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Contos-->INCAPACIDADE -- 26/02/2002 - 08:15 (Luiz Carlos Ferreira Junior) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Faz duas horas que está sentado ao balcão do bar. A quarta cerveja parece que não conseguirá aplacar sua sede muito melhor que as três anteriores. Seus cigarros logo o obrigarão a adquirir um novo maço. Mas há um problema. Ele sabe que mesmo quando tiver bebido tanto a ponto de não se agüentar de pé, quando tiver acabado com
os maços de hollywood do bar, nada terá mudado. Ele continuará sendo o que é. Incapaz.

"Por que nunca disse que me ama?"
Ele não soube responder àquela pergunta. Deus! Por
que? Nem ele sabia. Sofia era linda. Longos e sedosos cabelos castanhos que escorriam belos pela sua espádua alva. Como ela era linda!
"Por que?" ela tornou.

Por que, meu Deus? ele agora se pergunta. por que não respondeu. Não inventou desculpas, não alegou insegurança, ou disse qualquer coisa que as mulheres esperam ouvir quando fazem este tipo de pergunta. Ela aceitaria qualquer coisa que ele dissesse. Agora ele sabe disso. Então dá mais um
gole na cerveja e acende outro cigarro. Dá uma longa tragada e observa a evolução da fumaça no ar.

Sofia adorava dias chuvosos. Quantas vezes ele acordou e ficou durante muito tempo deitado na cama, vendo-a, nua, linda, de costas pra ele, sentada num banquinho em frente à janela. Como ele se sentia bem em olhá-la! Ficava o tempo todo
quieto. Sabia que era um momento mágico pra ela. Quase um transe. Era mágico pra ele também.
"Gosto dos pingos de chuva batendo no vidro da janela!" Ela dizia com o ar mais angelical que ele já vira num ser vivo, quando finalmente percebia que ele a observava.
"Só quando chove eu sou feliz" ele respondia em tom de brincadeira, lembrando Only Happy When It Rains, do Garbage. Ela adorava e cantava um trecho pra ele. Ele sempre torcia pra que a chuva caísse. Só pra que ela pudesse olhar os pingos de chuva contra a janela.

Ele se levanta, joga o dinheiro sobre o balcão e sai do bar sem esperar o troco. Na rua, a chuva que cai incessantemente parece querer molhar-lhe os ossos. Ele decide caminhar na chuva. Sem rumo, sem destino, sem itinerário. Só caminhar sentindo a água escorrendo pelo seu rosto.

Ela chorou. Ante o olhar mudo dele, ela chorou. Ele deu as costas e saiu sem olhar pra trás. O que
mais poderia fazer? Dizer a verdade? Assumir sua grande incapacidade de amar? Dizer que nada a que ele se dedicava dava certo? Que tudo que ele tocava se quebrava? Ele saiu e deixou-a só, chorando. Ela chorou sentindo-se também a mais incapaz das mulheres. Incapaz de conseguir que o homem que amava e que sabia que a amava também, dissesse as três palavras que deveriam ser, para eles, as mais simples de se pronunciar.

Ele não andou por muito tempo. Logo divisou o apartamento. "Ela deve estar dormindo. Deve ter chorado até dormir. Entro, pego minhas coisas, vou embora. Ninguém sai muito machucado. Melhor assim." Subiu as escadas no escuro. Somente a brasa do cigarro denunciava sua presença quando chegou ao início do corredor. Os sapatos molhados faziam um barulho irritante no assoalho. Gira a chave na porta como fez tantas vezes. Escuro. Enquanto procura o interruptor, pisa em algo. Acende as luzes e vê uma garrafa de vinho que deveria estar abaixo da metade se não tivesse uma boa quantidade derramada no tapete. Ela raramente bebia. Vai ao quarto ver se ela está bem. Ao entrar, não precisa acender as luzes para divisar seu vulto à janela, sentada num banquinho, vendo os pingos de chuva que batem no vidro. Ela está nua. Ele sabe. E imagina seu lindo corpo. Ela não se vira. Sabe da sua presença, mas não se vira. Ele dá as costas e se prepara pra partir. Mas pára.
"Eu te amo."
Ele se assustou mais que ela ao ouvir essas palavras e perceber que ele mesmo as pronunciara.
"Eu te amo muito, Sofia."
Nunca o gelo havia sido tão difícil de ser quebrado antes. Ela se vira, com o rosto marcado pelo choro, mas com olhos brilhantes e diz num tom que deixaria o coração da pedra mais dura parecendo um floco de neve:
"Só quando chove eu sou feliz."
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