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Artigos-->Nordestinidade Difusa - Um usual estereótipo -- 16/08/2005 - 18:40 (Lucas Tenório) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Nordestinidade Difusa – Um usual estereótipo



Lucas Tenório





Estava já há algum tempo inclinado a escrever alguma coisa sobre este fenômeno e estereótipo ideológico corrente, a que chamo – acredito que não originalmente, porque de formas diversas outros já assim aludiram ao assunto - de “Nordestinidade Difusa”. A minha intenção no texto é a de imprimir uma modesta marca minha nessa aclaração, a partir da observação de alguns fatos e de algumas circunstâncias que se revelam e se revelaram, na minha opinião, vetores e portadores desse grande paradigma de conteúdo ideológico-reducionista, e de gosto usual e comum, dos mais populares aos mais sofisticados: o símbolo “Nordeste”.



O que vem a significar o termo-idéia, difuso – reitere-se – “Nordeste”, no imaginário psicossocial e no discurso formal de nossa sociedade, tanto a culta quanto a popular? Qual a sua conotação, e que valores simbólicos essa nomenclatura carrega e promove através do seu uso e de sua referência?



Começando pelo traço fundamental que lhe empresta essa sua marca, sabemos que o Nordeste é uma região economicamente pobre, principalmente se vista de uma forma classificatória geral (porque há vários “nordestes” nesse vasto espaço – voltaremos a essa questão, central, depois) e de um viés majoritariamente demográfico, ecológico ou geoeconômico.



Sabemos que as secas cíclicas que se abateram e se abatem sobre os seus sertões, principalmente, moldaram toda uma cultura e uma etnia sui generis, mercê do destemido sertanejo - biografado por Euclides da Cunha -, indissociavelmente marcado pelo ímpeto do desbravador luso-brasileiro e pela alma selvagem do índio nativo. Essas secas são conhecidas desde os primeiros estudos e observações que foram feitos sobre o Brasil, e seus flagelos constituíram uma espécie de adversidade fatalista com a qual se teve de conviver nos primeiros séculos da colonização, porquanto não havia os recursos técnicos e materiais (e as tecnologias) de que passamos a dispor em fins do século XIX e século XX, e que pudessem vir a ser usados, como podem hoje, em socorro ao problema da seca e à pobreza econômica da região.



Bom, no concernente às riquezas, sabemos como o Brasil se desenvolveu política e economicamente do descobrimento à contemporaneidade, e como o Nordeste perdeu sua maior e antiga importância nesses campos, e passou a ser uma região secundária no contexto da política e economia nacionais.

Sabemos que havia (e ainda há) uma “indústria da seca” na região, muito envolvida, segundo o discurso formal, em todo esse seu precário estado de subdesenvolvimento, um aproveitamento político-eleitoral-financeiro da indigência, da necessidade, da pobreza dos estados nordestinos. Mas também sabemos, em contrapartida, que fenômeno parecido aconteceu (e acontece) na Região Norte (permitam-me usar de outra grande generalização), e nos interiores de mais outras regiões brasileiras: na região Sul, no interior do Rio Grande do Sul, por exemplo; no Sudeste, no interior de São Paulo. Essa semelhança de situações foi apropriadamente colocada pelo antropólogo Darcy Ribeiro em seu livro “O Povo Brasileiro”.



Sem entrar em investigação sobre a gênese e o porquê da supremacia econômica e política do eixo Sudeste-Sul sobre as demais regiões e estados do Brasil, análise complexa e extensa e que não caberia – nem interessaria tanto – aos propósitos deste pequeno artigo, compete-nos perguntar por que o Nordeste, no que lhe caberia de residual nessa organização continental e no status quo geral, mesmo assim ficou mais “atrasado” do que se poderia esperar, se houve, como disse Darcy Ribeiro em seu livro citado, processo assemelhado de organização e manipulação social de seus povos por parte das elites econômicas e políticas de outros lugares do país e de outras regiões nacionais, e que não apresentaram, nada obstante, problemas como os nossos?



Talvez não nos interesse tanto essa difícil resposta, mas sim, neste ponto, uma ousada pergunta - e como uma espécie de réplica necessária: de que Nordeste estaríamos exatamente falando quando nos indagamos recorrentemente sobre o seu “atraso”? De que Nordeste, leitor, você fala ou pensa quando reflete sobre a pobreza, o atraso, o subdesenvolvimento da região? O Nordeste dos nove estados e capitais, e das suas múltiplas e diversas cidades?



Afinal, exatamente de que Nordeste costumamos falar nesses momentos, se é que é possível e cabível esse esquadrinhamento?



Tivemos, mais recentemente na nossa História, especificamente no nordeste do Recife, de Pernambuco, do alcunhado “Leão do Norte” (inclusive pelo que representava a sua economia no início do século XX), a força (e ainda a temos) da tradicional Faculdade de Direito do Recife (antes em Olinda), a primeira do Brasil (junto à de São Paulo), e depois incorporada à Universidade Federal de Pernambuco. Legenda de Tobias Barreto, Joaquim Nabuco, Castro Alves, Augusto dos Anjos. Posteriormente o Recife/Pernambuco de Gilberto Freyre, Manuel Correia de Andrade (geógrafo), Manuel Bandeira, Joaquim Cardozo (poeta e engenheiro), Carlos Pena Filho (poeta), Paulo Freire, Mauro Motta, César Leal, Abelardo da Hora, Lenine, Alceu Valença, Francisco Brennand, Naná Vasconcelos, Austregésilo de Athayde, entre tantos outros.



Temos hoje o Recife do segundo pólo médico do Brasil, da medicina de ponta, de um dos mais avançados parques de informática e desenvolvimento de sistemas do país (ao lado do de São Paulo), com a experiência do Pólo Digital, no bairro do Recife Antigo, um conglomerado de unidades de desenvolvimento de sistemas interligadas em rede, como o Cesar (Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife), com a participação e coordenação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).



O Recife/Pernambuco, além de suas universidades e de seus diversos pesquisadores em todas as áreas do conhecimento, dos congressos e convenções nacionais e internacionais, de sua economia de produtos e serviços, que teve início com os antigos Mascates do século XVIII.



Recife, nesse sentido e dessa forma colocada (lógico que o Recife tem uma série de problemas estruturais gerais, como de resto todas as capitais do Brasil), seria... “Nordeste”? Eu diria que não, pela observação que tenho feito e pelo entendimento que tenho desse fenômeno. Não, porque esse Nordeste, o termo-idéia-esteriótipo pelo qual ele é amplamente identificado e compreendido, pressupõe uma série de simplificações e reducionismos na instrumentalização do seu significado: a emblemática e simbólica figura do retirante, o casebre característico, a pobreza, a fome, a seca, o tão famoso atraso com relação aos usos e costumes modernos das regiões mais prósperas do país.



Graciliano Ramos, em Vidas Secas, e João Cabral de Melo Neto, em Morte e Vida Severina, ajudaram a construir e a sagrar, no imaginário nacional, o símbolo do retirante desesperado e espoliado do Nordeste. Os romances regionalistas da segunda fase do Modernismo também apontaram nessa direção - e contribuíram para isso -, principalmente com José Lins do Rego e Jorge Amado. Abriu-se o espaço formal e cultural para a tão decantada, e não menos elaborada, simplificação e generalização semiótica e semântica do termo Nordeste; Nordeste querendo significar todas as mazelas a ele historicamente associadas.



Podemos falar, portanto, em alguma coisa como uma paralisia de paradigma no entendimento do Nordeste, e um seu decorrente círculo vicioso, numa generalização na forma de uma espécie de nordestinidade difusa. O Nordeste é por conseguinte sempre visto e generalizado negativamente, e é visto dessa forma exatamente porque é Nordeste. O emblema Nordeste significa sempre atraso e pobreza, mesmo com o exemplo supracitado do Recife, que creio aconteça parecido, as situações do exemplo, na maioria das capitais da região, principalmente Fortaleza e Salvador, e em cidades do Agreste e Sertão nordestinos, como Petrolina, Campina Grande e Caruaru, que nesse sentido, no que fogem ao esteriótipo, não são Nordeste, exceto naquilo que a ele, ao estereótipo, façam jus.



Há uma conspiração que faz com que esses exemplos, os positivos, não cheguem - ou cheguem ressignificados - com poder de desfazer essa generalizante imagem Nordeste, nas mídias do Sudeste e Sul, e até na própria mídia da região? Não, não se trata exatamente de conspiração deliberada. Trata-se de uma postura cômoda, fácil e confortável, principalmente política e ideológica da maioria, em continuar pensando e entendendo o Nordeste dessa forma redutora, justificando tal procedimento através de recortes descontextualizados e tendenciosos de sua vida social, cultural, política e econômica.



Existe, evidentemente, um interesse conjuntural e estrutural maior, das elites políticas e econômicas do país, em preservar a riqueza do “Sul”, e em manter-nos como sedes do bom Carnaval, da boa cultura, mas, veja, popular, do bom São João etc., algo parecido com o que se faz com o Brasil ao entendê-lo como o país do samba, da mulata, das praias, do jeitinho brasileiro.



Em conversa com uma amiga de São Paulo, eu dizia que nós, Nordeste, temos muito a melhorar e a fazer, evidentemente, mas que em parte já o fazemos sem termos o eco e a visibilidade que merecíamos por essas realizações, haja vista a curiosa, desproporcional e questionável facilidade peremptória em se noticiar a todos quanto se possa mais uma “mazela” nordestina, por menos representativa que seja ou possa parecer para o estado de coisas vigente.



Disse-lhe que, na minha opinião, para que o Nordeste vença esse seu emblemático, e de certa forma simbólico, “atraso”, é necessária uma mudança de paradigma na sua compreensão - e desse seu atraso, por parte de todos nós. O Nordeste começaria a mudar na cabeça de cada um de nós, e a cabeça, o trabalho e a competência de cada nordestino começaria a mudar ainda mais o Nordeste, como já aconteceu no passado e vem sendo feito atualmente em larga escala. Nordeste dos seus Estados, da sua ciência e cultura e de seus valores diversos, e não dessa mistificadora nordestinidade difusa.
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