A DEMANDA DO SANTO GRAAL
Obra de intenção religiosa, representando uma certa inversão de valores com relação à moral cortês que inspira as cantigas de amor. Ao passo que na lírica cortês se exalta o amor como caminho para a felicidade e a perfeição moral, na Demanda todo amor é considerado pecaminoso, e a virgindade recomendada como estado mais perfeito.
A idéia central da obra é o mistério da eucaristia, alimento espiritual e prelibação da vida eterna; é a sede infinita das almas à procura de Deus do sumo bem.
Corresponde a Demanda, precisamente a reação da Igreja católica contra o desvirtuamento da cavalaria. Os cavaleiros andantes feudais, não raro, acabam por se transformar em indivíduos desocupados, quando não, autênticos bandoleiros, vivendo ao sabor do acaso, amedrontando, pilhando, assaltando. A Demanda, cristianizando a lenda pagã do Santo Graal, colabora intimamente com o processo restaurador da cavalaria andante; caracteriza-se por ser uma novela mística, em que se contém uma especial noção de herói antifeudal. Novela a serviço do espírito renovador cavaleiresco, em que o herói também está a serviço, não mais do senhor feudal, mas de sua salvação sobrenatural.
Novela de alto vigor narrativo, onde cenas de tensão mística contracenam com outras de um realismo vivo e ardente. Nela estão presentes o lírico e o erótico, o fantástico e o mágico, o real e o imaginário se cruzando de modo surpreendente.
O NASCIMENTO DO REI ARTHUR
“Um dia teve corte o Rei Uterpandragon e ali foram todos os seus ricos homens com suas mulheres. E veio um Conde de Cornoalha e trouxe sua mulher que se chamava Igerna, e veio muito bem afeiçoada e muito ricamente aparelhada, e ela era a mais formosa mulher de toda a terra. E quando vieram à mesa, estando o rei a comer olhou-a e não pôde mais comer, tanto se apegou dela, e não fazia outra, se não olhá-la nos olhos. E pensou em seu coração que se com ela não ficasse que morreria. O conde seu marido, soube e levantou-se da mesa com sua mulher e foi para o seu castelo que tinha o nome de Tinteol. E o rei foi cercá-lo com toda a sua oste. E enviou por Merlin e veio a ele por seu conselho e teve o rei por mulher esta dona, e teve dela um filho que se chamava Arthur, o que disseram Arthur de Bretanha, onde ouviste falar que foi muito bom. Morreu Uterpandragon e reinou seu filho Arthur de Bretanha, e foi bom rei e leal, e conquistou todos os seus inimigos e passou por muitas aventuras e fez muitas bondades que todos os tempos do mundo falaram dele.”
Vem daí muita coisa que anda hoje na boca do público vulgar. De beleza indizível na Demanda são os nomes dos cavaleiros. Um elenco belíssimo de nomes e de porque desses nomes. Quase assim como quando inventamos nomes para as coisas. Se todos lêssemos a Demanda, sem dúvida, não enriqueceríamos em moedas de ouro, mas nos tornaríamos mais elouquentes.
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