Por conta de reestruturar projetos, preencher algumas fichas e alimentar dados no sistema, tenho olhado muito para este monitor. Meus olhos andam rejeitando o brilho da tela. Vez por outra, lanço mão de paisagens para amenizar o sacrifício dos olhos. E a música - neste momento ouço "Era uma vez no Oeste” – tem o dom suave de me embalar. Unindo assim, imagem e som, o fardo se torna mais leve. Na verdade, não nasci para trabalho burocrático. Gosto de ficar livre... Solta... Oh... Saudade grande de quando perambulava na sala de aula, entre os alunos, “objetos vivos” que me impulsionavam a vontade de cada vez mais “SER EU”; alguém não comum, mas aquela que veio para “causar”. Sempre me inebriava a experiência diária de ter aqueles pares de olhos voltados para mim, numa curiosidade do que viria depois.
Que saudade de mim... Palhaça, fazia-os rir intensamente, mas uma simples mudança na linha dos olhos os trazia de volta à seriedade e eu podia perceber os corpos se alinharem nas carteiras e suspiros ajustarem a respiração, para mais uma jornada... de interpretação de texto, análise de poesias... Aqui, os sonhos se misturavam, deles e meu. Lembro-me, certa vez, num colégio noturno, frente a um trecho de um poema de Fernando Pessoa, de “O guardador de rebanhos”:
Passa uma borboleta por diante de mim
E pela primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem movimento,
Assim como as flores não têm perfume nem cor.
A cor é que tem cor nas asas da borboleta,
No movimento da borboleta o movimento é que se move,
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor.
Era uma delícia perceber o impacto que as idéias paradoxais causavam nos olhos dos pupilos, quase adolescentes, na época...
Pessoa diz que “a literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida, justamente porque ela simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso.”...
Fico meio besta, se me permitem a expressão, quando olho para um “quadro-negro”, que agora é todo branco, escrito com hidrocor, e vejo dezenas de listas com verbos conjugados, ou regras ortográficas... E os alunos cabisbaixos, simplesmente, “copiando”... E na sala, silenciosamente, repousam, à espera de uso, tantos recursos: computador, TV com DVD, data-show... Som... Mas... Pessoa é que tinha razão:
A cor é que tem cor nas asas da borboleta,
No movimento da borboleta o movimento é que se move,
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor.
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