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Artigos-->Por que a EDUCAÇÃO não funciona no Brasil? -- 04/08/2005 - 22:58 (Lucimar Justino) |
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Por que a EDUCAÇÃO não funciona no Brasil?
Artigo da professora Therezinha de Alencar Selem, sobre o panorama da educação no país
*Por Therezinha de Alencar Selem
Os exames da OAB dão ciência pública, a cada ano com mais
intensidade, da falência dos cursos de Direito. (94% de reprovação
2005). Pergunta-se: e os outros cursos? Se para Medicina, Odontologia, Engenharia...e
qualquer das outras profissões, houvesse um exame semelhante ao da Ordem,
quais seriam os resultados? Seguramente iguais ou talvez até piores...
Por quê? Acredito que esteja havendo uma inversão de avaliação
no processo educacional do Brasil.
Pergunte a qualquer agricultor o que é necessário para que se
tenha um bom fruto na hora da colheita. E ele certamente dirá que a terra
precisa ser cuidada. Que deve haver inclusão de insumos de qualidade.
Que deve haver tempo suficiente, para que a planta passe pelo processo necessário
de desenvolvimento. Que se deva respeitar os variados ciclos de cada planta.
Que deve haver permanente vigilância para correção de possíveis
desvios, quer internos - da própria planta, quer externos - da natureza,
chuvas, secas fora de épocas, por exemplo. Que deve-se investir em pesquisa
para que se melhore todo o cenário.
E só então, cuidando-se de todos esses aspectos se terá
controle de qualidade e se poderá dizer que os resultados da lavoura
correspondem às estimativas e que a produção está
num patamar de excelência racional, não mais com frutos, ora excelentes,
ora de qualidade inexpressiva, concluindo que a lavoura planejada, trabalhada
de forma adequada, dará necessariamente bons frutos, não mais
à mercê do acaso.
O que tem a ver a agricultura com educação?
Foi tomado como exemplo, apenas para facilitar a compreensão de que
a avaliação do fruto - resultado de um curso universitário
- deveria começar bem antes...lá no Ensino Fundamental. É
lá que se originam os problemas. É no Ensino Fundamental que o
futuro "doutor" deve aprender a ler. É lá que se vão
construindo as estruturas básicas da inteligência. É lá
que a criatura começa a desenvolver o pensamento lógico. É
lá que as curiosidades devem ser estimuladas. É lá que
devem ser trabalhados valores éticos, habilidades de leitura e de escrita....enfim,
é no Ensino Fundamental que se estabelecem as bases de todos os segmentos
posteriores entendidos como Ensino Médio e Superior. A qualidade do fruto,
como já vimos, começa a ser construído muito antes da colheita.
Por que a agricultura moderna enfrenta os desafios que a lógica ensina
e a Educação, não? Aqui é necessário que
se faça um retorno histórico. Até os anos 60 no Brasil,
e quiçá, no mundo, os pais e professores sabiam a que vieram.
Desenvolviam seus respectivos papéis, muitas vezes apoiados apenas no
bom senso e não se questionavam muito quanto a erros e acertos, e mesmo
que, em muitas vezes à base de palmadas e outros castigos físicos
e morais, a escola e os pais apresentavam à sociedade os resultados da
educação, e ponto.
Com o advento das comunicações - saiu-se do rádio para
a televisão - das cartas manuscritas para a internet - o mundo mudou
e mudou rápido. O conceito de globalização dá a
perfeita medida de que tudo tem a ver com tudo, os questionamentos vêm em avalanches....
e ninguém mais tem certeza de nada. Tudo pode ser visto sob diversos
ângulos. As verdades absolutas não são mais tão absolutas
assim...., ao invés do isto ou aquilo, temos isto e aquilo, e mais e
aquilo.....e tudo é possível. Einstein entrou na história.
A mulher...antes a "rainha do lar" e educadora de seus filhos é
agora a guerreira, que junto com o homem tem que ir à luta pela sobrevivência,
cada vez mais exigente, e, para isto, tem que pedir o apoio da babá eletrônica...
e enche-se de culpa, e para compensar sua ausência junto aos filhos passa
a ter atitudes permissivas, ....e a ordem natural das coisas se subvertem....e
pais e mães perdem-se na modernidade. Paralelamente, a droga encontra
seu espaço no mundo moderno. O apoio profissional de psicólogos
torna-se imprescindível....já não se sabe mais como lidar
com tanta informação/desinformação. Nem as igrejas,
antes seguras e consistentes, também elas passando por suas adaptações,
servem de arrimo.
Neste contexto, e tudo junto, Piaget e Vygotsky entram na história da
Educação e ensinam que a criança deve construir o seu aprender
- é a época do Construtivismo. Mas como se faz isto? O professor
também não sabe....ele aprendeu na época das verdades absolutas,
lembra-se? E dêem-lhe cursos de capacitação. Mas quem capacita
também não sabe, "não damos receita".... A lógica
da teoria é clara. Mas como operacionalizar as novas idéias? Piaget
apenas deixou explicitadas quais as etapas do desenvolvimento mental da criança,
mas não deixou método algum. Não era pedagogo, era biólogo
e psicólogo.
Agora sabe-se o que não deve ser feito. Mas o que fazer para acertar?
Esta é a grande questão.
Percebam que as crianças continuam a nascer, continuam a precisar de
pais e de professores, e da escola, enquanto as mudanças correm a
solta. E isto de forma globalizada. E ao mesmo tempo, como rastilho de pólvora
as informações, dúvidas, questionamentos, avolumam-se mundo
afora.
No Brasil, tivemos um complicador: a Revolução de 64, quando
houve um desmonte da vida intelectual do país.
Em 1971 com a promulgação da Lei 5692 - novas diretrizes para
o ensino de 1º e 2º graus - excluiu-se dos currículos disciplinas
que exercitavam o pensamento - Filosofia, Sociologia, Lógica; subtraiu-se
da carga horária de Língua Portuguesa, Ciências, Conhecimentos
Gerais, incluindo-se aí Matemática, um tempo enorme destinando-o
à "preparação para o trabalho", com a intenção
de que todo adolescente saísse da escola com uma profissão.
Pautado em premissas falsas, a proposta não se sustentou por muito tempo,
mas o estrago foi grande, uma vez ter coincidido com uma metodologia tecnicista
de ensino, quando os livros foram substituídos por cadernos de exercícios
descartáveis e, por longo tempo, o trabalho mais importante dos alunos
era procurar uma resposta certa para cada questão proposta e marcar (X),
sem necessidade de grandes reflexões. Muitos cadernos de exercícios
traziam "a resposta certa" no final do mesmo.
Crescem as escolas de 3º Grau (Ensino Superior) e multiplicam-se as faculdades
em todo o país, e com elas os vestibulares de massa, em que novamente,
a exigência recaia no marcar (X) permitindo o ingresso, desde que a nota
fosse diferente de zero, nas respectivas disciplinas avaliadas. Redação?....
nem pensar.
Considerando que, para se "desmanchar" qualquer coisa é bem
mais fácil e rápida do que para se "construir", pode-se
concluir o estrago histórico de tudo isto. E hoje convivemos com os resultados
vexatórios de índices de avaliação da qualidade
do ensino brasileiro, através de variados institutos nacionais e internacionais,
comparado ao de outros países, até subdsenvolvidos, quando se
fica sempre na lanterninha.
É uma enorme pena...Inúmeros exemplos dão conta de que
o povo brasileiro é criativo, inteligente quando a oportunidade aparece.
Só que não se tem um padrão de qualidade. Falta um planejamento
sério e sistemático, com previsões estratégicas
de longa duração para que se tenha, ao final de um certo tempo,
os resultados esperados. Os projetos, por melhores que sejam duram o tempo dos
mandatos políticos, não se pensa na nação. E Educação
tem sido historicamente assunto de campanha eleitoral...e só.
E os professores? Para mim, sem sombra de dúvida, aí está
o nó do problema e também a solução. Antes dos anos
70 tínhamos a Escola Normal, que historicamente preparava os professores
desde o final do sec. XIX, que passa a ser questionada com a reforma de ensino
de 71, com o advento dos cursos profissionalizantes. "Normal? Normal por
quê? Os outros cursos do 2º grau, por acaso, são anormais?"
A professora, da escola primária, lá naquela época em
que pouco se questionava, numa sociedade com as funções bastante
estratificadas, era tida como Autoridade. Gozava do mesmo respeito devido ao
Advogado, ao Médico e ao Padre, da época. Era a Educadora, e sentia-se
como tal.
Na modernidade, passa a ser chamada, juntamente com a diretora, supervisora,
da escola de "trabalhadora da educação", com uma nítida
conotação do fazer operário que, batido o ponto de horário
de chegada e o de saída do serviço, encerra suas funções
do dia, em contraponto com o conceito de "professora- mãe tempo
integral".
Devagar e paulatinamente vai se desmontando o conceito da "mestra"
e também vão se desmontando as Escolas Normais, que hoje já
não mais existem no Brasil, ou em quase todo o território nacional.
Por que acabaram? Principalmente por falta de candidatos para a profissão,
que sem mais o glamour de antes, sem remuneração condizente com
o padrão de responsabilidade que um bom trabalho exige, sem estímulo,
sem uma política clara dos governos, foi perdendo força até
fenecer. O dia-dia do professor é duro. Para sobreviver, precisa trabalhar
em diversas escolas, correndo de uma para outra, até a exaustão.
Sem tempo para estudar, tem a nítida consciência de que seu trabalho
não é satisfatório e segue por dois caminhos: "deixe
a vida me levar....e salve-se quem puder" ou mais engajados sofrem e o cansaço,
o desânimo, o estresse....o levam à síndrome de Burnout,
uma doença muito presente no magistério, reflexo da grande insatisfação
pessoal que a carreira trás.
E onde estão estes professores? Nas salas de aula. O que se pode exigir
deles? Muito pouco. E de forma geral, é mais fácil para todo mundo
"o não querer ver", e a roda da vida vai girando, até
que se espantem, pais - professores - sociedade em geral - com os resultados
dos exames da Ordem.
Neste quadro, a jovem de hoje tendo as atrizes de novelas como modelo, não
pode mesmo desejar ser professora. E o caminho é encerrar a Escola Normal.
Houve um período em que se tentou revitalizar os cursos de formação
de professores através dos CEFAMs - Centro de Ensino de Formação
do Magistério - mas isto também caiu no vazio. Como tantos outros
projetos, foi condicionado a mandatos políticos; não se deu continuidade
e acabou.
A Educação está tão desmotivadora que convido você
a fazer um teste simples. Visite as grandes livrarias do país ( tive
esta experiência em São Paulo e em Curitiba - consideradas como
fortes no campo da intelectualidade ) e verifique onde e como se apresentam
os livros específicos para a área pedagógica. É
uma tristeza. São localizados nas áreas menos nobres das livrarias
- com a maior falta de cuidado, se comparada a outras áreas. Por que
será?
Qual o perfil de quem busca hoje o Curso de Pedagogia destinado à preparação
do educador?
Lembra-se daquele aluno que veio da escola de marcar (x)? daquele aluno que
não foi instigado a achar mais de uma saída para o mesmo problema?
daquele aluno que não foi incentivado para a leitura? e por isso fala,
escreve e pensa de formas inadequadas? Pois é, esta é, salvo as
exceções, a clientela, não só do curso de Pedagogia,
mas do Direito, da Engenharia, da Odontologia.....enfim estamos no mesmo Brasil.
Também os professores desses novos acadêmicos - que se não
tirarem zero nos inúmeros vestibulares de inverno, de verão, de
final de semana ...sei lá, são tantos os motivos para que hajam
vestibulares - também são fruto daquele "desmanche"
do período da Revolução de 64.
Daí minha reflexão ter começado com o lavrador. A colheita
do fruto começa muito antes... e se quisermos bons resultados temos que
reconstruir a educação do Brasil, cuidando dos seus professores.
Fico emocionada ao encontrar pessoas ligadas à educação
com garra de Davi contra Golias que, com sacrifícios pessoais até
da saúde e da família, por amor à profissão, lutam
às vezes até sozinhas contra esta situação. Mas
são ações pontuais. São ações movidas
pela vontade individual de salvar a Educação.
Mas não é disto que o Brasil precisa. Ele precisa de um projeto
sério que comece pela formação dos professores. Que não
busque culpados. Conhecer a História faz entender melhor as origens dos
problemas, mas de nada adianta ficar só no compreender, é preciso
enfrentar soluções.
Se o acadêmico que quer ser professor não sabe ler, que se dê
a ele a oportunidade de aprender. Não sabe escrever, que não saia
do curso como entrou. Que tenha a consciência de suas limitações
e que, se de verdade quer ser professor que tenha a oportunidade da re-alfabetização
durante o processo. Esta é a nossa realidade. De nada adianta tapar o
sol com a peneira.
Um curso que tenha esta pretensão não pode ser rápido.
Três anos é muito pouco. Precisa, além de recuperar as bases
perdidas, instalar no coração e no entendimento desse futuro profissional
a auto-estima e a relevância de seu mister.
Mas esta política tem que ser encarada com coragem pelos responsáveis
pela Educação do País - área governamental. Buscar
o óbvio, é o caminho. O professor deve ensinar, e ponto. E deve
estar preparado para tal, mesmo tendo a consciência de que deve ser um
permanente estudioso. Pesquisas devem ser permanentes. As Universidades devem
sair do distanciamento em que se encontram da sociedade como um todo e buscar
soluções conjuntas com as Secretarias de Educação,
soluções metodológicas práticas que mudem o curso
da História.
A vida continua enquanto se pensam as grandes mudanças, e nem por isso
se deve deixar o que se está fazendo para "pensar" o como fazer.
É preciso agilidade. Divisão de funções. Pessoas
competentes para isto existem e muitas, "espalhadas" por este Brasil.
Um projeto para a Educação não pode ser apolítico,
mas não pode ser político partidário. Precisa ser pensado
de forma estratégica, com tempo suficiente para que os resultados apareçam,
não para o aplauso do governante de plantão, mas para o bem da
nação.
Há que se pensar no desenvolvimento do País pela via da Educação.
Países asiáticos já deram mostras de que isto é
possível. Por que não aqui? A vida moderna tem tantos recursos
tecnológicos que podem ser utilizados num projeto como este, desde que
o mesmo não sirva a interesses particulares de governos e empresas e
que se expanda para os interesses da nação.
Um projeto desta natureza precisa ser visto de forma panorâmica, com
metas definidas para o curto, médio e longo prazos. Deve-se pensar em
padrões de medida de qualidade. O pais é enorme, mas poderia ser
pensado por regiões. Desde que não se perca o foco - Preparar
os Professores. Com professores conscientes de seu papel, estimulados financeiramente
- para que não precisem correr de uma escola para outra, - com condições
técnicas para o exercício da profissão - livros, recursos
didático-pedagógico simples mas funcionais, com tempo para estudar
na própria escola onde trabalham ... sem dúvida farão uma
revolução neste país, e então teremos saído
da infância intelectual em que nos encontramos para um país adulto,
inclusive com melhor capacidade para escolher seus dirigentes.
É preciso entender também no que se transformou a escola de
hoje, especialmente a pública. É lá que a criança
é alimentada. É a ela, escola, que cabe ensinar boas maneiras
no falar, no comer. É na escola que a criança deve aprender hábitos
que normalmente cabiam aos pais ensinar: escovar os dentes por exemplo. É
a escola que deve estar preparada para responder questões de educação
sexual levantadas, naturalmente e cada vez de forma mais precoce, pela criança.
É a escola que deve dar o sentido humanístico e espiritual necessários
ao desenvolvimento integral da criança e do adolescente, é na
escola que a criança deve aprender princípios éticos e
de relacionamentos. E é lá que a criança também
deve aprender os conteúdos de línguas, ciências, estudos
sociais e mais computação, educação física,
e tudo mais relacionado a este estágio de sua vida.
Só que para tudo isto existe uma carga horária/dia de aproximadamente
três horas e meia. É preciso ser gênio, tanto para ensinar
como para aprender tudo isto em tão pouco tempo, num processo interrompido
por feriados, campanhas de diversas naturezas. Tudo acontece na escola!!! É
preciso pensar numa escola com horário mais alongado. O fruto que amadurece
à força nunca é suculento. É preciso dar tempo para
a assimilação de tantas informações. A criança
precisa brincar enquanto aprende. Seu tempo deve ser respeitado.
E como fazer isto se é preciso fazer tudo em tão pouco tempo?
É preciso encontrar caminhos. Também eu não tenho todas
as respostas e nem pretendo. Os caminhos podem ser diversos e criativos, mas
não se pode perder o FOCO. Há que se começar pelo começo,
preparando os educadores, para que se possa, inclusive, cobrar resultados visando
padrões de qualidade, hoje impossíveis.
*Therezinha Alencar Selem é coordenadora do curso de pedagogia do
ICG (Instituto Campo Grande de Ensino Superior), no Matro Grosso do Sul.