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Artigos-->TIA GALDINA, A MULHER QUE VIVEU EM DOIS SÉCULOS -- 10/09/2005 - 17:23 (Moacir Rodrigues) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
TIA GALDINA, A MULHER QUE VIVEU EM DOIS SÉCULOS



Moacir Rodrigues



No ano de 1860, o velho Francisco Teodoro mudava-se da mala e cuia para a beira do Rio Pará, na região do Campo das Vertentes em Minas Gerais, saindo com esposa e filhos de São João da Ponte, hoje Município de Lavras(MG), conduzindo em carros de bois e em burros portando cangalhas, todos os seus bens, além dos semoventes, tocados por terra.



Homem arrojado por natureza, o velho coronel via a região como uma das mais prósperas, onde pretendia cumprir a sua missão de fazendeiro por hereditariedade e de pai de família. Era, no fundo, um desbravador, como o foram os bandeirantes que no passado percorreram a região.



Quando chegou com sua fortuna e instalou-se à beira do rio Pará, - há exatamentee 11 quilômetros do lugarejo em que duas simpáticas velhinhas fiavam em instrumentos de madeira conhecidos por teares que, segundo a história, condutores de cargas a cavalo deram o nome de Passa Tempo em homenagem à hospitalidade delas, precisamente porque ao serem indagadas se estavam bem, respondia de plano: “ ESTAMOS PASSANDO TEMPO” – mais parecia uma empresa multinacional a se instalar naquela promissora e desconhecida região.



Registra a história que entre os seus bens o Coronel trazia para a localidade duas raças de fina qualidade: os cavalos da raça sublime, que mais tarde passaram a chamar-se mangalargas marchadores, animais que num futuro não muito distante, ostentando a extraordinária marca F ( de Francisco Teodoro de Andrade), se tornariam famosos no Brasil e no mundo, e os escravos altos, simpáticos e boa índole, adquiridos em uma região da África, onde as pessoas eram muito bonitas.



Entre esses escravos, nascida a 22 de maio de 1844, portanto, com 17 anos, estava GALDINA, que trazia ao colo, em um carro de boi, o menino Gabriel Augusto de Andrade, que pouco mais tarde fundaria o Município de Passa Tempo. Interessante registrar que Galdina foi a mulher mais bonita da região. Tinha pele fina, rosto muito bem feito, olhos pretos, sobrancelhas bem contornadas, dentes claros e ponteagudos formando uma arcada dentária das mais invejáveis, além da expressão viva e agradável à primeira vista. Para sintetizar, poderia ela participar de qualquer concurso de beleza que se classificaria em primeiro lugar. Basta ouvir os pretos que viveram na Fazenda Campo Grande contando sobre a sua chegada nas festas que eram realizadas. Seu andar era equilibrado e diferente. Sua voz era agradável e macia, isto sem falar no olhar de peixe morto, que machucava o coração de qualquer companheiro.



Conta-se que vários filhos de senhores que visitaram a Fazenda pretenderam adquiri-la como escrava, interessados, é claro, em levar para as respectivas propriedades aquela que foi a verdadeira miss do século passado. No entanto, era responsável por pajear o menino Gabriel e merecia a confiança da nobre família.



Galdina fez sucesso por vários anos, tendo mais tarde se casado com um escravo raçador que existia na propriedade, tendo tido com ele uma única filha, chamada Maria das Dores, que deu a Tia Galdina o neto José Claudiano, que mais tarde foi esculpido em barro por um famoso profissional que fora contratado para construir em tamanho normal o cavalo Rio Verde de Passa Tempo, o mais famoso dos mangalargas Marchadores, cuja figura perpetua numa estátua fincada na sede da importante fazenda. Interessante seja dito que Tia Galdina viveu 117 anos na Fazendo e só veio a falecer acometida de uma forte febre causada pela terceira dentição. A exemplo do que ocorre com todas as pessoas, com o passar dos tempos a natureza vai destruindo o belo estético, conservando, no entanto, alguns traços que mostravam que no passado a pessoa foi bonita e simpática. Cheguei a conhecer a Tia Galdina, conduzindo no pescoço um grande papo, possivelmente por problemas causados por uma glândula na região do pescoço, trazendo em sua perna esquerda a marca F, por ter nascido na condição de escrava do coronel, amparando-se numa bengala, contando, como não poderia deixar de ser, as histórias da família Andrade e um grande número de fatos ocorridos, por mais de um século, com o povo com que conviveu na região. Durante minha infância ouvi inúmeras histórias da velha GALDINA que, evidentemente, muito me encantaram. Algumas se perderam no tempo, outras narrei no livro PASSA TEMPO, A Terra de Tia Galdina, do Carro de Boi ao Disco-Voador, nas Asas da Imaginação, para que os passatempenses do futuro possam conhecer com certa fidelidade, os “causos’ da terra, para que perpetuem no tempo.





A MORTE DE TIA GALDINA



Era pleno inverno de 1961, a região estava passando por um longo período de geadas, quando Tia Galdina adoeceu. A sua doença chamou a atenção de todos os seus amigos e admiradores, porque era raro ela adoecer. Tinha saúde de ferro. Mas passado o casamento do Anísio Elias com a Chica do Zé Rosa, ela saiu da festa queixando-se de uma grande dor no peito e uma febre muito acentuada. O Dr. Nenen, aquela figura simpática e caridosa de Passa Tempo foi chamado, percorreu seis quilômetros de carro até à Sesmaria e andou o restante a cavalo para chegar à casa do velho Claudiano com vistas a examinar a Tia Galdina e a tentar prolongar a sua vida. No entanto, apesar de diligente e competente médico não conseguiu manter em movimento o coração da velhinha. Segundo diagnosticou, se não tivesse ocorrido a complicação surgida com a febre decorrente da terceira dentição, possivelmente Tia Galdina ainda resistisse por alguns anos.

Com a última batida de seu coração, a notícia de sua morte colheu a todos de surpresa e se espalhou rapidamente em todo o Município. Passa Tempo perdia a mulher centenária . Por isso, houve uma completa consternação. A mort3e punha fim naquela mulher que teria sido a preta mais linda, que foi escrava e que viveu a alegria da abolição da escreavatura e que se dizia fâ número 1 da Princesa Isabel porque deu a ela e a toda a sua raça a isonomia constitucional, ou seja, os mesmos direitos conferidos aos brancos. E neste ponto, todos nós concordamos com Tia Galdina, a simples cora da pele não poderia jamais estabelecer qualquer diferença entre as pessoas.



Após o aviso do falecimento por todos os recantos do Município, Tia Galdina foi colocada num humilde caixão e foi carregada por um grande número de amigos que seguiam o seu enterro a pé e a cavalo. Em cada localidade que o corpo passava, mais pessoas integravam o cortejo e quando o caixão entrou na Cidade era grande o número de pessoas esperando para prestar àquela velhinha as últimas homenagens. Foi pena que não tivessem tido a idéia de colocar o seu corpo num carro de boi bem afinado para entrar cantando na Cidade, à semelhança do que ocorrera quando ela trouxe no colo para aquela cidade aquele que seria o seu fundador.



Ao chegar na igreja, houve missa de corpo presente. Como a tampa do caixão foi retirada, formou-se uma grande fila para que os amigos e admiradores se despedissem de Tia Galdina. Lembro-me que todos se despediam beijando a sua mão. Foi naquele momento que me surgiu a idéia de um dia escrever um livro dando conta de tudo que vi da velhinha para que a história de Passa Tempo não terminasse ali com a sua morte.



Após a missa, formaram-se duas grandes filas, a dos homens do lado esquerdo, e a das mulheres do lado direito, guarnecendo o corpo de Tia Galdina até que fosse colocado na sepultura nº 7, do pequeno cemitério local. Lembro-me, ainda, que as pessoas jogavam pequenos punhados de terra em sua sepultura. No momento em que a sepultura foi coberta de terra, foram ali depositadas coroas e rosas multicores. Foi pena que não se tivesse tido a iniciativa de se mandar fazer uma sepultura de granito para aquela que teria sido a mulher de verdade, bonita, de astral elevado, trabalhadora, querida e admirada por todos, e, ainda, na sua simplicidade, uma pessoa de boa formação. É também lamentável que Tia Galdina não tenha dado uma volta de disco-voador em outras galáxias para mostrar aos extra-terrestres que visitam Passa Tempo, as qualidades de um ser humano capaz de nascer, servir, trabalhar e viver por décadas e décadas estampando no rosto uma grande felicidade, como se tivesse plena certeza de que viveria para sempre.

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