O instigante e surpreendente livro “Um cadáver ao sol” editado pela Ediouro de autoria de Iza Salles nos revela uma surpreendente história.
Após ter editado vários jornais pelo nordeste do Brasil, todos com fundamentos no anarquismo sindical, Antonio Bernardo Canellas, um jovem brasileiro com 24 anos, torna-se o delegado do PCB no IV Congresso da Internacional Comunista em Moscou.
O livro trata das idas e vindas desse anarquista do inicio do século 20. Mas também nos revela de forma evidente as idiossincrasias da esquerda tanto na fundação do partido comunista como nos andamentos dos trabalhos na Internacional Comunista no seio da Rússia Bolchevista.
Iza Salles passeia pela Europa em sua narrativa e expõe uma esquerda cheia de contradições e uma vocação para centralizar o poder. Alguma coisa semelhante com os dias de hoje? Ao relermos algumas passagens entendemos o porquê de alguns desacertos e contratempos da esquerda nesse início de século. Então percebemos que não deveríamos estar surpresos com a lamaceira no planalto e o poderio de algumas figuras no núcleo duro do governo.
Antonio Canellas, em dado momento do Congresso, não sentido conformidade com o orador, solicitou um aparte a Trotski. Sensacional! Inimaginável! Um brasileiro de 24 anos aparteando o líder intelectual da Revolução de Outubro. “Eu disse, em aparte, que Trotski estava fazendo lavagem cerebral dos presentes”.
Assim, na latinha do Trotski. Grande Canellas!
Em outro capítulo Iza Salles nos mostra o arremate das atas do congresso. Um registro histórico. “Os temas foram aprovados com o único voto contrário do delegado brasileiro”. Seria Antonio Canellas uma espécie de Heloisa Helena do século passado? Era corajoso o rapaz. Hoje, o que diria Canellas do nosso cambaleante Partido dos Trabalhadores?
Canellas em “O processo de um traidor” foi expulso de PCB e da Internacional. A história desse jovem anarquista foi omitida à esquerda e à direita.
Com essa estupenda reportagem Iza Salles ressuscita para a história esse “cadáver ao sol”.
“É necessário dissecar este cadáver. É preciso desnudá-lo, rasgar-lhe o couro mau, desfibrar-lhe as carnes ruins, pôr-lhes as vísceras ao sol, espremer-lhe o fígado esgorgitado de torpeza. Temos o punho rijo e o ferro é de qualidade”. Assim está escrito na ata de sua expulsão do PCB. Em resposta a direção do partido Canellas afirma “vocês querem me matar como homem e como revolucionário, mas eu estou muito jovem para morrer”.
Iza Salles expõem em livro os sonhos revolucionários de um brasileiro que ousou interpelar Trotski em plena Rússia revolucionária.