Usina de Letras
Usina de Letras
151 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62210 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10450)

Cronicas (22535)

Discursos (3238)

Ensaios - (10356)

Erótico (13568)

Frases (50604)

Humor (20029)

Infantil (5429)

Infanto Juvenil (4764)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140797)

Redação (3303)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6185)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Artigos-->A FOME NAS RUAS DE SAMPA -- 10/09/2005 - 08:41 (Jeovah de Moura Nunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos






A fome nas ruas de Sampa













Durante as quase duas décadas que freqüentei o Brás, no Largo da Concórdia, na qualidade de camelô, se é que camelô tem qualificação, vi muita gente desmaiar.



No começo não me dava conta dos acontecimentos. Pessoas eram levadas para ambulatórios de hospitais, geralmente em veículos policiais, já que nem ambulâncias existiam. E se existiam algumas, gemendo a sirene pelas ruas, com certeza eram para atender os afilhados políticos, ou era algum indivíduo meio ricaço. Vivia-se uma ditadura militar exacerbada. Ambulâncias para pobre? Nem pensar. E, no entanto São Paulo era e ainda é a capital dos necessitados. Gente oprimida pela ditadura econômica, cuja imposição prevalece de cima para baixo ainda existe em São Paulo desde aqueles tempos. Se havia no passado uma terrível ditadura militar, hoje há uma ditadura econômica a devorar o cidadão humilde com um salário vergonhoso, denominado “salário mínimo”. Isto quando existe o emprego, porque atualmente nem emprego existe. E as gatunagens no poder ainda exigem que nós, aqui embaixo, vivamos uma vida ilibada, quando eles nos roubam até as cuecas.



Com o tempo caí na real ao saber que os desmaios de muitas pessoas – daquele turbilhão de pedestres – eram por causa da fome. As pessoas não se alimentavam o suficiente para manterem um dia normal de trabalho. Nem mesmo o bastante para chegarem ao trabalho. Por culpa evidentemente da péssima renda que, nós brasileiros, sempre recebemos, desde muito antes do fim da escravidão. Fim? Será que houve um fim? A palavra fim mais parece às letras invertidas de FMI. O fim de tudo. O FMI de tudo.



Depois de atentar para o problema fiquei pasmado. Era de partir o coração assistir àquelas sessões de desmaios em plena rua, ou dentro da estação de subúrbio, enquanto aguardávamos um trem demorado como sempre. Um trem que não dava sinal de aparecer. Os olhares, quase todos eram para a curva distante, na ansiedade de um apito, ou na grotesca alegria de vê-lo mesmo devagar, quase parando.



De repente um baque surdo rompia o silêncio de milhares de pessoas, ali na estação do Brás. Geralmente eram mocinhas recém-casadas, ou jovens mães, algumas desesperadas por abandonarem seus filhos em lugares suspeitos, uma vez que as creches ainda eram um luxo de ricos trabalhadores.

A pancada era tão forte. Assemelhava-se à queda de enorme melancia, ou abóbora no cimento frio da estação. Acorriam os mais solidários na tentativa de ajudar.



Depois que percebi a fome como a grande vilã desses fatos, passei a observar as vítimas. Eram quase todas magras, esqueléticas. Eram amarelas e com grandes olhos escuros, como se fossem uns moribundos. Às vezes a queda era tão violenta que abria um buraco na cabeça, por onde escorria um sangue grosso, assim como liquenina, de um vermelho-escuro. Era o sangue de pessoas demasiadamente sofridas.



Numa manhã normal ocorriam entre dois e cinco desmaios. Por ali passavam aproximadamente cinqüenta mil pessoas, entre seis e nove horas da manhã. À tarde voltavam as mesmas cinqüenta mil pessoas, mas não ocorriam desmaios. A explicação era sem dúvida, o apoio de colegas de trabalho e dos patrões, os quais financiavam a alimentação dos mais necessitados. As lanchonetes, bares, restaurantes estavam sempre lotados e eram tantos, (e ainda são), que ficava muito difícil alguém não se alimentar naquela região.

Para uma pessoa desmaiar de fome, naturalmente já atravessou sofrimentos indescritíveis, mesmo porque ninguém deseja passar por um vexame público. Quando isto ocorre é porque o descanso, que serena o espírito e o alimento que nutre o corpo inexistem há muito tempo.

Geraldo Alckmin, o atual governador dos paulistas, para fazer sua média política na capital, certamente ao se inteirar por acaso do problema, resolveu vender nas estações o “Lanche-Bom”, título dado a um lanchinho de quarenta centavos. Em todos os anos anteriores, ele como vice-governador e depois como governador, nunca se lembrou de que existia povo no Brasil, ou mais propriamente na capital dos paulistas. Agora como governador, provável candidato à presidência, dá uma de pai dos pobres. E se tal medida está, ou estava sendo tomada, (as notícias sobre isso que tenho é de alguns anos atrás), é devido às proporções dos desmaios que cresceram, ou continuam como nos anos setenta. Pelo rádio, ouvi recentemente um número aproximado de 140 pessoas desmaiando, diariamente, nas estações de trens, metrô e terminais de ônibus circulares. E olha que nós vivemos a era Lula. Os tempos da fome zero. Pelo menos na capital paulista a fome continua, fazendo com que as pessoas desmaiam rotineiramente, desde trinta anos atrás quando testemunhei essas coisas. Lá como em muitos lugares a fome ainda não zerou totalmente.

Alguns desvairados vão dizer que isto sendo média política, ou não será muito bom para o povão. Esses alucinados assemelham-se aos eleitores franceses omissos, que aceitam paliativos ao invés da concretização absoluta do bem estar para todos e não apenas para eles, alucinados. E o pior: só acordam quando a restinga de democracia que temos já foi pro brejo. Ou no caso francês, quando a democracia estava ameaçada por um candidato, com idéias nazistas na cabeça.



O que vem demonstrar com tal atitude, além de mentirosa campanha política, que os tucanos estão sempre envolvidos é a verdade de que os mesmos desmaios de trinta anos atrás, motivada pela mesma fome também de trinta anos atrás, é que continuam hoje e sempre as mesmas mentiras, pelos mesmos políticos de trinta anos atrás. Só mudou a cara, o espírito é o mesmo. E o Brasil não mudou nada.



Normalmente se costuma mostrar pela televisão a fome em outros estados. Esquecem de flagrar a fome na esquina de nossa rua, ou na capital paulista. Por que será? O metropolitanismo é lindo! É lindo sim! Mas, a exuberância, o luxo de grandes cidades européias não esconde, ou não procuram esconder nada que seja miserável, posto que não existe essa miserabilidade de barracos em cima de barracos, próximo a um córrego, que faz o trabalho de transportar o esgoto a céu aberto, porque o poder sequer se preocupa com a infra-estrutura sanitária.



A República deve lamentar muito a abolição do cativeiro, estrategicamente realizado pela Monarquia. A República tenta por todos os meios fazer dos cidadãos humildes, os novos cativos. Isto a gente não vê escrito por aí. Nem ouve ninguém dizer. Mas, percebe-se pelo comportamento típico dos políticos brasileiros. E também se percebe pelo número de esfomeados; pelo catastrófico desemprego que nos maltrata há quase quinze anos; pela falta de oportunidades; de crescimento econômico, que todos os governos sujeitam o nosso país.



Os desmaios são motivados pela fome, que por sua vez grassa em razão da péssima renda de que somos vítimas, em todo o país.



Foram os desmaios em conseqüência da fome, que aos poucos acordou este camelô para uma interpretação diferente que os políticos, depois que se apossam do poder, têm para com a sociedade e o social. Agradeço muito pelo tempo em que labutei nas ruas. Foi lá que conheci o Brasil desconhecido. Foi lá que desmascarei o Brasil que passaram pra mim, nos tempos de escolas. Prova cabal das mentiras que vêm sempre de cima para baixo, mesmo dentro das escolas.





____________________________________________________________________________________

Fim.



Esta narrativa tem fim...



A fome talvez não, tão cedo não.

E todos nós sabemos o por quê!



(Jeovah de Moura Nunes)

extraído do livro "MEMÓRIAS DE UM CAMELÔ"



Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui