assunto: [o_forum_dos_mestres_aprendizes] Fw: Armando Figueiredo - retribuindo especial atenção - Vera Mussi



Vera Mussi, sempre simpática e acolhedora, coloca a questão em termos religiosos, creio assim ter lido. A ligação a Deus. A religação, a religião. É uma das dúvidas do sentido da poesia. Segundo Vera Mussi, só há um Mestre, que o Poeta diz ensinar «a clareza da vista», mas, a questão está na continuação da ideia:

Se não me ensinaste a ter a alma / com que a ver clara / Porque é que me chamaste para o alto dos montes / Se eu, criança das cidades do vale, não sabia respirar?» . A polémica começa exactamente nesta situação, a refutação. O discípulo queria mais, queria saber como ter a alma que torna as vistas claras. Algumas vezes, ao referir-se a Deus, chama-lhe Deus ignoto. Ora se é ignorado, não é possível com facilidade vê-lO, apreendê-lO, senti-lO em todas as coisas. É preciso aprender a vê-lO, e especialmente, «a ter a alma com que a ver clara». Se Ele o conduz até ao alto dos montes, ele aí sente-se em sufoco porque não lhe ensinou a respirar nesse sítio; é a destruição do aprendizado. Fernando Pessoa tende consequentemente para a apologia do profano. A felicidade é não pensar, é viver o dia-a-dia, comer, beber e dormir; assim se sente a alegria:



«Feliz o homem marçano,

Que tem a sua tarefa quotidiana normal, tão leve ainda que pesada,

Que tem a sua vida usual,

Para quem o prazer é prazer e o recreio é recreio,

Que dorme sono,

Que come comida,

Que bebe bebida, e por isso tem alegria.»



Mas o poeta não está neste estado espiritual, ele sente a profunda dor e sofrimento do homem místico como ele aprendeu a ser. É nesta situação extrema, que ele deseja ser deus, pairar acima de tudo, ser luz apenas. Incomunicável, insensível, quedo e sereno.



«Meu mestre e meu guia!

A quem nenhuma coisa feriu, nem doeu, nem perturbou,

Seguro como um sol fazendo o seu dia involuntariamente,

Natural como um dia mostrando tudo,

Meu mestre, meu coração não aprendeu a tua serenidade.

Meu coração não aprendeu nada.

Meu coração não é nada,

Meu coração está perdido.»



Pessoalmente, e dentro da aprendizagem que venho fazendo, penso que os mestres não são deuses, podem ser, quando muito, semi-deuses; podem até fazer parte integrante do grande Deus, sem O ser na sua plenitude. Certamente, partícula, chisco, à procura de ver a sua alma e a alma do mundo com clareza, e querem saber da alma que vê tudo com clareza, sabendo «respirar» nesse estado. Contudo, na poesia em questão, apesar de não haver exactidão explícita na dimensão de tudo o que se questiona, e colocando-nos dentro da nossa terrena conjuntura humana, também os melhores discípulos são os que os polemizam e refutam. No fundo, é o que se entende, a meu ver, pelos versos:



«Mestre, só seria como tu se tivesse sido tu.

Que triste seria como tu se tivesse sido tu.»



Seria triste ser igual ao Mestre, enfadonho, chato? Entre os mestres e seus discípulos, há terríveis episódios de traição. Mas há também lindos episódios de amor e fidelidade. Relatando um destes últimos, que são os que mais animam a alma: depois da morte de Kafka, o seu discípulo Max Brod deambulou como perdido pelas ruas de Praga. Vendo-o nesse estado, alguém perguntou a Brod qual a razão do seu choro convulsivo, e ele contou-lhe que Kafka morrera, e lhe pedira para queimar todos os seus livros (de Kafka).

- Se prometeste, tens de cumprir.

- Não percebes nada. Kafka foi um dos maiores escritores alemães de todos os tempos. Como posso destruí-lo?

- Max, tenho a solução. Por que não queimas tu os teus próprios livros?

Nenhum livro foi queimado.

Brod ficou para a posteridade como o grande salvador de Kafka, mas ignorado como escritor.

Armando Figueiredo



(Continuarei, se acharem por bem e se for questionado, como fez a querida Theca Angel...)



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----- Mensagem original -----

De: etrange

Para: a.miramar

Enviado: segunda-feira, 5 de Setembro de 2005 23:42

Assunto: [o_forum_dos_mestres_aprendizes] Fw: Armando Figueiredo - retribuindo especial atenção - Vera Mussi



Sem dúvida, vê-se os mestres como alguém que possui algo além daquilo que possuímos. Alguém que pode nos transportar a altos cumes, porém também nos deve preparar para esta alçada de vôo. Sinto que o poeta não se sentia preparado o suficiente e isto o fazia questionar-se, questionar o Mestre e sofrer.

Como pode um Mestre, ensinar a ter alma?

Talvez fazendo-a desenvolver-se através de experiências meditativas sobre as questões da vida, atividades empíricas que envolvam conceitos básico de moral, religião, sociologia...

Gosto exatamente desta polêmica que se desenrola quando se aprofunda o tema questionado pelo escritor. É fácil ler, os olhos se deslocam pelas páginas e vamos absorvendo bem pouco daquilo que ali está. Essa é a verdade. Buscar compreender o momento histórico-social em que foi escrito e o momento vital do escritor, enriquecem o que lemos e nos fornece subsídios para melhor entendê-lo.

Abraços ao amigo e à amiga Vera

Theca Angel



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----- Original Message -----

From: ArmandoFigueiredo

To: O FÓRUM

Sent: Tuesday, September 06, 2005 11:17 AM

Subject: Fw: [o_forum_dos_mestres_aprendizes] Fw: Armando Figueiredo - retribuindo especial atenção - Vera Mussi



[o_forum_dos_mestres_aprendizes] Fw: Armando Figueiredo - retribuindo especial atenção - Vera Mussi



O facto de Fernando Pessoa escrever na ambiguidade é característico do grande Poeta. Que o texto tenha muitas leituras possíveis, é também um sinal de amadurecimento artístico, que obriga o leitor a reflectir. Desde há quase um século que está em voga, o propósito de deixar a obra inacabada e plurissignificativa.

Nas poesias que celebram o Natal, é sintomático ver uma poesia dele, divulgada nessa ocasião a torto e a direito, poesia essa que estou convencido que ninguém verdadeiramente sabe o que quer dizer (aliás eu penso até que não é apropriada para essa época), vejam só:



NATAL



Nasce um Deus. Outros morrem. A Verdade

Nem veio nem se foi: o Erro mudou.

Temos agora uma outra eternidade,

E era sempre melhor o que passou.



Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.

Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.

Um novo deus é só uma palavra.

Não procures nem creias: tudo é oculto.



(Fernando Pessoa)



«Tudo é oculto» quer dizer que não é conhecido porque está escondido. Ninguém o mostra porque não se vê. E será que alguém descobre esse Tudo,e no-lo dá a conhecer perfeitamente? Se o descobrisse na sua plenitude, seria um homem feliz para sempre. Mas não, a subjectividade impera, um vê este Deus, outro vê Aquele. Na comparação, não coincidem, apenas se limitam a dizer: Deus é o Bem. Todos os deuses indicam o caminho do Bem. E se for preciso, por ambições imperialistas ou subversivas, mata-se para aniquilar o Deus dos outros. No mundo impera a idolatria igual a qualquer tempo profano ou pagão, e religião não é uma religação científica, plena e «visível». O Deus anterior é que era o Bom, refere Pessoa, e hoje vive-se a loucura da fé com o seu culto estatuído e estratificado. A trindade propalada, para alguns místicos, subverte e perverte a própria religação entre a alma e matéria no mundo como um todo indissociável.



Por isso, creio e dou razão a Theca Angel quando diz:



«É fácil ler, os olhos se deslocam pelas páginas e vamos absorvendo bem pouco daquilo que ali está. Essa é a verdade.»



Datar a vida do escritor, nem é tão bem assim que entendo a relevância do seu pensamento. «O momento vital do escritor, enquadrado no seu tempo.» O grande escritor não se enquadra no seu tempo, está sempre noutro mais avançado. Agora, o que me parece é que Fernando Pessoa morreu muito cedo, na meia idade dum percurso que deveria ser mais longo para evoluir no amadurecimento total duma vida que buscava o conhecimento integral. Faltou-lhe o tempo pós a meia idade, que na linguagem vinhateira deste Douro português, se traduziria pela fermentação depois da vindima, ou se quisermos figurá-lo doutra forma, diríamos que a vinha (excelente sem dúvida) precisaria de mais tempo e novas vindimas para dar vinho mais refinado. Mas, nessa eventualidade, nunca mais seria o mesmo Fernando Pessoa. E a tragédia seria essa mesma. Ele sentiu provavelmente que a sua glória estava na obra amadurecida do «seu» percurso. E o desassossego que sentia, não poderia continuar. Ou renasceria ou morreria. A morte foi uma opção também gloriosa. Ao contrário, renegar o que se foi, e tem necessidade de alterar, é um drama muito mais pungente. Agora uma aparte: algum dos discípulos que o elegeram como mestre, poderão dar-lhe continuação e aprender e ensinar, ou ensinar a aprender, a que a alma tenha asas.



Todo este arrazoado vem sendo desenvolvido, por causa duma leitura de George Steinner «Lessons of the Masters» (antropósofo já apresentado aos foruenses numa transcrição de duas páginas na Net). Diz ele, logo a abrir:



«Alguns mestres destruíram os seus discípulos, tanto psicologicamente, como em casos mais raros, fisicamente. Demoliram-lhes o espírito, roubaram-lhes a esperança e a individualidade e exploraram a sua condição de dependência. O domínio da alma tem os seus vampiros. Em contrapartida, alguns discípulos, aprendizes, subverteram, traíram, arruinaram os seus mestres. Uma vez mais, este drama apresenta vertentes não só psicológicas como também físicas. Recém-eleito Reitor, o triunfante Wagner desprezará um Fausto moribundo, seu antigo «magister». A terceira categoria é da troca, a de um «eros» construído numa base de confiança recíproca e, de facto, de amor (o discípulo amado da última ceia). Mediante um processo de interacção, de osmose, o Mestre aprende com o discípulo ao mesmo tempo que o instruiu(...). A relação pode incluir a clareza da visão e a insensatez do amor. Considerem-se Alcibíades e Sócrates, Heloísa e Abelardo, Arendt e Heidegger. Alguns discípulos revelaram-se incapazes de continuar a viver após a morte dos seus Mestres».

Armando Figueiredo



(Continuarei, se acharem por bem e se for questionado, como fez a prezada Theca Angel...)





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----- Mensagem original -----

De: Maria Lucia

Para: ArmandoFigueiredo

Enviado: terça-feira, 6 de Setembro de 2005 19:04

Assunto: Re: [o_forum_dos_mestres_aprendizes] Fw: Armando Figueiredo - retribuindo especial atenção - Vera Mussi





Peço licença a tão prestigiosas mentes, de pessoas a quem passei a conhecer através do elevado conteúdo dos escritos, e desta feita por comentários tão arrazoados quanto belos! Sei que não fui chamada ao debate mas, uma vez que participo desse conceituado espaço, faço-me presente nos atuais comentários para absorver conhecimentos, tanto como partilhar opinião acerca de tema tão interessante diretamente ligado ao meu objetivo desde que cheguei: aprender!

Posso estar equivocada, a obra dá margens para várias interpretações, já que a Verdade é como diamante sob o sol, emite raios infinitamente multifacetados! Caso um dia tenhamos acesso à plenitude Dela por certo não é no atual estágio de humanidade em que nos encontramos!

Nasce um Deus. Outros morrem...

Creio que com esta frase podemos entender que o poeta sentia semelhante ao que sentimos quando no natal permitimos que a lembrança de deus nasça mais forte dentro de nós, dando mais vida a um Deus meio ignorado por todos no afã do dia a dia! No que ele nasce (ou renasce em nossa consideração) em todo enternecimento pelo nascimento de Cristo (considerado em algumas religiões como o Deus que encarnou na terra) Penso que ele pressentia que sendo Deus a verdade Absoluta pairando sob nossa ignorância, Ele não vem nem vai... Ele é! Mas o erro mudou. Pois de alguma forma no transcorrer dos séculos mudamos... adquirimos mais percepções, desenvolvemos a inteligência e sensibilidade, deslocamo-nos mais da rudeza pura e simples! Temos agora outra eternidade, E era sempre melhor a que passou. (Sinto isso quase num êxtase, compreendendo a atemporalidade e ao mesmo tempo a profunda sensibilidade quase profética do poeta!) Entendo que ele quis dizer que a medida que despertamos para o verdadeiro conhecimento, na aquisição da Sabedoria, nos sentimos mais incomodados com a sensibilidade mais desperta, nos fazendo enxergar e registrar impressões que antes nem percebíamos, era bem mais cômodo quando ignorávamos uma gama de sentimentos e sobrevivíamos meramente por instintos! Ainda hoje é bem comum o saudosismo pela infância exatamente por ter sido a fase mais despreocupada da vida, onde as responsabilidades nos direitos e deveres não tinham o menor interesse para nós, tampouco nos chamava atenção! Ainda achamos que o passado é sempre a melhor fase da vida, quando a nossa melhor fase certamente há de vir, já que para ela nos encaminhamos!

Na minha simplicitude quando leio: Cega, a ciência a inútil gleba lavra, interpreto o pensamento dele criticando a ciência catedrática com imensas limitações em alcançar o sentido sutil do Divino, do Eterno... Assim como a fé cega idolatra deuses imaginários apenas para satisfazer o desejo intrínseco do ser humano em religar-se ás origens, tendo nela o seu Criador! Não procures nem creias: tudo é oculto. Sim para a ciência materialistas só o tangível é o real!

Queiram por favor perdoar-me a intromissão!



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From: Vera Mussi

To: o_forum_dos_mestres_aprendizes@yahoogrupos.com.br

Sent: Thursday, September 08, 2005 12:37 PM

Subject: Re: [o_forum_dos_mestres_aprendizes] ACERCA DE FERNANDO PESSOA



Chamou a minha atenção a " entrada " original e respeitosa de Maria Lucia , evidente figura humana que conhece o grau de cultura que nos atrai nessa Internet , especialmente o Fórum dos mestres aprendizes . Ainda acrescenta que dai participa para

APRENDER ! Esse é nosso intuito , também !



Peço licença para " sair " do diálogo cultural , pois saio de viagem por alguns dias .

Muito grata pela receptividade oferecida pelo Armando , Theca e Maria Lucia .

Abraços



Vera Mussi

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Sigo atentamente os questionamentos e medito.

Há muito que pensarmos à respeito e se principiamos do fim,ou do começo, sempre se chega a um ponto em que a interrogação persiste. A crença, os valores, a fé , de cada ser , as vivências aprendidas e acumuladas, nos fazem ver de formas diferentes , porém não se pode dizer que nenhuma delas seja absolutamente, errada.

Um abraço

Theca Angel



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----- Mensagem original -----

De: ArmandoFigueiredo

Para: O FÓRUM

Enviado: segunda-feira, 12 de Setembro de 2005 18:37

Assunto: [o_forum_dos_mestres_aprendizes] DEBATE SOBRE FERNANDO PESSOA



Durante esta cordata e simpática polémica, eu disse lá para trás que Fernando Pessoa morreu a meio do percurso, na meia idade. Hiperbolizei! Ele morreu quando teve que ser. Não era possível mais desassossego e cansaço. Nem mais nem menos, despediu-se sem um adeus, da sua qualidade terrena na altura própria. E a alegoria que criei acerca da vinha e do vinho, serve esta asserção outra. Ele morreu e renasceu, produziu e colheu 72 vezes (criou 72 heterónimos). Os mais conhecidos são Alberto Caeiro, Ricardo reis e Álvaro campos, além do ortónimo com que assinou a Mensagem? Todos diferentes na forma e na substância. Todos individualizados como fez questão de frisar. Quando acabou o seu múltiplo desmembramento da personalidade febrilhada, morreu o Poeta.



Contudo deixou muitas questões para reflectir sobre: por que nos atrai o misticismo do Oriente? Um budista ou um hindu nunca falaria de um «deus ignoto». Deus está dentro de nós, incorporado, faz parte, e é indissociável. Somos dEle e Ele de nós. Vemo-lO, sentimo-lO, e não só em nós como em todas as coisas visíveis e invisíveis deste Universo. Tentemos saber a razão por que o Ocidente se afastou do Oriente. René Descartes veio na 1.ª metade do século XVII, revolucionar os fundamentos de todo o conhecimento ocidental com a nova fórmula «a dúvida metódica». Buscou assim verdades irrefutáveis assentes na unidade da razão usada à maneira dos matemáticos. É assim que, com a raiz racionalista, nasce o subjectivismo e o idealismo da metafísica, dita moderna. Quando se começou a falar na preponderância da razão, separando-a da sua contrária «a crendice, a intuição, dedução e indução», gerou-se nessa ocasião a ideia de que o tempo cultural e civilizacional, após esta descoberta ideológica ou filosófica, seria diferente, ou seja, um tempo moderno em contraposição com o passado tempo medieval. Houve uma série de dissidências nos séculos seguintes dentro da Igreja Ortodoxa e resultou desta fractura, em pleno séc. XX, o ateísmo, e criou-se dentro da religião cristã, desde o cartesianismo, uma dicotomia, que nunca existira até aí. O cristianismo na época era equivalente teórica e praticamente ao islamismo e ao judaísmo, de ontem e de hoje, no concernente à ligação entre o Homem e Deus, ainda que os maiores profetas fossem reconhecidamente pessoas diferentes.



Foram os ocidentais que, ora ornamentando o Ser Perfeito com atributos dificilmente entendíveis, ora ocultando pela divisão separativa - completamente incompreensível - o mesmo Ser, que originaram a clivagem, e remeteram uma das partes para os estudos ocultistas, hermético, hermenêutico. Os que só consideram a matéria pesável, medível, quantificada e modelada, foram classificados como, primeiramente hereges, depois materialistas «ateus», e os que ficaram na dúvida deste novo método foram rotulados de agnósticos. Os outros, os crentes continuaram a acreditar e a aceitar a divisão, como renovado paradigma psicológico e doutrinário, assim interiorizado.



Retomando agora, mais de perto, o caso em questão: sabemos que o Mestre Fernando Pessoa, Poeta e Ensaísta, não era propriamente nem ateu nem agnóstico. Ele era um místico que avançou muito na teoria metafísica rosacruzista. Faz referências insuspeitas a ela na sua produção, como, todos os que conhecem, sabem. Esses estudos são parte muito fortalecida da criação poética produzida por ele, e nela reside muito do que grandioso e sedutor se encontra na sua surpreendente estética.



Vejam, então, como ele resolveria as suas angústias, as suas dúvidas viscerais, que lhe causavam desassossego e cansaço de viver: «Se ao menos tivesse uma religião qualquer!» ;

ou então que feliz seria se fosse inculto ou primitivo: «Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates, / Olha que as religiões todas não ensinam mais do que confeitaria. / Come, pequena suja, come!»

ou vejam como ele se distancia da humanidade e da flora, ainda que se contradiga com a humana recordação do homem morto da Tabacaria da sua rua:



«Hoje estou vencido, como se soubesse a verdade,

Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,

E não tivesse mais irmandade com as coisas

Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua

De dentro da minha cabeça,

E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.



Hoje estou perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.

Estou hoje dividido entre a lealdade que devo

À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,

E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.



Falhei em tudo.

Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.

A aprendizagem que me deram,

Desci dela pela janela das traseiras da casa.

Fui até ao campo com grandes propósitos.

Mas lá encontrei só ervas e árvores,

E quando havia gente era igual à outra.



Álvaro de Campos (TABACARIA)



Vejam finalmente o seu desapego pela emoção imediata: «Uma vez amei, Julguei que me amariam, / Mas não fui amado. / Não fui amado pela única grande razão - / Porque não tinha que ser.» Álvaro Campos.



Eu acho que o drama de Fernando Pessoa é mesmo esse, ter encontrado a alma, mas não ter sabido conviver com ela, «ela» como fazendo parte integrante da matéria - duas noções fundidas, indissociáveis e desse drama tudo nele era um permanente «desassossego» criativo. Sabendo da sua existência, ele não consegue desenhá-la e não sabe "respirar" com ela. Os orientais atrás citados não precisam de desenhá-la, porque respiram com ela. Desenham com ela, não a ela, vêem com ela, sentem-na em todas as coisas como nós sentimos o coração dentro de nós sem o ver ao mesmo tempo. É complicado entender o que digo? Ou entende-se bem? (Pergunto ao paciente leitor)...

A quem puder ajudar com contribuições críticas, fico grato, porque preciso constantemente de aferir as asserções explanadas.

Armando Figueiredo



Adenda: acabei de receber uma confissão duma pessoa que pediu o anonimato, mas que eu conheço:

« Poeta que se mostrava pessimista ( literalmente ) em quase tudo que escrevia , extremamente subjetivista diante da visão existencial. Não preciso dizer muito mais, senão, que convivi com uma irmã (...), extremamente inteligente , mas que diante da complexidade das escolhas que fazia em suas leituras, desistiu de VIVER !!!! Era leitora ASSÍDUA de FERNANDO PESSOA !! Não preciso acrescentar muita coisa mais !

Pasmem, é isso mesmo. Tentava o suicídio das formas mais cruéis, levou uma vida de EREMITA urbana. Trancou se em casa, e ESCREVIA muito , porém sempre perdida em questionamentos que não levavam a NADA !!! Tenho péssimas lembranças. Compreendam o que estou dizendo ,

Levou uma vida de autodestruição constante, terminou com remédios para dormir, depressão endógena, morreu sozinha de enfarte, sem socorro. Triste realidade ! isto que eu narrei não é segredo.

Eu também aprecio FP, porém, faço uma "crítica" subjetiva e aproveito o sentido dúbio em que o POETA se " perde ", exatamente onde eu me ENCONTRO! Na religião!

Bem diante desse ínfimo arrazoado, sinto-me de mãos atadas para enfrentar essa "discussão " poética - literária, pois estou diante de dois ícones do Fórum do Mestres Aprendizes, e já provaram nesse breve colóquio virtual! Um grande abraço amigo à Theca e ao Armando. »

Y.





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COM RECENTE POESIA DECLAMADA

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