UM MENINO DE JESUS(Ebenézer Gomes Cavalcanti)*
MÁRIO RIBEIRO MARTINS reclama dos arquivos de mais de meio século, uns traços da influência protestante na adolescência de GILBERTO FREYRE, para o seu livro “GILBERTO FREYRE, O EX-PROTESTANTE”, pesquisa a que acode o sociólogo com indisfarçável sentimento de ternura pelo reencontro com o passado remoto:
“Num jornal do Recife, simpático e de certo bem intencionado cronista de coisas evangélicas no Brasil(Mário Ribeiro Martins), vem recordando meus contactos de adolescente- quase menino de 17 anos- com o evangelismo. Um evangelismo, o meu, nesses dias, de caráter o mais popular. O mais antiburguês. O mais anti-eclesiástico. Com muito de tolstoiano, portanto. São contactos e tendências de que me orgulho. Duraram ano e meio. Mas ano e meio que me enriqueceram a vida e o conhecimento da natureza humana, no sentido de relações dos homens com Deus e com o Cristo, que é um sentido de que ainda hoje guardo comigo parte nada insignificante”(DEPOIMENTO DE UM EX-´MENINO PREGADOR`, Diário de Pernambuco, Recife, 31. 12. 1972).
Algumas de suas alusões ao protestantismo vinham sendo interpretadas no sentido de uma intencional tentativa de negar ou apagar aquela marcante influência. É que certo critério sectarista deslocou tais alusões de seu contexto sociológico, em que me parece havê-las situado o festejado mestre de Apipucos.
Agora que se escavam velhas raízes, que acontece? Nem contestação nem repúdio. Antes, o confessado ´orgulho` daqueles contactos que lhe enriqueceram a vida, daquele inesquecível ´impulso de bondade` que o levara, um Tolstoi ainda adolescente, a falar do amor de Jesus aos pobres filhos da lama, na cidade do Recife.
Seu tranqüilo depoimento nada tem de amargo ou evasivo. Confirma os registros, emprestando-lhes, com outras evocações mais sabor e mais vida.
Alarga-lhes a interpretação em termos de uma experiência religiosa ainda válida, para ele, em seus efeitos, no que significou autêntico entusiasmo por Jesus e compreensão de um cristianismo não institucionalizado. Desde então, cuidará de imprimir orientação ´cristãmente anárquica` à sua obra de cultura, indiferente aos padrões da burguesia comprometida com velhas estruturas.
Isto posto, quebrado o gelo, não será muito pedir ao escritor- fonte obrigatória de referência e citação- que contribua, ele próprio, para enriquecer e ilustrar os anais do protestantismo brasileiro, pondo à disposição de curiosos ´de coisas evangélicas no Brasil` o arquivo daquele doce período galileu de sua vida.
O tocante apelo do menino de Jesus continua a ecoar através doutros ´meninos`. ´Quem quer ser do Jesus de quem acabo de falar`?
Salvador, Bahia, fevereiro de 1973.
Ebenézer Gomes Cavalcanti.
*Este foi o prefácio escrito pelo Pastor Ebenézer Gomes Cavalcanti para o livro GILBERTO FREYRE, O EX-PROTESTANTE, de Mário Ribeiro Martins, publicado em 1973, pela Imprensa Metodista de São Paulo. Na época, Ebenézer Gomes Cavalcanti era Pastor da Igreja Batista Dois de Julho. Nos anos seguintes, publicou o romance A GAZELA DE JOPE. Mais sobre ele, leia o DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO REGIONAL DO BRASIL, letra E, no site www.mariomartins.com.br
|